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Estado de Minas ARTES C�NICAS

Cida Falabella revela pe�as que gostaria de ver remontadas

'Ensaio sobre a cegueira', de Jos� Saramago, e 'Esta noite M�e Coragem', inspirada em Brecht, foram dirigidas por Cida com alunos do Cefar e atores da Zap 18


22/04/2022 04:00 - atualizado 21/04/2022 21:29

Vestidos com guardapó preto, atores e atrizes cantam e caminham pelo palco em cena que evoca procissão em 'Esta noite Mãe Coragem'
Montagem da companhia ZAP 18 'Esta noite M�e Coragem', de 2006, convidava o p�blico a pensar sobre o seu papel no contexto da viol�ncia cometida contra jovens negros no Brasil (foto: Guto Muniz/Divulga��o)


Cida Falabella
Atriz e diretora de teatro

Creio que, das artes, o teatro foi a que mais sentiu esses tempos de pandemia. Arte da presen�a, que se realiza na rela��o com o outro, tivemos que nos “trair” e estabelecer novos pactos com o espectador para continuar vivos. Um processo que nos levou a pensar e perguntar inutilmente: isso � teatro?

Agora, aos poucos, estamos ousando voltar, na for�a de resist�ncia da legi�o do teatro. Mas como voltar, o que dizer, pra quem, por que, se as imagens da realidade, o excesso de informa��o e de atua��o nos engolem todos os dias?

Fiz tamb�m meus exerc�cios pand�micos e eles foram um respiro. Assisti a muitas produ��es bonitas e tocantes. Mas senti muita saudade, quase nost�lgica, de tempos passados. Provocada por esta coluna, rememorei momentos de cria��o marcantes na minha trajet�ria pessoal e coletiva e busquei pens�-los hoje, sempre considerando que o teatro � filho do seu tempo e que � preciso sempre se perguntar das motiva��es para a cena para al�m do desejo.

Em 1998, fui convidada a dirigir a montagem de formatura do Cefar (hoje Cefart), importante escola de forma��o art�stica de Minas Gerais. Trabalhamos com alguns exerc�cios criativos a partir de contos de Guimar�es Rosa e do romance “A peste”, de Camus, at� que chegamos ao romance de Jos� Saramago “Ensaio sobre a cegueira”, e fomos arrebatados pela leitura, 
feita coletivamente.

A obra traduzia as inquieta��es da turma e tinha grande potencial c�nico. Durante meses, vivemos em uma sala de ensaio dando forma a uma hist�ria absurda, que falava de um mundo mergulhado na escurid�o de uma cegueira metaf�rica: das rela��es, do consumo, da desigualdade, do machismo.

A montagem foi feita na pr�pria sala de ensaio, transformada pelas m�os do genial Raul Bel�m Machado, dando vida ao manic�mio abandonado, onde a luta pela sobreviv�ncia produziu dor e destrui��o. A travessia dessa jornada de horrores, conduzida por uma mulher, trouxe a certeza de uma transforma��o necess�ria, pessoal e coletiva.

As sess�es eram para um p�blico de apenas 40 pessoas, que viviam junto dos atores a experi�ncia do confinamento. Meses depois, o autor se tornou Pr�mio Nobel de Literatura. Quando penso hoje em remontar um texto, logo me lembro desse.

Acho que ele poderia traduzir profundamente tudo o que vivemos: a pandemia que colocou uma lente de aumento nas nossas rela��es e na sua �tica, os ataques � democracia e nossa impot�ncia, as fake news, a escalada fascista. E assim cumpriria o papel do teatro, que � fazer o p�blico refletir sobre o mundo e a sociedade que estamos construindo.

Em 2006, com a ZAP 18 em atividade e o grande desafio de dialogar com a periferia onde est�vamos, influenciados pela teoria e pr�tica do teatro �pico de Brecht, decidimos trazer a hist�ria de “M�e Coragem e seus filhos”, de Brecht, para a favela brasileira, guiados pela for�a do livro “Cabe�a de porco”, de MV Bill, Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares.

Com dramaturgia do mestre Antonio Hildebrando, m�sica ao vivo com inventivos arranjos de Maur�lio Rocha e um elenco diverso e multigeracional, tendo a atriz Elisa Santana � frente, a abordagem da viol�ncia, tanto policial quanto das mil�cias nas periferias brasileiras, apresentada em um galp�o longe do Centro, atraiu grande interesse, fazendo o p�blico atravessar a cidade.

Na montagem de “Esta noite M�e Coragem”, que trazia dados sobre o genoc�dio da juventude negra brasileira, n�s pergunt�vamos ao p�blico: “O que voc� tem a ver com isso? Mais do que possa imaginar!”. Era nossa resposta provocativa, convidando o p�blico a dar seu depoimento, 
a pensar sobre as causas da viol�ncia e do racismo estrutural.

O que mudou em 16 anos? Os jovens negros continuam morrendo pelas m�os do Estado ou com a coniv�ncia dele. Por isso, creio que essa pe�a, em chave �pica, seria ainda mais impactante hoje e traria o p�blico para refletir e compartilhar sua experi�ncia, sobretudo se os jovens que podem ser o alvo estiverem em cena contando suas hist�rias. E suas m�es tamb�m, as m�es coragens das periferias do Brasil.

Encerro com o pensamento de Brecht: “O teatro tem de se comprometer com a realidade, porque s� assim lhe ser� poss�vel e lhe ser� l�cito produzir imagens eficazes da realidade”. Esse � o desafio. Ontem e hoje.


. �S SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SE��O “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PE�AS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REA��O DO P�BLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.


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