
N�s n�o calamos a torcida do Flamengo, s�bado passado, no Maracan�, como a imprensa internacional noticiou. De fato, como sempre nas passagens como visitante pelo Rio de Janeiro, a torcida do Cruzeiro deu um espet�culo � parte nas arquibancadas. Fez sua voz ecoar como um caldeir�o de sotaque mineiro em meio a 50.000 silenciosos cariocas. Mas a verdade completa � que fomos muito al�m disso, para o al�vio dos amantes do futebol raiz.
Mesmo com a imoralidade econ�mica e institucional cometida pela SAF Cruzeiro – ao retirar do torcedor comum a grande maioria dos ingressos, para vend�-los de forma casada com uma empresa de turismo, a alegria dos cruzeirenses presentes no Maracan� transformou o mais lend�rio est�dio do mundo em um po�tico campinho de terra batida.
Esses solos humildes e sagrados, em processo de extin��o no Brasil, eram onde a molecada boa de bola dava vida aos seus primeiros sonhos. Ali, descal�os, nasciam futuros craques. No entorno do ret�ngulo de terra com duas traves de ripas de madeira ou de bambu, se concebia a paix�o motriz de torcedores que passariam a seguir, pela vida toda, seus clubes amados por onde fossem jogar.
Contra o Flamengo, mais uma vez, fizemos do Maracan� o maior campinho de terra do planeta, mesmo lutando contra a lament�vel e exterminadora mercantiliza��o do futebol. Pepa comandou jogadores atrevidos em busca de um sonho. Enquanto isso, n�s, torcedores, transformamos a arquibancada em um barranco. L� do alto, cantamos e vibramos, como se fossemos jovens executando uma serenata abaixo da janela de suas amadas.
Agora, o bom empate contra o milion�rio Flamengo se tornou um feliz passado. J� temos outro desafio monumental na noite de hoje: passar pelo Gr�mio na Copa do Brasil. Para tanto, voltamos de bra�os abertos para o Mineir�o, que mesmo judiado e expropriado por essa gente da Minas Arena, continua (e continuar�!) sendo o nosso “campinho de terra” preferido.
Nessa noite, no gramado, os escalados no escrete de Pepa jogar�o como se fossem moleques descal�os. Se sairemos classificados para as semifinais da Copa Cruzeiro (do Brasil), s� o apito final do �rbitro nos dir�. Mas se a magia do futebol raiz com isso nos brindar, faremos do Mineir�o uma gigantesca janela iluminada. L� no alto do c�u, as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul ser�o nossas enamoradas. Para elas, cantaremos uma linda serenata.
“Jog�vamos descal�os, a rua era cal�ada de pedras irregulares (s� muitos anos depois vieram os paralelep�pedos , e eu me lembro que os achei feios, com sua cor de granito, sem a do�ura das pedras polidas entre as quais medrava o capim; e achei o nome tamb�m horroroso, insuport�vel, paralelep�pedos, nome que o prefeito dizia com muita import�ncia, parece que a grande gl�ria de Cachoeiro e o progresso supremo da humanidade residia nessa palavra imensa e antip�tica – paralelep�pedos); mas, como eu ia dizendo, a gente dava tanta topada que todos t�nhamos os p�s escalavrados: as plantas dos p�s eram couro grosso, e as unhas curtas, grossas e tortas, principalmente do ded�o e do vizinho dele. At� ainda me lembro de um peda�o do ‘campo’ que era melhor, era do lado da extrema direita de quem jogava de baixo para cima, tinha uma pedra grande, lisa, e depois um meio metro s� de terra com capim, lugar esplendido para chutar em gol ou centrar. Tenho horror de contar vantagem, muita gente acha que eu quero desmerecer o Rio de Janeiro contando coisas de Cachoeiro, isto � uma injusti�a; a prova aqui est�: eu reconhe�o que o Est�dio do Maracan� � maior que o nosso campo, at� mesmo o Pacaembu � bem maior. S� que nenhum dos dois pode ser t�o emocionante, nem jamais foi disputado t�o palmo a palmo ou p� a p�, topada a topada, canelada a canelada, �s vezes tapa a tapa.”
(trecho da cr�nica “Os Teixeiras moravam em frente” de Rubem Braga, um presente enviado pelo meu amigo, compositor e professor Bernardo Sansevero)