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Estado de Minas COLUNA HIT

Mineiros v�o de Belo Horizonte at� o Alasca de moto

Os amigos Marcelo Gaio e C�sar Eduardo Dias Costa rodaram 29,3 mil quil�metros em 72 dias, cruzando 14 pa�ses. Nesta entrevista, Gaio conta como foi a aventura


31/07/2023 04:00 - atualizado 31/07/2023 15:12
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Marcelo Gayo e César Eduardo Dias Costa chegam ao Alasca
Marcelo Gayo e C�sar Eduardo Dias Costa chegam ao Alasca (foto: Acervo pessoal)

'O corpo precisa estar apto a suportar os esfor�os de pilotar o dia inteiro, sob sol e chuva. E a mente tamb�m. Talvez seja a mente que comanda, na verdade'

Marcelo Gaio, engenheiro e motociclista


Para o engenheiro aposentado Marcelo Gaio, estrada representa o mesmo que o mar significou para os navegantes portugueses nos s�culos 15 e 16. “Um meio de tornar o sonho realidade, encontrar novos modos de viver e culturas diferentes. Um caminho para descobertas”, diz. A mais recente delas foi a viagem de moto at� o Alasca, atravessando 14 pa�ses, que levou 72 dias e percorreu 29,3 mil quil�metros.


Marcelo viajou acompanhado de C�sar Eduardo Dias Costa. Os dois haviam feito expedi��es ao Peru, em 2016, e � argentina Ushuaia, em 2019 – esta com o amigo Francisco da Cruz Guimar�es, o Chico. Tamb�m visitaram o Salar do Uyuni, o deserto de sal boliviano, em 2022.


Marcelo e C�sar se conheceram em Gramado, onde foram a um encontro do HOG (Harley Owners Group), quando andavam de Harley-Davidson. “�ramos uns 15 motociclistas. Na ida, aproveitamos para subir a Serra do Rio do Rastro (SC), passeio que recomendo para quem gosta de pilotar moto. Desde ent�o, temos mantido a rela��o de amizade e paix�o pelas motocicletas”, diz Gaio.


A paix�o do engenheiro pelas duas rodas vem da adolesc�ncia. Para comprar a primeira moto, deu aulas de matem�tica. Com a for�a do pai, conseguiu uma Yamaha 1971 e fez sua primeira viagem a Foz do Igua�u, saindo de Juiz de Fora, onde nasceu.

Sua primeira viagem de moto, a Foz do Igua�u, ocorreu em 1975. Ao longo de quase cinco d�cadas, como voc� v� a evolu��o do tr�nsito e das estradas brasileiras?
Marcelo Gaio – Para ir a Foz, em 1975, foi preciso adquirir compet�ncia antes, rodando no entorno da minha cidade com a 125cc, em 1972. Ela foi trocada por uma RD 250cc, da qual tenho saudade. Na d�cada de 1970, n�o existiam computadores pessoais, celulares ou cart�es de cr�dito. Ent�o, viajar de moto era uma esp�cie de liberta��o do cotidiano. Hoje � comum ver as pessoas viajando, de moto ou n�o, presas � sua pr�pria rotina, concentradas na tela o tempo todo, sem interagir com o entorno. Quanto �s estradas, basicamente eram as mesmas naquela �poca e agora. Com exce��o de S�o Paulo, Paran� e Mato Grosso do Sul. L�, s�o mantidas boas estradas. A deteriora��o da infraestrutura rodovi�ria � uma coisa triste. Antes, circulavam muito menos ve�culos do que hoje, a 80 km/h. Hoje, circula quantidade muito maior, a mais de 100km/h, inclusive carretas e bitrens. Ent�o, o perigo de acidente � maior atualmente. J� tive um acidente quase grave, com minha esposa (a m�dica Hilma Nogueira) na garupa, ela quebrou duas v�rtebras, indo para Bras�lia, por falta de sinaliza��o de um quebra-molas, essa “solu��o” simplista.

 

Marcelo Gayo e César Eduardo Dias Costa na Rota 66, nos Estados Unidos
Marcelo Gayo e C�sar Eduardo Dias Costa na Rota 66, nos Estados Unidos (foto: Acervo pessoal)
 

 

Voc� tem uma BMW. As motocicletas est�o preparadas para as estradas brasileiras?
MG – As motocicletas est�o mais do que preparadas para qualquer tipo de estrada, at� mesmo as brasileiras. Nossas estradas � que n�o est�o preparadas para elas. 

 

Como foi a aventura at� o Alasca?
MG – A prepara��o come�ou em 1972, quando comecei o aprendizado sobre duas rodas. Tive �timo “professor”, um colega de turma que andava de moto h� uns anos. Foi com ele que aprendi a prud�ncia e o respeito � estrada. Primeiro vieram as pequenas viagens, depois as m�dias e as maiores, a� j� com a CB 400, moto ic�nica no Brasil. Depois que conheci minha esposa, em 1980, a maioria das viagens foi com ela na garupa, a despeito da opini�o do meu sogro (risos). Fiz alguns treinamentos de t�cnicas de pilotagem (asfalto e terra) e de manuten��o. A viagem foi planejada ap�s a volta de Ushuaia, rota que fiz com dois amigos, o Chico e o C�sar, o mesmo que me acompanhou ao Alasca. Com o sucesso da viagem e a confian�a adquirida na moto, achei que dava para realizar novo percurso mais longo, dif�cil e cansativo. E mais caro tamb�m.

 

Marcelo Gayo e César Eduardo Dias Costa nos Andes peruanos
Marcelo Gayo e C�sar Eduardo Dias Costa nos Andes peruanos (foto: Acervo pessoal)

 

Como a pandemia interferiu no projeto?
MG – Ela nos deu tempo para planejar com mais calma. Isso incluiu obten��o dos vistos para os EUA e Canad�, melhorar a forma de comunica��o, elaborar roteiros, checar pre�os, ler relatos de quem j� tinha realizado a viagem, organizar as revis�es e troca de pneus para sairmos daqui com autonomia de �leo e pneus compat�vel com o apoio das oficinas especializadas, principalmente nas Am�ricas do Sul e Central. Levei celular reserva, muito �til quando chegamos ao Equador e descobrimos que o nosso GPS, a princ�pio atualizado, simplesmente n�o continha o mapa do pa�s.

 

'N�o era nada daquilo que nossa imagina��o, provavelmente contaminada por experi�ncias negativas de outras pessoas, nos fazia supor. Eram apenas garotos querendo ver as motos de perto. Acenei para eles, que retribu�ram de forma efusiva, como nos desejando boa viagem'

Marcelo Gaio, engenheiro e motociclista

 

 

Como voc�s organizaram as finan�as?
MG – Utilizamos d�lares americanos em esp�cie, cart�o de cr�dito internacional e cart�o de d�bito carregado em d�lar para pagar ou sacar em qualquer pa�s. Selecionamos a roupa de seguran�a – bota, cal�a e jaqueta compat�veis com as condi��es atmosf�ricas que ir�amos enfrentar. Outono nos Andes a grandes altitudes, primavera e ver�o no hemisf�rio norte. Boa parte da Am�rica Central tem baixa altitude em rela��o ao n�vel do mar, o que contribui para que a temperatura seja bastante alta, mesmo na primavera. E temos de estar preparados tamb�m para chuva, vento e frio. N�o um frio intenso, porque programamos chegar ao Alasca no ver�o do hemisf�rio norte. Nos Andes, a temperatura nas grandes altitudes, mesmo na primavera, beira o zero. No Alasca, ela n�o desceu abaixo de oito nas horas em que est�vamos na estrada. 

 

Urso come à beira de estrada americana
Mais preocupado em comer, urso americano n�o deu a menor bola para os motociclistas brasileiros (foto: Acervo pessoal)
 

 

Como foi enfrentar os desafios do corpo e da mente?
MG – O corpo precisa estar apto a suportar os esfor�os de pilotar o dia inteiro, sob sol e chuva. E a mente tamb�m. Talvez seja a mente que comanda, na verdade. Mantive e intensifiquei um pouco minha rotina de exerc�cios f�sicos, respeitando o corpo e seus sinais. Comecei a mentalizar a viagem e ensaiar minhas rea��es a poss�veis adversidades. Foi como a medita��o di�ria, n�o entendo muito bem disso, mas um tipo de treinamento para entrar no estado de fluxo. Levei farm�cia de bordo, com rem�dios para desconforto intestinal, resfriado, antibi�ticos para inflama��o de garganta, primeiros socorros, essas coisas. Um simples resfriado, numa viagem como esta, � grande contratempo. Imagine ter que ficar de repouso uns dias no hotel, sabe-se l� onde, nem sempre com boa estrutura, at� que o mal-estar passe e te d� condi��es m�nimas de pilotar com seguran�a. Ent�o, preparei-me para ter comportamento espartano e n�o dar chance ao azar. A lei de Murphy est� sempre � espreita.

 

'H� um item de suma import�ncia: tratar do assunto com a fam�lia, principalmente a esposa. A minha deu a maior for�a, desde os primeiros momentos da prepara��o. Filhos, idem. N�o escutei nem um coment�rio negativo que pudesse abalar minha autoconfian�a! Esse foi um pilar que sustentou minha determina��o ao longo do percurso'

Marcelo Gayo, engenheiro e motociclista

 

 

E deu certo?
MG – A prepara��o funcionou. Nenhum problema ao longo do percurso, a n�o ser pequenos dist�rbios intestinais, corrigidos com um simples comprimido de carv�o, muito mais pelo calor e desidrata��o do que pela comida, acho. Isso s� ocorreu umas duas ou tr�s vezes. E a amea�a de inflama��o de garganta, devido � varia��o brusca de temperatura quando entr�vamos em algum local com ar-condicionado. Passei a evitar ar-condicionado. Sentir um pouco de calor n�o mata ningu�m, afinal. Por fim, h� um item de suma import�ncia: tratar do assunto com a fam�lia, principalmente a esposa. A minha deu a maior for�a, desde os primeiros momentos da prepara��o. Filhos, idem. N�o escutei nem um coment�rio negativo que pudesse abalar minha autoconfian�a! Esse foi um pilar que sustentou minha determina��o ao longo do percurso.

Quais foram os momentos mais bonitos e os mais dif�ceis ao longo do caminho?
MG – Momentos bonitos, quase todos os dias. Principalmente para mim, que curto muito mais o caminho do que o destino. Sempre foi assim nas viagens de motocicleta. Paisagens, comidas t�picas, intera��o com pessoas locais e com outros viajantes motociclistas. Boas estradas, desde que sa�mos do Brasil pela rota do Acre. O altiplano dos Andes peruanos � de uma beleza quase m�gica. Ru�nas de antigas civiliza��es no Peru e Guatemala, a cratera de vulc�o com rochas incandescentes na Nicar�gua, o contorno do Golfo do M�xico, as forma��es rochosas no Utah, as sequoias gigantes da Calif�rnia e as paisagens do Noroeste canadense, repletas de lagos, florestas e montanhas de cume nevado. Al�m da proximidade com um urso no Yukon, que pastava tranquilamente � margem da estrada e nem se incomodou quando parei a moto, com o motor ligado para o caso de ele n�o gostar de mim, para observ�-lo de perto.

Durante jornadas assim, d� para ter contatos legais com as outras pessoas?
MG – Houve esses momentos de intera��o. Um deles quando um motociclista americano que estava indo para o norte, de onde j� est�vamos voltando, veio conversar comigo no estacionamento do hotel para se informar sobre os pontos de abastecimento. Contou-me sobre o seu mau dia. Tinha ficado sem gasolina e deixado a moto tombar. Tudo o que n�o queremos que aconte�a ocorreu com ele. A simplicidade ao confessar os erros e sua conversa franca foram o ponto alto do meu dia.

 

Houve perrengues?

MG – Posso citar o �ltimo trecho no Peru, quando t�nhamos optado pela fronteira com o Equador mais pr�xima de onde hav�amos pernoitado. Chegar na fronteira mais cedo � importante, porque nunca se sabe o tempo que vai ser gasto com a burocracia nas aduanas da Am�rica Latina. A estrada era atravessada por pequenos riachos. Atravessamos o primeiro, o segundo. O terceiro j� com �gua e lama. No quarto, havia pessoas locais com enxadas tentando fazer trilha sob a �gua. At� que, na quinta travessia, nossa avalia��o de risco e benef�cio nos levou a optar por voltar e tomar outra estrada, que nos levaria a uma fronteira mais distante. Chegar�amos j� � tardinha. Outro ponto tenso foi quando fizemos uma escolha errada e tivemos que percorrer quase 100 quil�metros de estrada n�o pavimentada, bastante isolada, a cerca de 30 km/h. A certa altura, meu companheiro, que estava mais distante, percebeu a moto que o seguia. Avisou-me pelo r�dio. Eu disse: ou voc� acelera e ficamos livres ou deixe que passe para resolvermos a quest�o. Reduzi a marcha, para que ele e a moto que o perseguia ficassem mais perto. Quando olhei pelo retrovisor, eram tr�s em uma moto. Fiquei tranquilo, pois se equilibrar numa estrada dessas j� � dif�cil com um, com dois na garupa seria f�cil dar o “chega pra l�” neles e derrub�-los, caso tivessem m�s inten��es. Quando ultrapassaram meu companheiro, deixei que emparelhassem comigo, j� com meu plano de defesa preparado. Vi que n�o era nada daquilo que nossa imagina��o, provavelmente contaminada por experi�ncias negativas de outras pessoas, nos fazia supor. Eram apenas garotos querendo ver as motos de perto. Acenei para eles, que retribu�ram de forma efusiva, como nos desejando boa viagem. Seguimos nosso caminho. Eles o deles, provavelmente felizes. E n�s, aliviados e um pouco envergonhados de pensar mal de quem nem conhec�amos. Esse incidente est� nos meus “relatos de viagem”, livro que estou escrevendo com base no meu “di�rio”. Pretendo distribu�-lo aos familiares e amigos. Apenas para marcar a viagem, n�o tenho pretens�es a me tornar escritor (risos)

 

'Vou organizar para que as viagens caibam no per�odo de 15 a 20 dias, o m�ximo que minha esposa pode se ausentar do trabalho. Para que possamos ir juntos. Minha esposa � �tima garupa. Al�m de n�o reclamar do desconforto, gosta de viajar de moto. Sou um felizardo!'

Marcelo Gaio, engenheiro e motociclista

 

 

Em setembro, voc� vai ao Porto de Santos (SP) buscar sua moto, que vem de Vancouver, no Canad�. Quando ela chegar, voc� j� tem nova viagem marcada?
MG – Primeiro, tenho de buscar a minha “companheira fiel” no porto e traz�-la para a garagem. A previs�o de chegada do navio � in�cio de setembro. Vou fazer uma boa limpeza nela, desmontar as partes e limpar cada uma, para deix�-la bonita como era antes. Depois, vou lev�-la para a revis�o mec�nica, as trocas de �leo e filtros e as regulagens de rotina. S� depois disso vou pensar nas pr�ximas viagens. H� uns lugares na Argentina onde quero ir, mas vou organizar para que as viagens caibam no per�odo de 15 a 20 dias, o m�ximo que minha esposa pode se ausentar do trabalho. Para que possamos ir juntos. Minha esposa � �tima garupa. Al�m de n�o reclamar do desconforto, gosta de viajar de moto. Sou um felizardo!

Quais s�o os n�meros desta jornada at� o Alasca?
MG – Percorremos 29.325 quil�metros. Quando for buscar minha moto em Santos e voltar a BH, terei completado os 30 mil. Total de gasolina gasta: 1.384 litros. Rodamos 72 dias. Foram 23 dias parados para turismo, descanso e transposi��o do Darien, pois entre a Col�mbia e o Panam� n�o h� estrada transit�vel, � preciso embarcar a moto no avi�o. Por dia, percorremos, em m�dia, 407 quil�metros. Eram sete horas e meia diariamente. Mas teve dia com quase 12 horas, outros com pouco mais de tr�s horas. Passamos por 14 pa�ses: Brasil, Peru, Equador, Col�mbia, Panam�, Costa Rica, Nicar�gua, Honduras, El Salvador, Guatemala, Belize e M�xico. Nos Estados Unidos, cruzamos Texas, Novo M�xico, Colorado, Utah, Arizona e Calif�rnia at� chegar ao Alasca. No Canad�, passamos pela Col�mbia Brit�nica e Yukon.

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