Bom, n�o sei como come�ar esta conversa, mas, querido di�rio, perd�o! Eu sei que n�o mere�o, mas � que os tempos s�o outros e nossa conversa pode ser mais madura, af�vel e harmoniosa neste momento. � quero a sua companhia, querido di�rio. Eu j� tentei ter uma rela��o boa com voc� antes, lembra-se? Escrevia duas p�ginas, tr�s, �s vezes cinco – foi o mais longe que cheguei. Mas era dif�cil manter a rotina.
Tentei escrever em cadernos, folhas soltas, tentei at� aqueles lindos, com chavinha. N�o funcionou. Eu sei. Por�m, agora tenho tempo pra n�s. Sinceramente, necessito da gente. Agora vai ser diferente. Acordei e fiz um caf�, sem a��car, obviamente, que � pra poder sentir todas as notas desse l�quido preto, delicioso e quente, sem que este seja mediado por nenhum outro sabor. Como tenho tido tempo esses dias, seguindo a recomenda��o de ficar em casa (embora eu sempre me pergunte: ser� mesmo que eu tinha pra onde ir? Que queria ir?), escolhi demoradamente uma x�cara, para ent�o deliciar-me com o meu caf�.
A vencedora foi uma x�cara de que gosto muito. Ela � transparente, d� pra admirar a cor do caf� forte enquanto se bebe. Combina��o perfeita: cor e sabor! Mas o que mais gosto nela � a frase inscrita em um de seus lados, em cima de um desenho que imita um c�digo de barras, onde se l�: “A vida n�o � s� boletos”. Fico sempre pensando nisso, a vida n�o � s� boletos? �s vezes ela nos d� a impress�o de que sim.

Ainda refletindo sobre a frase, fui para minha pequena varanda, onde cultivo umas plantinhas na tentativa de sentir-me, de alguma forma, mais pr�xima da natureza. L�, eu paro, �s vezes alongo o corpo, respiro e vejo o c�u. Repararam como o c�u tem ficado bonito?
Na minha floresta tem orqu�dea, peper�mia, cactos, suculentas, umas que n�o sei o nome e a espada-de-s�o-jorge. � bem florestinha de apartamento mesmo. Ah, e tinha a arruda, mas ela morreu. Eu sinto falta da minha arruda.
Olhei um tempo para as plantinhas e continuei com a pergunta reverberando em mim. Cheguei � conclus�o de que realmente, mesmo n�o tendo a resposta sobre o que � a vida, certamente ela n�o � s� boletos. Tem tantas coisas mais, n�? A tristeza com as not�cias ruins que constantemente querem nos dar, as lutas di�rias que nem damos conta de assimilar, � cada hashtag!
Bom, tem os livros que gosto de ler, minhas descobertas e viv�ncias. As conversas, ainda que n�o presenciais, que tenho com meus amigos. Tem vela, banho, incenso, vinho, live, estudos, a tentativa de aprender ingl�s, editais de salvamento, poemas performatizados em v�deo. E sim, tem os boletos debaixo da porta.
Na varanda, reparei que a vela que acendi ontem apagou. � vida. E ainda tem nossas mem�rias. Sabe, querido di�rio, voc� � uma mem�ria. � que os dias t�m ficado meio desconexos e entre as oscila��es de humor aparecem as oscila��es da mem�ria. Acredito que pelas incertezas do amanh� ela brinca de viajar entre passado e presente. Olhei pra tudo e agradeci pelo caf�, pela florestinha...
Agradeci at� pelo boleto do condom�nio debaixo da porta. N�o deixa de ser um privil�gio, entre tantos outros que tenho. Agradeci, sobretudo, por poder escrever, por poder parar e s� sentir minha respira��o. Depois vim at� aqui, na sua folha limpa, oferecer e dividir um afago.
Vou parar aqui um minutinho, pois j� me disseram que n�o � bom quando a vela apaga. Ent�o, antes de continuar, vou colocar ela aqui do meu lado, quem sabe ainda acende!
N�o se preocupe, eu volto.