
Schneider Carpeggiani
Jornalista, curador e editor do jornal liter�rio “Suplemento Pernambuco”
A Nova Rep�blica ainda era nov�ssima (se cont�ssemos seu in�cio com a promulga��o da Constitui��o de 1988, nem 10 anos...), e j� est�vamos cansados. A letra da m�sica, que ressuscitava em todos os lugares naquela segunda metade dos anos 1990, remediava a situa��o a sangrar por todos os poros: “Oh, sim, eu estou t�o cansado/ Mas pra n�o dizer/ Que eu n�o acredito mais em voc�”.
Era a “segunda vinda” de “Vapor barato”, composi��o de Waly Salom�o e Jards Macal�. A primeira foi na voz de Gal Costa, no show/�lbum “Fa-Tal”, de 1971, no per�odo mais hard da ditadura. Nessa vers�o, mais de oito minutos. No come�o, soa como bossa nova em tom de marcha f�nebre. Algu�m � magoado. Algu�m vai embora. O destino � “aquele velho navio”.
Parece at� o par�grafo inicial de “Moby Dick”, com o personagem declarando que, sem ter mais o que fazer em terra, decidiu ir a caminho das �guas. No lugar da baleia, a obsess�o � por uma certa “honey baby”. L� pela metade da m�sica, algo se espatifa. Vamos de Jo�o Gilberto a Janis Joplin em segundos, e as palavras honey e baby passam a ser berradas. Honey baby era SOS. (O estrangeirismo baby, macio e de g�nero “secreto”, j� havia despontado na MPB poucos anos antes em “Baby”, de Caetano Veloso, tamb�m na voz de Gal. A primeira baby tratava de uma ideia de progresso. Havia o alerta “voc� precisa saber de mim” em meio � maior cidade da Am�rica do Sul. A honey baby de 1971 habitava uma paisagem j� em ru�nas.)
Mas est�vamos falando da segunda vinda de “Vapor barato”. A �ltima d�cada do mil�nio come�ou num Brasil com epidemia de c�lera e com o primeiro presidente da Nova Rep�blica, eleito pelo voto popular, entregando o cargo em meio a esc�ndalos de corrup��o. Pouco era poss�vel fazer em termos de cinema naqueles anos, mas um dos raros filmes a despontar trazia “Vapor barato” na trilha. O t�tulo remetia a um pa�s que permanecia in�spito: “Terra estrangeira” (1995), de Walter Salles e Daniela Thomas.
Lembro-me pouco do filme. O que ficou foi meu primeiro encontro com “honey baby”. Durante a faculdade de jornalismo, no final dos anos 1990, a m�sica insistia em voltar. Todos n�s compartilh�vamos fitinhas K7 com o �lbum de Gal de 1971, enquanto esper�vamos em v�o por professores na universidade p�blica sucateada dos anos FHC. N�o disse? Honey baby volta quando tudo � s� ru�na.
Em 1996, a m�sica ganhou as pistas de dan�a no segundo �lbum do ent�o ascendente grupo
O Rappa, “Rappa mundi”. Uma inusitada escolha de can��o de amor para um disco sobre um Brasil que era pura “Mis�ria S/A”. No ano seguinte, a saga de honey baby era citada no disco de estreia de Zeca Baleiro, “Por onde andar� Stephen Fry?”. “Vapor barato” parecia que vinha com o vento, de t�o inescap�vel.
J� atuando como rep�rter, entrevistei em momentos diferentes Waly Salom�o e Jards Macal�. Questionei ambos sobre honey baby. Devia usar a express�o com mai�sculas? Honey Baby existiu? Ou era uma g�ria para maconha ou sei l� o qu�? As respostas embaralhavam mais do que ajudavam. Assim, decidi, eu mesmo, definir honey baby: para todos n�s, aqueles que foram adolescentes nos anos 1970 ou nos anos 1990, e para todos aqueles que seguem cansados, honey baby � como Diadorim. Honey baby � nossa neblina.