
Alguns se apaixonaram por sua beleza. Outros a encaram como representa��o f�sica da tradi��o de alegria e t�tulos. Quase todos a tomaram como la�o de identidade com o clube. Uma na��o inteira a ostenta no corpo como alian�a de amor eterno.
Minha rela��o com essa senhora aglutina todas essas raz�es. E mais, carrego por ela uma devo��o inquebr�vel, pois foi gestada num dos per�odos mais dram�ticos de uma fam�lia popular, e ao nascer, acabou por tornar-se o mais lindo cap�tulo de resist�ncia a um governo ditatorial, ao preconceito de ra�a e � xenofobia praticada pela oligarquia de Belo Horizonte em meados da d�cada de 1940. Sim, estou prestando aqui meu testemunho com rela��o � “Camisa do Cruzeiro”.
Durante o per�odo palestrino, nosso uniforme trazia cores referentes � It�lia: verde, vermelho e branco. Proibidas pela ditadura de Getulio Vargas, quando esse, por interesse econ�mico, lan�ou o Brasil � Segunda Guerra como inimigo de italianos, alem�es e japoneses. Assim, o escudo, em 1942, e a camisa, no ano seguinte, passaram a ter as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul e a cor azul. Por conta do eufemismo relativo ao c�u? N�o! O azul veio da resist�ncia! Da luta! Do orgulho � nossa origem de Palestra Italia. Por n�o abaixar a cabe�a ao autoritarismo decidido a nos matar como institui��o. O azul da Camisa do Cruzeiro � uma homenagem ao uniforme da Sele��o Italiana, a Squadra Azurra.
Manto sagrado. Farda. La camiseta. Segunda pele. �tem de apre�o por Minas Gerais, quando vista em qualquer paragem para al�m de nossas montanhas. Daqui a dois dias ser� lan�ado o modelo comemorativo ao Centen�rio do Palestra/Cruzeiro. N�o sou afeito ao fato publicit�rio, mas ele me trouxe o gatilho de rabiscar sobre a forma como essa Camisa est� aconchegada na minha vida de cruzeirense interiorano.
No �lbum de fotografias, num retrato j� sem a vivacidade das cores, a mostra no corpo de um menino de cabelo claro, pernas grossas e sorriso f�cil, ensaiando seus primeiros passos pelas ruas de cal�amento “p� de moleque” da cidade de Mariana.
Ao completar 11 anos, em agosto de 1987, em plena Copa Uni�o, corri com o dinheirinho na m�o at� a Pra�a da S�, respirando ofegante e cora��o disparado. Um medo terr�vel de a �nica camisa azul da Adidas, propaganda vermelha da Coca-Cola e n�mero 2 do Balu �s costas, ainda dispon�vel para venda, ca�sse nas m�os de outro menino cruzeirense. Quando cheguei � loja e a vi esticada no cabide, s� consegui apont�-la. Chorando de alegria, esperei a vendedora retir�-la e coloc�-la nas minhas m�os magrelas.
Veio a d�cada de 1990. O patroc�nio ficara branco e a fornecedora era a ent�o desconhecida Finta. Rapidamente, se revelou uma predestinada a nos vestir com o manto sagrado na retomada dos t�tulos a partir da Supercopa Libertadores de 1991. Uma promo��o no jornal prometia o aut�grafo de um �dolo a quem comprasse um exemplar. Dias depois, o carteiro me estendeu a caixa. Dentro dela, a n�mero 5 com a assinatura de Ademir.
Vieram barba na minha cara e outros tantos modelos, como as lindas cole��es da Puma e da Umbro. Na �ltima, da Adidas, antes de coloc�-la em meu corpo velho e gordo, imortalizei �s costas o nome e a idade (quando de sua morte) da personagem mais importante de nossa hist�ria: Salom�.
Ainda sigo firme na utopia de um dia a diretoria ou o Conselho Paquiderme Deliberativo tornarem obrigat�ria – via novo estatuto – a segunda camisa como sendo a do Palestra Italia. Mas esse apre�o por nossa origem n�o diminui meu amor pelo manto azul com cinco estrelas soltas no peito, pois essa combina��o est� para Minas Gerais assim como as montanhas, a sua culin�ria, o Clube da Esquina, o Skank, o Grupo Galp�o, as cidades barrocas e os demais s�mbolos de mineiridade facilmente reconhecidos por qualquer pessoa em outro estado ou no estrangeiro.
Se palestrina, azul, branca ou comemorativa ao Centen�rio, n�o importa. A Camisa do Cruzeiro tornou-se um patrim�nio hist�rico, art�stico e cultural do estado de Minas Gerais.