Di�rio da quarentena
Carta para Maria Baptista
Fabiana Cozza
Cantora

"Prefiro os livros. Falam baixo. Se gritam, calam-se logo, no escuro do peito"
Minas Gerais, in�cio da pandemia no Brasil
Voc� me faz uma falta danada, hoje.
Ontem tamb�m. A bem da verdade, sei l�, n�o � falta de voc�, propriamente...
O que me faz um buraco � n�o ter sua risada desavergonhada enchendo o ar, essa sua mania de rir sem ped�gios, fazendo funda��o na gente, remendando ponte, rir de escorrer pelas pernas, sem remetente.
De passar vergonha, do gar�om esperar voc� se recompor para colocar a comida na mesa. Rir a ponto de aguar o molho, de azedar o leite. N�o tem receita. Era olhar, achar gra�a e explodir. De rir.
A vida � um saco sem batatas quando n�o tem gente. O maluco � s� se dar conta disso quando a rua vira um deserto. L� vem voc� rir de novo... Mas tem sempre um cachorro. Maltrapilho, mas de bem com a vida.
A casa fica perplexa de tanto espa�o. Quase um gurufim.
Voc� diria: nada!
� uma escola de samba em recess�o com teto de zinco.
D� para rir alto e ficar aguardando o eco desmanchar ao longe e tornar a rir. Eu sei, voc� adora essas bobices.
T�, subtraindo meu mau humor, sim: eu gosto do sil�ncio. Tiro at� a can��o da tomada. Prefiro os livros. Falam baixo. Se gritam, calam-se logo, no escuro do peito. O sil�ncio precisa estar acompanhado de sil�ncio. Gosto dele, mais durante o dia. � noite me encanta a lua, o apertar a vista para montar o cavalo de S�o Jorge. Sempre torto.
Nessas horas voc� adorava ser m�ope; cada dia o santo virava para um lado. Voc� dizia que era excesso de bom humor. Eu ria. Voc� sempre conseguiu. Agora, por exemplo...
Mas passa logo. Voc� n�o, seu riso desfila.
Essa reclus�o obrigat�ria, essa coisa que a gente pega do outro e n�o v�. Ali�s, que bobagem... o que � que n�o segue esse protocolo?! O que n�o nos contamina sen�o o outro?
Olha, esse bilhete � s� pra dizer que voc� faz falta.
E que eu vou rir disso tamb�m.