
Gestora cultural
N�o tenho nada sobre a cabe�a a n�o ser o verde das �rvores. N�o tenho nem janelas nem portas pr�ximas que possam me espiar ou que as possa ver. Estou cercada por uma muralha onde apontam orqu�deas, jasmins, trepadeiras estranhas e, no momento, as aranhas constroem mil teias em todas as dire��es. Quando chove e em seguida aparece o sol, fica tudo brilhando, as teias parecem semeadas de brilhantes.
Escolhi viver junto � natureza e estar perto dela � um prazer constante. A minha horta deve ser replantada, mas tenho alho-por�, s�lvia, manjeric�o, coentro, salsa, cebolinha, alecrim e or�gano. Vou l� todas as manh�s buscar temperos frescos. Meus dois paulistinhas v�o comigo e quando aparece algum menino em cima do muro, latem muito. Tenho um p� de canela para o ch�. Agora h� bananas, mexericas e abacates, mas as galinhas est�o de greve...
Recebo dois jornais, O Estado de S. Paulo e Estado de Minas, vejo-os logo depois do almo�o e seleciono as not�cias. Como n�o posso sair, tenho experimentado novas receitas com a cozinheira que trabalha comigo h� 14 anos. S� n�s duas entramos na casa. E ela n�o sai. Assim, os outros empregados nos veem de longe.
Tive de ir ao banco para tirar cheques, mas qual foi minha surpresa ao ver que no caixa eletr�nico s� liberam quatro folhas. Ora, sa� de m�scara com vidrinho de �lcool dentro do carro, e o banco fazendo economia de cheques...
Sempre tivemos uma boa biblioteca em casa, l�amos muito. Por�m, trabalhando na �rea de museus, lia sobre o assunto que me ocupava na �poca. Afinal, � um tema muito presente em todo o mundo. Aqui, tenho livros que gostaria de reler, como Em busca do tempo perdido, de Proust, que voc� s� l� quando tem sil�ncio e calma � sua volta. Outros que n�o li e aguardavam a hora s�o 1822, do Laurentino Gomes – ah!, a Independ�ncia do Brasil –, e um livro sobre dom Pedro I. Com todas as infinitas dificuldades – ainda n�o sanadas –, conseguimos a independ�ncia de Portugal, o que n�o significa estarmos livres, mas sempre mais dependentes de tudo e de todos.
Como n�o tenho partido pol�tico nem time de futebol, observo a massa que corre ora pra c� ora pra l� neste pa�s que tenta ser s�rio, mas ainda n�o chegou � maturidade. Em casa de pouco p�o, todos gritam e ningu�m tem raz�o, afirma o ditado.
E agora, essa pandemia nos olha atr�s da porta, assustando. Nos mandam ficar escondidos, como na brincadeira de pegador.
Bem, � tarde vou ao computador. Escrevo minha autobiografia, cansativa de tantas hist�rias. Mesmo com a mem�ria razo�vel que tenho, devo pesquisar para n�o confundir datas e fatos.
Com rela��o �s expectativas, o que pensar? Tenho um amigo em Mil�o, que est� com a mulher e dois filhos num apartamento aguardando a ordem de sair � rua. Sinto falta da fam�lia, de ir ao cinema e de comer um bacalhau aos domingos, aqui no Anella, com o Jos� Alberto Nemer, bebericando um Crios argentino, fresqu�ssimo.