
A frase que virou meme e tem sido usada pra "resolver" todos os problemas que surgem na internet h� algumas semanas chegou por aqui tamb�m.
Pra al�m do fato de eu ser uma mulher gorda e h� pelo menos uns oito anos ser adepta da pe�a de vestu�rio lida como "empoderadora", caminhando por a� exibindo parte da minha barriga grande, de mulher gorda, me ponho a refletir sobre o que est� por tr�s n�o do cropped (ali�s, reajam e venham tirar os meus!) mas do imperativo da rea��o.
T�o bonita quando o movimento body positive, a frase, num primeiro momento, � divertida, leve e atraente. Num segundo momento, n�o passa disso. Tem dias que n�o h� cropped no mundo que me fa�a reagir. E tem dias que eu n�o quero reagir. Sem falar, claro, na problem�tica da mulher que n�o � padr�o e � reativa.
'Quero botar um cropped e ser amada. N�o comida. Amada.'
Dali � um pulo pra que seja lida como violenta - e isso seja um card super usado pelas pessoas pra seguirem isolando e punindo esta mulher. Estamos prestes a entrar no terceiro ano de pandemia, voltamos a contar algo em torno de mil mortes por dia, nada ser� como antes e reagir diante desse absurdo me parece uma imensa piada de mau gosto. Eu n�o quero reagir.
Eu quero botar meu cropped e s� existir. Eu quero botar meu cropped e saber que n�o serei xingada na rua. Que n�o serei agredida. Quero botar um cropped e ser amada. N�o comida. Amada. Quero por um cropped e receber uma mensagem querendo saber como t� - de algu�m de fato interessado na resposta. Quero por um cropped e cruzar olhares confort�veis com algu�m.
'Quero por um cropped e dizer que aprendi a fazer pamonha ainda crian�a - e que amo os dias em que isso acontece'
Quero por um cropped e ser ouvida. Quero por um cropped e poder contar que vi um casal andando de patins na ciclovia e tive vontade de comprar um par e voltar a patinar tamb�m. Quero por um cropped e contar que na adolesc�ncia, eu fazia longas dist�ncias - e aventuras - em cima do meu roller.
Quero por um cropped e dizer que aprendi a fazer pamonha ainda crian�a - e que amo os dias em que isso acontece. Que sinto saudade de como eu imaginava meu quintal e criei monstros gente fina pra habitar meu imagin�rio - e um elevador dentro do meu guarda-roupa, bem antes de assistir N�rnia, numa tentativa de preencher a solid�o dos dias.
Quero dizer que n�o consigo mais imaginar os monteis, mas sigo solit�ria - n�o importa o quanto eu reaja e bote um cropped. Quero dizer que gosto mesmo � de sentar na cal�ada e beber cerveja, ouvir das pessoas e falar de mim, sem a pretens�o de impressionar ou me divertir mais do que aquilo. A divers�o, pra mim, mora ali.
Quero dizer que me assusto quando penso que daqui um ano v�o somar-se 20 desde que entrei na faculdade e n�o h� cropped que sustente isso. Quero dizer que gosto da forma como o sol bate nas casas da quebrada e eu vejo pela minha janela todo fim de tarde. Aquela luz que parece resolver tudo, como uma m�sica do Tupac no come�o dos anos 2000.
Quero botar um cropped e comer um pastel frito, contar dos meus medos, lembrar dos meus melhores dias, chorar de saudade das pessoas que j� morreram. Quero por um cropped e n�o precisar fazer um text�o reagindo a qualquer coisa gordofobica que algu�m disse na TV ou nas redes sociais. Quero botar um cropped e comer um brigadeiro de colher com pessoas com quem me sinto absolutamente � vontade e confort�vel.
'Quero por um cropped e ter um privil�gio qualquer - nem que seja de, por alguns minutos, ser uma pessoa comum, com desejos ordin�rios, como comer um queijo quente, tomar um caf�, deitar num canto e fazer nada'
Quero por um cropped e quero cadeiras que caibam pessoas do meu tamanho. Quero botar um cropped e ser chamada pra dan�ar na balada. Quero por um cropped e ser tratada como uma pessoa. Quero, honestamente, por um cropped e descansar. Tal qual os militantes, que c�s amam mandar relaxar. Eu quero s� relaxar, com a paz de quem sabe que, no dia seguinte ou uma pandemia depois, tudo estar� ali: todo mundo pra ser conquistado. Desconfio que s�o pessoas - essas - cujo privil�gio nunca � amea�ado ou abalado.
Quero por um cropped e ter um privil�gio qualquer - nem que seja de, por alguns minutos, ser uma pessoa comum, com desejos ordin�rios, como comer um queijo quente, tomar um caf�, deitar num canto e fazer nada. Quero por um cropped e quero que o mundo reaja, porque eu t� cansad�ssima de ser a parte que se movimenta sempre.
Quero que o mundo reaja e diga que com ou sem cropped, vale a pena que eu esteja nele. Quero que o mundo reaja por mim como eu reajo por ele. Quero por um cropped e ser uma pessoa. Ser tratada como tal. E n�o como uma aberra��o. N�o como um amontado de gordura desumano que n�o se esfor�ou o suficiente para estar neste mundo. N�o como algu�m que merece sofrer. Quero por um cropped e n�o ser punida por isso. Quero por um cropped e me tornar uma pessoa.
Reajam!