Afogando em n�meros

Como o ano de 2020 (imprevis�vel, inesperado, desobediente, indefinido), este texto tamb�m n�o vai obedecer a nenhuma estrutura-padr�o. Eu j� n�o sei quando uma coisa termina e a outra come�a.

Tem esse poema do Lawrence Ferlinghetti que n�o sai da minha cabe�a, em que ele repete constantemente “estou esperando pelo renascimento do maravilhoso”. Eu tamb�m, Lawrence.

Eu n�o consigo parar de pensar nessa placa luminosa em tom quente no meio do Largo da Batata, no final de 2018, que dizia: � preciso continuar. N�o posso continuar. � preciso continuar. Vou continuar. Regina Parra foi na espinha.

Eu n�o consigo n�o me lembrar do Thom Yorke cantando I’m not here/ This isn't happening/ I’m not here/ I’m not here.

Os milhares de mini Thalles dentro da minha cabe�a h� quatro meses trabalham incans�vel, incessante e ininterruptamente em uma nova ordem. As coisas mudaram. � preciso mudar algumas coisas de lugar. Algumas salas mentais aumentaram de tamanho, outras foram reduzidas a poucos metros quadrados. Outras est�o entulhadas de coisas – que me impedem de abrir a porta –, outras completamente vazias esperando por uma nova mob�lia e decora��o.

J� eliminei o “tudo bem?” como iniciador das conversas, porque logo essas palavras se transformavam em montanhas-russas de um looping s�.

Sonhei com a Rita Lee esses dias. Ela me recebia em sua fazenda. Passe�vamos juntos pela propriedade, que era gigantesca. Ela me mostrava as plantas, me explicava o quanto de �gua cada uma precisa. Menos aquela, aquela ali n�o gosta. Uma girafa passava por n�s. Elas trocavam sorrisos. Segu�amos com nossas botas por uma �rea lamacenta e profunda. Lama e mais lama e mais lama. Era o Brasil da fazenda.

Eu queria escrever coisas mais otimistas, desculpe.

Uma janela nunca foi t�o interessante. Eu crio hist�rias para todos os transeuntes. Daqui da janela, as coisas at� meio que fazem sentido l� embaixo. Voc� entende todo o tr�nsito e movimento das coisas e at� os previs�veis choques e acidentes que n�o t�m escapat�ria. Por mais janelas.

Thalles, te amamos (?). R$ 20 de cr�dito de presente para pedir o qu�, quando e onde quiser at� as 23:59. Ai, ai, me pergunto pra onde vai a publicidade… At� quanto de not�cia ruim um ser humano pode aguentar?

Abandonei a divis�o tradicional do tempo em dias da semana. Suspendi temporariamente a segunda, ter�a, quarta, etc. Eu nunca sei que dia � mesmo... A partir de agora, � ontem, hoje e amanh� somente.

Tem esse livro de poesias do Greg�rio Duvivier, A partir de amanh� eu juro que a vida vai ser agora, que de vez em quando releio. Sempre tive essa viagem de que a gente vive pro amanh�. Nesses dias em que a ideia de futuro nos � roubada, tomei a liberdade de cham�-lo de A partir de agora eu juro que a vida �.

Tenho pensado muito na minha professora de matem�tica do col�gio, a Claudia. Lembrei-me das aulas de progress�o aritm�tica e geom�trica. Dos n�meros que saltam cada vez mais, exponencialmente, nos jornais. Mas tamb�m penso na Olga, minha professora de literatura. E a� vejo um rosto em cada um desses n�meros.

Tentei mapear, como um experimento, todos os sentimentos que eu tenho durante sete dias. E quantas vezes eles surgem. Os meus n�meros da semana. Felicidade, 8. Tristeza, 3. Ansiedade, 4. Raiva, 3. Medo, 4. Culpa, 3. Frustra��o, 2. At� que dei de cara com esse que n�o sabia o que era. N�o sabia nem dar nome pra ele. Sentimento-que-eu-n�o-sei-o-nome, 12.