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Estado de Minas QUAL � A M�SICA?

Can��o de Caetano Veloso lan�ada em 1968 dialoga com o Brasil de hoje

Na coluna HIT deste domingo, o professor de filosofia Pedro Duarte mostra como 'Enquanto seu lobo n�o vem' profetizou os anos de chumbo da ditadura militar


05/09/2021 04:00 - atualizado 06/09/2021 16:54

QUAL � A M�SICA?

“ENQUANTO SEU LOBO N�O VEM” (1968)

De Caetano Veloso

ENQUANTO A DITADURA N�O VEM

Pedro Duarte
Professor de filosofia da PUC-Rio e  autor do livro “Tropic�lia ou Panis et circencis”
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O artista H�lio Oiticica contou – em setembro de 1968, em artigo para o Correio da Manh� – que, quando participava de uma das mais importantes manifesta��es contra a ditadura ent�o no governo do Brasil, a Passeata dos Cem Mil, vinha � sua cabe�a e de v�rios amigos uma can��o de Caetano Veloso. Era como se os versos e o ritmo fossem uma trilha sonora interna tocando nas mentes dos que protestavam. Tratava-se de “Enquanto seu lobo n�o vem”, gravada no disco coletivo “Tropic�lia ou Panis et circencis”.

O terror autorit�rio surge na can��o ap�s o t�tulo que remete � f�bula infantil da Chapeuzinho Vermelho. Era 1968, e a ditadura, iniciada anos antes, em breve entraria na fase mais violenta. “Vamos passear na floresta escondida, meu amor”, dizem os primeiros versos. Mas a floresta � uma avenida urbana (cujo nome, Presidente Vargas, � homenagem ao governante autorit�rio do Estado Novo de 1937 a 1945) e o lobo � a pol�cia da ditadura. Alegorias permitiam falar do pa�s em que faltava liberdade at� para falar.

Na can��o, tenta-se ocupar o espa�o p�blico com um passeio rom�ntico descontra�do. Os agog�s da percuss�o, no come�o, d�o impress�o de tranquilidade. Simula-se um assovio. Mas logo ele � interditado, pois as ruas est�o vigiadas. O passeio, enquanto seu lobo n�o vem, mistura-se a um desfile. Pensamos em desfile de carnaval e a m�sica fala da Mangueira. Na �poca, escolas de samba desfilavam na Presidente Vargas. O arranjo de Rog�rio Duprat, por�m, cria ambival�ncia, com sons de marchas e de hinos. Gal Costa canta, ao fundo, o verso “clarins da banda militar”.

Podia ser um desfile militar. O verso � de “Dora”, can��o de Dorival Caymmi. L�, anunciava uma personagem feminina, rainha do frevo e do maracatu. “Enquanto seu lobo n�o vem” inverte seu significado. Os clarins militares agora amea�am o passeio livre do amor e anunciam a repress�o. N�s acompanhamos a derrota violenta, se n�o do amor em si, do mundo no qual ele passearia.

N�o faltam sinais pol�ticos � can��o: da men��o � cordilheira, evocando a guerra revolucion�ria cubana em Sierra Maestra, a ecos do hino da Internacional Comunista. O passeio � escondido. Inicia-se uma sucess�o de imagens que conferem � can��o movimento descensional decidido, irrevog�vel, quase tr�gico.

O convite para passear no alto e nas veredas � frustrado nos versos que se iniciam com a palavra “debaixo”, onde o passeio se daria. � debaixo de ruas, bombas, bandeiras, botas, rosas, jardins. No fim, � debaixo da lama e, encerrando com uma alus�o ao amor prometido na partida, debaixo da cama. Os espa�os v�o ficando reduzidos e estreitos, contrariando as ruas largas.

Caetano j� afirmou que o Tropicalismo foi uma descida aos infernos. O universo subterr�neo de “Enquanto seu lobo n�o vem” � isso. N�o havia mais “Lobo bobo”, como o de Carlos Lyra e Ronaldo B�scoli, de 1959. N�o h� bossa nova. Nem h� a alegria, alegria de dizer “eu vou”, como Caetano ainda fazia em 1967.

Ficam o acanhamento escuro e a fr�gil prote��o privada da cama, sob a qual nos escondemos. O tempo que restaria “enquanto” seu lobo n�o vem passou. Tarde demais. O passeio livre torna-se fuga amedrontada. N�o h� vagar ou flanar. Nenhum espa�o se abre, ficamos debaixo da cama: parados, n�o em movimento; deitados, n�o de p�; vendo o ch�o, sem contemplar a vida.

Podemos, hoje, n�o viver uma ditadura. Mas h� um lobo, e sem pele de cordeiro. Se ele ficar, passeios podem acabar no subterr�neo e o amor, embaixo da cama.

A COLUNA HIT PUBLICA AOS DOMINGOS A SE��O “QUAL � A M�SICA?”. A CADA SEMANA, UM CONVIDADO ESCREVE SOBRE CAN��ES MARCANTES LAN�ADAS DURANTE A DITADURA MILITAR E A RELA��O DELAS COM  O BRASIL CONTEMPOR�NEO

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