
Pedro Henrique Fran�a
Diretor, roteirista e ator
N�s t�nhamos acabado de estrear “P� de cal” no Rio de Janeiro. A caminho da nossa segunda apresenta��o, fomos informados de que o pa�s estava parando tudo para o in�cio de uma jornada de d�vidas, medos, inseguran�as. T�nhamos temporada a cumprir primeiro no Rio e, depois, j� em seguida, vir�amos para Belo Horizonte.
Inicialmente, diziam, seriam duas semanas de pausa para entender o que estava acontecendo. Voc�s conseguem se lembrar disso? De sa�rem de seus trabalhos, deixar as coisas l� e ficar meses sem v�-las? Parece t�o longe e t�o perto, nesse gap de espa�o-tempo que a pandemia provocou. Claro, isso pra quem pode cumprir home office, longe da realidade da maioria dos trabalhadores, que seguiram em hospitais, transporte p�blico e servi�os que nunca pararam.
A cultura, sim, parou. Sem palco pra shows, concertos, dan�as e pe�as, sem galerias e museus para exibi��es, tudo ficou em suspenso, at� que vieram as lives a nos dar algum alento num dos momentos mais tristes e conturbados da hist�ria e do Brasil. Um pa�s que viu perder mais de 600 mil vidas, entrar de novo para o mapa da fome e bater recorde de desempregados. O caos em cena aberta.
Muitos agentes da cultura se viram sem sa�da. Voltaram para a casa dos pais, se viraram em outros trabalhos, criaram redes de apoio e doa��es em meio �s indefini��es sobre quando e como poder�amos voltar a trabalhar.
Tivemos algumas tentativas e pensamentos de retorno com a pe�a. Como muitos, pensamos em live. Mas n�o tinha como neste espet�culo em que o ritmo conduz di�logo a di�logo. Precis�vamos cont�-la ao vivo, dentro da magia do teatro (que eu, em minha primeira experi�ncia como ator de teatro adulto, devo confessar: � realmente mesmo muito m�gico).
Resolvemos esperar. Entender o momento, acompanhar a vacina��o, que demorou, mas veio – a que custo?. Avan�ar a vacina��o era a �nica forma de voltar com seguran�a aos espa�os culturais. Demorou, mas enfim se tornou poss�vel num pa�s com cerca de 55% dos brasileiros com imuniza��o completa (fundamental para que possamos, enfim, trabalhar e circular com mais seguran�a).
Enfim, voltamos. A ensaiar, pisar num palco, encontrar nosso figurino guardado h� um ano e oito meses. H� duas semanas, estreamos no CCBB desta terra que nos tem recebido t�o bem e pela qual me encontro apaixonado (como posso ter demorado tanto a te conhecer, Geraes?). Olhar no olho de cada espectador ao final e agradecer sua presen�a, sua troca, seu riso, sua emo��o.
S�o muitas emo��es nesse processo. E sinto em cada espectador que olho uma emo��o da troca, do retorno � vida, da emo��o de ver algo acontecendo ao vivo, em cores, a metros de dist�ncia, sem tela que nos distancie.
� verdade que aprendemos mais a usar os recursos da tecnologia a nosso favor, num momento em que nadamos contra a corrente, desgovernados. E, para isso, pedimos que o p�blico volte a ocupar esses lugares. Convidamos voc� a acreditar na m�scara, na vacina, na arte e em tudo o que ela proporciona a voc�, cidad�o, e ao pa�s, enquanto gera��o de renda e trabalho.
A arte, mais do que nunca, precisa da gente, de voc�, da audi�ncia, da presen�a f�sica. Em um dos dedos de prosa com J� Bilac – autor premiado de tantas pe�as, como “Conselho de classe”, que deu origem � maravilhosa s�rie “Segunda chamada”, na Globo, e que tamb�m assina “P� de cal”, para a qual me convidou pessoalmente a dar vida a Alexandre –, ele me lembrou uma frase de Paulo Freire: “Num pa�s como o Brasil, manter a esperan�a viva � em si um ato revolucion�rio”.
Estamos cheios de esperan�a nesse horizonte que se abre, na promessa de dias melhores e em cada aplauso que recebemos. J� tamb�m escreveu, outro dia, que “a arte � nosso colete salva-vidas na mar� sinistra”. Essa frase tem reverberado em n�s. Portanto, vamos vestir nossos coletes e nos manter firmes, ainda que � deriva. O terceiro sinal, gracioso nome para este novo espa�o t�o importante, � uma tradi��o que j� nasceu cl�ssica. Nenhum sistema nos far� afogar.