
A saudade de ver o Cruzeiro em campo � colossal. Ao ponto de relevar os calos nas vistas, heran�a das pelejas contra CRB e Coimbra. Quando se ama incondicionalmente, se perdoa.
Optei por passar a quarentena ouvindo hist�rias celestes. Como lembrou o amigo Guile Suarez, do Reduto Cruritiba, “� poss�vel viajar de qualquer ponto de Minas at� o Mineir�o recordando os t�tulos do Cruzeiro e terminar o trajeto sem conseguir falar de todos”. J� a Turma do Sapat�nis n�o passa do primeiro quebra-molas.
Em meio aos relatos alegres, tristes, engra�ados, tensos e “para a vida toda”, ca� num sorriso molhado, em l�grimas emocionadas, ap�s ouvir a hist�ria de companheirismo pelo Cruzeiro vivida pelo genial jornalista Rodrigo Fuscaldi e seu pai, Marcelo. Ela me fez lembrar do meu velho comigo contra o Goi�s, no t�tulo de 2014. Seria um ego�smo profundo n�o dividir a ode ao amor pelas cinco estrelas de Rodrigo e Marcelo. Sendo assim, aqui est� ela.
“Nasci em uma fam�lia de atleticanos, em que meu pai era um cruzeirense sem se importar muito com futebol. Mor�vamos em Sete Lagoas, e ir ao Mineir�o n�o era muito comum na nossa vida. At� que numa tarde de domingo do in�cio da d�cada de 1980, meu pai e eu ouv�amos um Cruzeiro x Atl�tico pelo r�dio. O Cruzeiro ganhou, meu pai ficou muito feliz, e eu, crian�a, nem me liguei muito. Ele ficou louco. Disse que, se eu n�o me tornasse um cruzeirense fan�tico, nunca mais poderia ir ao Mineir�o ou ver uma partida. Com medo de que fosse verdade, respondi ser cruzeirense doente. Ele me abra�ou, me beijou, me jogou para cima. Sinto aquele abra�o at� hoje. Tornei-me o que sou naquele momento.
Come�amos a ir com frequ�ncia ao Mineir�o. De carro, sozinhos, de kombi, com o pessoal do boteco vizinho � nossa casa... Vimos a decep��o contra o Inter em 1987, a derrota para o Racing na Supercopa em 1989, os t�tulos de 1991 e 1992, com M�rio Tilico e Charles e com Renato Ga�cho e Roberto Ga�cho. �ramos c�mplices de um amor pelo Cruzeiro. Ele me fez ser um grande cruzeirense. Eu o fiz ir aos jogos e a gostar daquele programa. Sa�amos cedo de casa, pass�vamos aperto para comprar ingressos, para entrar no est�dio. �s vezes, o Cruzeiro perdia, noutras ganhava. Peg�vamos muito tr�nsito para voltar. Cheg�vamos de madrugada. Olh�vamos um para outro, com um sorriso no rosto, sem precisar dizer nada. A gente se entendia pelo sentimento, pelo amor de um pelo outro e pelo Cruzeiro.
Mudamos para BH, compramos cadeiras cativas no Mineir�o e �amos a todos os jogos, sem exce��o. Mas me tornei jornalista esportivo e comecei a trabalhar durante as partidas. Amava estar naquele ambiente, mas sentia falta da companhia do meu pai, que continuava a frequentar o est�dio com novos amigos.
Em 2003, eu, em in�cio de carreira, trabalhava em uma r�dio do interior com pouqu�ssima estrutura, sal�rios atrasados, sem condi��es dignas. Mesmo assim, cobri todos os jogos do Cruzeiro, no Mineiro, na Copa do Brasil e no Brasileir�o. Que ano m�gico! �ramos eu, no gramado, e meu pai, na arquibancada.
Veio o dia de Cruzeiro e Paysandu. Ser campe�o brasileiro era algo muito distante para n�s, cruzeirenses. N�o � como agora, quando j� temos uma cole��o de t�tulos semelhantes. Era ic�nico, hist�rico, gigantesco, uma mudan�a de paradigma.
Cheguei muito cedo para a transmiss�o. Emocionado. Um ambiente maravilhoso, a torcida enlouquecida. No campo, Mota fez o segundo gol e praticamente garantiu o t�tulo. Quando Alex, que estava suspenso, desceu das cabines, pegou uma estrela amarela, passou por mim e come�ou a dar a volta ol�mpica, n�o pensei duas vezes. Larguei o microfone e subi para as arquibancadas. Sabia onde meu pai ficava no est�dio. Procurei por ele e, quando o vi pulando e vibrando igual um doido, voei no seu pesco�o. Um aperto de campe�o, com choro, emo��o, grito de campe�o. Ainda consegui assistir a tr�s minutos ao lado dele, abra�ados. O t�tulo brasileiro estava no peito, e eu fui campe�o do lado do meu pai”.