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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Romantismo, ci�ncia e f�

Diante da revolu��o tecnol�gica global, a subordina��o da ci�ncia � religi�o e da raz�o � f� n�o t�m a menor chance de dar certo


postado em 04/08/2019 04:00 / atualizado em 03/08/2019 21:22


 



O Romantismo n�o foi apenas um movimento art�stico e cultural, cujos grandes expoentes foram o espanhol Francisco Goya e o franc�s Eug�ne Delacroix, na pintura, e o ingl�s Lord Byron e o alem�o Johann Wolfgang von Goethe, na literatura. Foi tamb�m um movimento pol�tico e filos�fico, que surgiu na Europa em meados do s�culo 18 e durou quase todo o s�culo 19. Caracterizou-se como uma vis�o de mundo contr�ria ao Racionalismo e ao Iluminismo, marcadamente nacionalista, que viria a ter um papel importante na consolida��o dos estados nacionais, inclusive no Brasil. O Romantismo valoriza o individualismo, a criatividade e a imagina��o popular, a inspira��o fugaz e a f� para remover os obst�culos da vida.

O te�logo alem�o Friedrich Schleiermacher, professor da Universidade de Berlim, bebeu das �guas do Romantismo na virada do s�culo 18 para 19. Ao morrer, em 1934, deixou duas obras radicais sobre teologia – Sobre a religi�o e A f� crist� – e uma nova doutrina, o liberalismo teol�gico, que teve grande influ�ncia na Europa e nos Estados Unidos. Seu esfor�o intelectual foi voltado para dar uma resposta � teoria da evolu��o, de Charles Darwin, que ao publicar sua obra-prima, A origem das esp�cies, gerou a grande tens�o entre a vis�o conservadora da B�blia e a ci�ncia, que permanece at� hoje. Essa tens�o era preexistente, remonta � teoria do astr�nomo polon�s Cop�rnico, publicada em 1543, na qual j� afirmava que a Terra gira em torno do Sol e n�o o contr�rio, embora haja quem ainda acredite que a Terra � plana.

Durante certo per�odo da Idade M�dia, a conviv�ncia pac�fica entre a ci�ncia e a religi�o foi estimulada pela Igreja Cat�lica, sob inspira��o de Tom�s de Aquino, para quem uma compreens�o maior da cria��o levaria ao entendimento melhor do Criador. Entretanto, quando cientistas e te�logos come�aram a chegar a conclus�es diferentes, o confronto se instalou, como aconteceu, por exemplo, em rela��o ao c�lculo infinitesimal estudado pelos monges cat�licos, que abalava os fundamentos da geometria aristot�lica. No fim do s�culo 18, com a avan�o da ci�ncia e do Iluminismo, os te�logos foram em busca de novas explica��es para os fen�menos que preservassem a coexist�ncia entre a religi�o e a ci�ncia, a raz�o e a f�, para evitar que o cristianismo fosse ultrapassado pelo materialismo.

O pulo do gato de Schleiermacher foi equiparar a cren�a aos sentimentos, seguindo a trilha do romantismo, que colocava a emo��o acima da raz�o, em vez de utilizar os mesmos crit�rios do conhecimento cient�fico, equiparando experimenta��o e “revela��o”, para provar a verdade do cristianismo. A ci�ncia usa a raz�o humana para descobrir as coisas do mundo e explicar como ele existe; a B�blia registra a experi�ncia religiosa de seus autores, explica por que o mundo existe como ele �. Como e por que s�o perguntas complementares; logo, na vis�o do te�logo alem�o, o avan�o da ci�ncia n�o invalidava a B�blia.

O Reino de Deus
 
Schleiermacher redefiniu a natureza da religi�o, estabelecendo tr�s n�veis para a vida humana: o conhecimento, a a��o e o sentimento. Dessa forma, a ci�ncia pertence ao conhecimento, a a��o � �tica e o sentimento � religi�o. “Deus existe” � um sentimento que depende de algo maior do que n�s mesmos, n�o precisa de comprova��o. Essa vis�o foi batizada como “liberalismo protestante”, mas acabou sendo muito contestada por te�logos neo-ortodoxos, porque afastava a autoridade religiosa do �mbito p�blico, j� que sentimentos s�o atributos pessoais. Qual seria o lugar do Reino de Deus?

Por essa raz�o, o te�logo su��o Karl Barth, na sua Carta aos romanos, no come�o do s�culo 20, criticou duramente Schleiermacher por sua indiferen�a �s necessidades do mundo externo. Os fatos corroboraram os riscos desse alheamento: o liberalismo protestante foi acusado de omiss�o diante do nazismo, do genoc�dio, da corrida nuclear e do armamentismo. Na sequ�ncia do debate, a pol�mica avan�ou para a discuss�o se Deus existe fora dos limites do tempo, ou seja, se � capaz de prever o futuro. A teologia tradicional lhe atribui onisci�ncia (ou seja, total conhecimento do passado, do presente e do futuro), mas te�logos modernos questionam esse entendimento de que o futuro a Deus pertence. Nesse caso, a presci�ncia comprometeria a bondada divina, pois Deus nada faz para evitar o mal. Se assim fosse, argumentam, de nada adiantaria rezar. Quando o futuro � aberto, a reza funciona como ferramenta da mudan�a, uma constru��o humana.

Esse debate parece apartado da nossa pol�tica, mas n�o �, quando nada porque o governo Bolsonaro � “terrivelmente evang�lico”. N�o apenas no bord�o “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, que adota desde a campanha eleitoral. Em suas decis�es predominam a emo��o, a intui��o, as ideias preconcebidas, os preconceitos e a f�, em detrimento da raz�o, da experi�ncia vivida, dos indicadores estat�sticos e das pesquisas cient�ficas, que, na gest�o democr�tica e moderna, fundamentam as pol�ticas p�blicas. Diante da revolu��o tecnol�gica global, a subordina��o da ci�ncia � religi�o e da raz�o � f� n�o t�m a menor chance de dar certo. “Eppur se mueve!”, esse � o dilema teol�gico desde Galileu Galilei.



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