Sentados lado a lado, John Ulhoa, Fernanda Takai, Ricardo Koctus e Richard Neves encaram a câmera

John Ulhoa, Fernanda Takai, Ricardo Koctus e Richard Neves v�o lan�ar o �lbum "Pato Fu - 30 anos", no pr�ximo dia 31. Anivers�rio "oficial" do primeiro show � em setembro

Leandro Couri/EM/D.A Press


Aos 13 anos, o tecladista Richard Neves j� tinha uma banda em Tiradentes, sua cidade natal. Pelos idos de 1995, algu�m chegou na casa dele com o CD “Gol de quem?”. O garoto achou a capa (que reproduz os anjos da “Madona Sistina”, obra-prima do pintor renascentista Rafael) interessante. Colocou o CD para tocar e logo chegou � faixa 2, “Mam�e ama � o meu rev�lver”. “Cara, que coisa boa, que coisa ruim, que coisa estranha. Pausei, voltei a m�sica, que me causou alguma coisa. Gostei da banda.”

Esta foi a primeira impress�o que Neves teve do Pato Fu. Mal sabia ele que, 21 anos depois, entraria para o grupo (atualmente com 41, soma sete de banda). Trinta anos desde sua forma��o, o quinteto belo-horizontino ainda consegue suscitar rea��es diferentes com sua produ��o atual. 

Lan�ada em janeiro passado, a can��o “Silenciador” � absolutamente atual, tratando da explora��o da f� por meio da viol�ncia – o refr�o traz o verso “Deus fala pelo cano de meu rev�lver”. A contund�ncia da letra do guitarrista e produtor John Ulhoa, de 57, que foi reticente quanto � grava��o da m�sica, � moderada pelo vocal sempre doce de Fernanda Takai, de 51. � agridoce, para usar um adjetivo que j� foi muito empregado ao longo da trajet�ria discogr�fica da banda.
 

“Silenciador” foi lan�ada junto a outros dois singles. Desde outubro de 2022, antecipando seus 30 anos (oficialmente no pr�ximo m�s de setembro), o Pato Fu vem lan�ando pacotes de tr�s singles. Da leva inicial, “A besta”, composta e interpretada pelo baixista Ricardo Koctus, de 54, tem uma levada roqueira e uma letra �cida que tamb�m ecoa o passado recent�ssimo do Brasil: “A besta l� vem/Fazendo piadas/Com hipocrisia arrebanhando imorais”.
 
 

Pois a �ltima leva de singles, que vai completar o �lbum “Pato Fu 30 anos” (t�tulo provis�rio), sai neste 31 de mar�o. Rec�m-gravadas, duas s�o can��es originais – “Diga sim”, que John havia lan�ado durante a pandemia e agora foi regravada com a voz de Fernanda num formato minimalista, e “Dias incertos”, sobre as dificuldades da vida, “uma conversa de amigos”, para John.

A cereja do bolo, e a que melhor traduz a estranheza intr�nseca ao Pato Fu, � a vers�o “Amo s� voc�”. Fosse com qualquer banda, ficaria kitsch, para n�o falar coisa pior. Com o Pato Fu e a voz de Fernanda, faz todo sentido. 
 

Charada italiana

Ouvidos mais atentos n�o v�o levar mais do que um minuto para matar a charada. A can��o de amor, com arranjos de cordas (assinados por Ruri� Duprat, sobrinho de Rog�rio Duprat, conhecido como o maestro da Tropic�lia, e gravados pela Orquestra Ouro Preto) � a vers�o em portugu�s para "Io che amo solo te", de Sergio Endrigo, cl�ssico do cancioneiro italiano, daqueles que tocam em qualquer sess�o flashback de r�dio, seja no registro original ou na grava��o de Rita Pavone.

“Quando a gente come�ou a pensar nas m�sicas dos 30 anos, achamos que as tr�s primeiras tinham que ser a cara do Pato Fu”, comenta John. Refere ao trio formado por “Curral mal-assombrado”, r�pida, meio insana e cantada por ele; a supracitada “A besta” e “No sil�ncio”, pop em ess�ncia, composta e interpretada por Fernanda e produzida por Dudu Marote, o produtor mais importante na hist�ria da banda  – assinou os �lbuns “Televis�o de cachorro” (1998), “Isopor” (1999) e “Ru�do rosa” (2001).
 
Fernanda Takai com os braços levantados durante show do Pato Fu no Rock in Rio, em janeiro de 2001

Fernanda Takai durante show do Pato Fu no Rock in Rio, em janeiro de 2001

Alaor Filho/AG
 

Mesmo que o lan�amento dos nove singles esteja ocorrendo nos meios digitais, a banda n�o descarta uma edi��o futura do �lbum, em vinil. “A m�dia f�sica � quase uma forma de arte perdida. Mas a gente � old school, n�o � t�o imediatista, n�o tem m�sica com refr�o em cinco segundos”, diz John. “At� porque, ouvindo uma m�sica n�o d� para definir o Pato Fu. Este foi o nosso maior trunfo e tamb�m a maior dificuldade de mercado, pois n�o d� para nos jogar em um nicho”, completa Fernanda.
 
E assim foi desde o in�cio. A hist�ria da forma��o � amplamente conhecida, mas traz alguns detalhes que corroboram a (boa) estranheza do Pato Fu.
 
• Veja clipe de 'Depois', sucesso da banda mineira
 

Nova banda por carta

Em 1990, John, ent�o integrante da banda Sexo Expl�cito, mudou-se para S�o Paulo. Voltou para Belo Horizonte no ano seguinte e retomou outro grupo, Sustados por 1 Gesto, com Bob Faria. Neste retorno, convidou Fernanda para o grupo. Ele a conhecia como cliente de sua loja, Guitar Shop, no Centro de BH – Koctus, que era vendedor da loja, chegou a ser roadie de um show.

Pois, no in�cio de 1992, Fernanda foi fazer um interc�mbio no Arizona. Neste meio tempo, Bob deixou o Sustados, e Koctus, que estava doido para entrar na banda, foi convidado para substitu�-lo. Por carta, Fernanda foi avisada da mudan�a, inclusive do nome. Soube nos EUA que agora fazia parte de uma banda chamada Pato Fu. Voltou para casa em setembro de 1992, quando foram feitas as primeiras fotos do trio e tamb�m gravada uma demo em cassete.

Da� o fato de ser setembro o m�s de anivers�rio do grupo. Mas o primeiro show mesmo do Pato Fu foi antes disso, e sem Fernanda. 

“�ramos eu, John e um dinossauro no lugar da Fernanda. O primeiro show foi num congresso da UNE (Uni�o Nacional dos Estudantes), no estacionamento do Mineirinho”, relembra Koctus, que, por um curto espa�o de tempo, foi tamb�m o empres�rio da banda. 

J� com Fernanda no trio, o Pato Fu fez uma s�rie de apresenta��es at� o final de 1992, a maior parte delas em calouradas. Veio o primeiro disco, “Rotomusic de liquidificapum” (1993), gravado no antigo est�dio de Haroldo Ferreti, baterista do Skank. Custou US$ 500, valor dividido em 10 sess�es de grava��o, realizadas � noite, pois todo mundo trabalhava durante o dia.
 
Ricardo Koctus, John Ulhoa e Fernanda Takai, usando chapéu de palha, em 1994

Ricardo Koctus, John Ulhoa e Fernanda Takai, o trio Pato Fu em 1994

Marco Barros/divulga��o
 

At� ent�o um trio – a bateria era eletr�nica, os 128 Japoneses, ou Japs, que acabaram nomeando o est�dio de John –, o grupo convidou, em 1996, o baterista Xande Tamietti, de 50. Depois de oito anos fora, o m�sico, que atualmente mora no litoral de S�o Paulo, retornou recentemente para o Pato Fu.

O novo �lbum ser� o de n�mero 13 da banda. Ficar junto e relevante por tanto tempo n�o � f�cil. As explica��es s�o v�rias, cada um ensaia a sua. “� tanto pelo relacionamento que a gente tem como tamb�m pelo fato de termos sido bem-sucedidos, o que faz voc� cuidar mais da banda”, diz John. “Acho que a gente tem mais liberdade de fazer outras coisas al�m da banda, o que oxigena a nossa hist�ria”, completa Fernanda, que intercala o grupo com sua carreira solo.

Koctus vai por outro caminho. “O Pato Fu � uma banda que circula no mainstream, mas n�o com o perfil de grande vendedor de discos. Continuamos juntos porque a m�sica que fazemos � a mesma, n�o entramos em onda, sempre seguimos a nossa linha.” E houve ainda o fator “M�sica de brinquedo”, que gerou dois �lbuns (2010 e 2017) fen�menos de venda e que renovaram o p�blico da banda.

Ilha de Caras

Banda � um casamento, diz o senso comum. Pois no Pato Fu a hist�ria � mais complicada, pois s�o dois: o da banda e o de John e Fernanda, casados h� 27 anos. “� t�o dif�cil ter uma banda e ter um casamento. Mas casamento dentro de banda? Se a gente n�o se preservasse, se brigasse, a banda acabaria tamb�m”, diz Fernanda, que procurou manter o relacionamento o m�ximo poss�vel fora dos holofotes. Houve um tempo, diz, que muita gente nem sabia que ela e John eram um casal. 
 
Na Ilha de Caras, Fernanda Takai sorri para a câmera

Fernanda Takai na Ilha de Caras

Caras/reprodu��o
 

Uma hist�ria saborosa vem disso. Anos 90, auge das gravadoras, com Pato Fu contratado pela BMG e bom vendedor de discos, chega a proposta. A gravadora havia conseguido emplacar uma mat�ria na “Caras” no estilo “o amor � lindo”. A visibilidade que a revista dava era impressionante naqueles anos pr�-rede social. “De jeito nenhum”, disse a banda. “Mas como? Custamos para aprovar a pauta!”, retrucou a gravadora.

Chegaram a um consenso. Fernanda embarcou para a Ilha de Caras, mas sem John, que ficou em casa. Em seu lugar foi Koctus. “Ela levou o Ricard�o”, brinca hoje o baixista. A mat�ria saiu, s� com Fernanda, que falou exclusivamente sobre a banda. J� o “Ricard�o” s� curtiu umas f�rias, nadando com o Paulo Zulu e a Deborah Secco. Mais Pato Fu, imposs�vel.

Turn� � vista

As comemora��es dos 30 anos do Pato Fu v�o se multiplicar ao longo de 2023. At� o final deste semestre, a banda dar� in�cio � turn� comemorativa, com hits de sua trajet�ria e as novas can��es. No segundo semestre, tamb�m est� previsto o lan�amento do �lbum resultante do encontro com a Orquestra Ouro Preto, em uma s�rie de shows realizados em Minas, no fim do ano passado.
 
Al�m disso, o grupo se juntou ao Giramundo e, em janeiro e fevereiro passados, gravou as duas temporadas de uma s�rie para o Nickelodeon, no melhor estilo “Os Muppets”. “Uma banda com 30 anos entregar tantas coisas novas � uma vit�ria, ainda mais no Brasil”, diz Fernanda Takai.