
Trinta e sete anos depois de seu lan�amento, o filme “Baixo G�vea” – acredite! – continua atual. Pelo menos � o que garante a atriz Louise Cardoso, que participou da exibi��o do longa de Haroldo Marinho Barbosa no projeto Curta Circuito, em BH, na semana passada.
“Filmamos em 1985, �poca de solid�o urbana muito grande, uma solid�o no meio de muita gente. O Baixo G�vea era exatamente como mostra o filme. Uma loucura, todo mundo querendo se encontrar, encontrar uma carreira, um amor. Querendo essas coisas e drogas tamb�m. Por incr�vel que pare�a, o filme continua atual”, afirmou Louise, que fez o papel de Ana.
A atriz citou o personagem de Jos� Wilker, o Maluco da Bomba, sujeito machista que fabricava bombas caseiras. “Na �poca, r�amos dele, v�nhamos de 20 anos de ditadura, levamos na brincadeira. Mas agora achei terr�vel, o personagem � de uma for�a... Vimos tudo o que aconteceu este ano”, comentou, referindo-se � viol�ncia que ocorre atualmente. “Hoje, a solid�o � digital, outro tipo de solid�o”, afirmou.
Louise Cardoso contracena com Luc�lia Santos em “Baixo G�vea”. A parceria foi “maravilhosa”, disse ela, tanto que as duas mant�m a amizade at� hoje. “J� fiz muitos trabalhos com ela, a gente tem uma qu�mica.” A atriz contou que foi muito bom trabalhar com a equipe do filme. E descartou a rela��o amorosa de Ana com Clara, personagem de Luc�lia. Ao contr�rio do que pensam muitas pessoas com quem Louise conversou em Belo Horizonte, Ana era gay, mas n�o se apaixonou por Clara. “Elas t�m uma amizade muito forte”, explicou a atriz.

“Olha s� que coisa engra�ada. A gente n�o fez assim (como duas mulheres apaixonadas). O diretor nos orientou como amizade mesmo”, detalhou Louise, observando que a personagem gosta de mulheres, j� foi h�tero e est� sempre sozinha. Quando foi convidada para o papel, o diretor lhe disse que Ana seria gay, figura quase ausente nos filmes brasileiros daquela �poca. Al�m disso, ela interpretaria o escritor portugu�s M�rio de S�-Carneiro no longa que a personagem de Luc�lia rodava. Formada em letras, Louise tem Carneiro e Fernando Pessoa como seus poetas preferidos.
“Fiquei muito feliz com a oportunidade de fazer a personagem homossexual de maneira natural, sem estere�tipos, porque as mulheres gays que eu via naquela �poca eram muito estereotipadas e ficavam escondidas. Quando sa�am do arm�rio e se assumiam, elas imitavam os homens. Eu achava triste quererem imitar os homens, n�o serem elas”, disse. Louise confessou que estere�tipos a incomodam. “Foi um come�o para mostrar que gays n�o precisam ser estereotipados.”
Na d�cada de 1980, Louise Cardoso chegou a fazer tr�s longas por ano. Sua filmografia tem mais de 30 produ��es. “O Fernando (Collor) chegou e acabou com a Embrafilme”, relembrou. No caso de “Baixo G�vea”, a grana curta atrasou o in�cio das grava��es. Houve um momento em que ela deixou de acreditar no projeto. Mas deu certo, com loca��es simples e equipe alto-astral. Ela e Luc�lia Santos improvisaram muito durante as grava��es. A pr�pria Louise indicou poemas de M�rio de S�-Carneiro para o roteiro.

Al�m do cinema e do teatro, a atriz fez trabalhos importantes na televis�o, como o extinto “TV Pirata”. “Aquele humor corrosivo criticava tudo, a gente n�o tinha censura. Eu me vestia de negra, de gorda, as mulheres se vestiam de vacas. Hoje em dia, a gente seria execrada, jogariam tomate na cara da gente. O humor, hoje em dia, est� cerceado pelo politicamente correto”, afirmou.
Louise explicou que considera certo o politicamente correto, pois acha que � preciso evoluir e mudar. “Mas fica dif�cil fazer humor assim, pois nada pode, entendeu? A gente acabava com tudo, mas de maneira engra�ada, criativa e, na minha opini�o, n�o preconceituosa”. E acrescenta: “Agora n�o pode falar mais de nada. Fica dif�cil e � mais chato, na minha opini�o.”
A atriz contou para o p�blico um epis�dio ocorrido nos ensaios da pe�a que est� fazendo no Rio. O diretor cortou tudo o que poderia dar alguma ideia de politicamente incorreto. “E olha que o autor � romeno”, afirmou Louise. “Uma hora eu dizia: meu cachorro se chama Zumbi. E o diretor: Zumbi n�o pode, porque vai mexer com Zumbi. Entendo. Mas � chato, e a gente tem mais dificuldade”, comentou.