
Quem passa pela Rua Monte Alegre, na Serra, em BH, n�o imagina que a casa de n�mero 255 esconde tantas hist�rias afetivas. Ali morou o cirurgi�o pl�stico Fernando Palma, que um belo dia trocou a trajet�ria de sucesso na medicina pelas artes pl�sticas. E se deu muito bem.
A novidade � que a fazenda onde Fernando viveu poder� ser transformada na Casa Palma 2. “Nesta fazenda, situada em uma pen�nsula de 88ha rodeada pelo lago de Furnas, meu pai passava meses sozinho pintando e se inspirando na natureza. Ele chegou a pintar nas paredes da sede. Construiu uma longa galeria subterr�nea, que permite a exposi��o de seus trabalhos de forma imersiva”, conta.
Na �rea de mata preservada, Fernando abriu trilhas e fez interven��es art�sticas.“Estamos na etapa de capta��o de apoiadores ou patrocinadores para abrir a segunda unidade da Casa Palma ao p�blico”, revela J�lio Palma
“Nosso verdadeiro dever � salvar nossos sonhos”. Esta frase de Modigliani estava entre os manuscritos do seu pai. Como ela influenciou voc�s?
Demorei mais de um ano desde o falecimento do meu pai para criar coragem de organizar seus objetos pessoais. Encontrar centenas de manuscritos em seu ateli�, uma esp�cie de di�rio que trata sobre suas t�cnicas, ang�stias, pensamentos e paix�es, foi algo transformador. A frase do Modigliani me parece fechar todo o racioc�nio. Acredito que ela tenha sido uma de suas grandes inspira��es, um princ�pio que o levou a salvar seu sonho de ser artista, mesmo que para isso tivesse de largar a medicina no auge de sua carreira como cirurgi�o pl�stico. Da centelha que se acendeu a partir da�, hoje tamb�m me considero em uma jornada para salvar meus sonhos. Deixei o mercado fren�tico e estressante da propaganda para me dedicar ao legado que meu pai deixou, assim como os de outros artistas. H� in�meras hist�rias a serem contadas, e isso me provoca: obras das diferentes sete artes a serem visitadas e revisitadas, h� movimentos, descobertas. Se a verdadeira arte � uma rea��o a algo interior, apresentar universos autorais por tr�s de cada obra � o que mais me instiga. Falando assim, cada cria��o materializada me parece o sonho de um artista realizado. Certa vez, uma amiga poetisa, Denise Bulgarelli, me enviou o seguinte: “O sonho sempre vai existir onde a inspira��o habitar”. Isso traduz a ideia de abrir as portas dos antigos ateli�s do meu pai para que se tornem espa�os de inspira��o e encontros. Mais do que alimentar o corpo e a mente, lugares para alimentar a alma.
Como a fam�lia encarou a decis�o de seu pai de trocar a carreira de cirurgi�o pl�stico pelas artes pl�sticas?
Com o perd�o do trocadilho, ele atuou no mercado de arte de forma cir�rgica. Por um tempo, ainda conciliou o trabalho como m�dico com os estudos e cria��o art�stica. Enquanto isso, mapeou centenas de galerias, tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos e, com um material que me orgulho de t�-lo ajudado a criar e apresentou seu trabalho. Na �poca, era necess�rio levar o portf�lio pessoalmente, impresso. Anos depois, ele estava em Los Angeles em 2001, no dia do atentado ao World Trade Center. Ele me ligou para dizer que estava tudo bem, aproveitou para dizer que ia ficar mais um tempo por l�, porque agora ganhava mais como artista do que como m�dico no Brasil e seu trabalho estava exposto em dezenas de galerias americanas. Hoje, percebo ele n�o se referia apenas ao retorno financeiro e ao glamour de ser reconhecido em importantes espa�os de arte. Ele estava feliz pela decis�o de salvar seus sonhos ter dado certo. Estava realizado.

Voc� era dono de ag�ncia de publicidade e trocou a carreira pela de empres�rio. Que desafios enfrentou, sobretudo durante a pandemia?
A pandemia fez todo mundo repensar suas rotinas, sair do piloto autom�tico. Pensar fora desta caixa que a vida corrida e cheia de compromissos nos envolve. Meu pai deixou um manuscrito que diz o seguinte: 'A vida � como pintar uma tela. Se voc� chega muito pr�ximo e come�a a olhar s� os detalhes, vai distorcendo o todo. � necess�rio ir para longe de vez em quando, e olhar o todo, a composi��o, o plano de a��o. Sempre questione o rumo que est� sendo dado: � isso mesmo que eu quero?'. Associado ao isolamento social, eu precisava enfrentar o luto pela perda do meu pai. Mas, com o apoio irrestrito da minha esposa Fernanda (s�cia na Casa Palma), mergulhei nas mem�rias de meu pai. Com o passar do tempo, enquanto os jobs da ag�ncia j� n�o apareciam mais, navegar por este fant�stico universo autoral se tornou melhor do que qualquer filme, livro ou coisa parecida. Quando o mundo parecia voltar ao normal, entendemos que era a hora de abrir as portas da antiga resid�ncia e ateli�. Surgiu a� a Casa Palma de Belo Horizonte. Fl�vio Venturini, a banda 14 Bis, Celso Adolfo, Sady, do Nenhum de N�s, Bruno Gouveia, do Biqu�ni Cavad�o, a Fernanda Takai e o Koctus, que at� tocaram suas can��es aqui, apareceram espontaneamente para conhecer, conversar e tomar um vinho conosco. Eu e minha esposa entendemos que est�vamos no caminho certo. Realizamos experi�ncias culturais memor�veis – exposi��es, lan�amentos de livros e de discos, shows e jantares com chefs convidados.
Quais os crit�rios para a curadoria de artistas que passam pela Casa Palma?
Certa vez, a cantora Marina Lima me alegrou muito ao dizer: 'Voc� est� fazendo um trabalho lindo. Est� mantendo a obra do seu pai acesa'. Hoje tenho como miss�o manter as obras de v�rios outros artistas acesas tamb�m. Salvar seus pr�prios sonhos sempre deve incluir salvar os sonhos do pr�ximo. Sobre a curadoria, entendo que arte deve ser rea��o a algo interior. Por isso a Casa Palma sempre busca pessoas que tenham a capacidade e a coragem de revelar suas verdades internas e contar suas hist�rias de vida. N�o trabalhamos com pe�as meramente decorativas ou modismos. Isso faria o p�blico perder a oportunidade de sentir o prazer est�tico na sua plenitude. O verdadeiro valor da arte n�o � vis�vel, o prazer est�tico vem daquele sentimento que surge entre o espectador e a obra. E isso n�o � vis�vel, � sentido.