
Mestre do romance policial, o professor Luiz Alfredo Garcia-Roza — que durante 40 anos lecionou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) —, somente aos 60 anos resolveu recorrer aos seus conhecimentos de psicologia, filosofia e psican�lise para se tornar escritor. Dedicou-se � literatura noir. Faleceu em abril passado, aos 84 anos, mas nos legou 12 romances — entre os quais O sil�ncio da chuva e Uma janela em Copacabana —, e um grande personagem, o detetive Espinosa.
Amigo do falecido escritor Rubem Fonseca, de quem era grande admirador, ao lado escritor norte-americano Edgar Allan Poe, numa entrevista ao jornalista Alberto Dines, Garcia-Roza resumiu seu estilo: “O assassinato puro e simples d� a chave daquilo que vai constituir o fundamental da literatura policial. (...) acabo me colocando frente a esta morte no lugar que n�o me caberia como escritor, que � o do investigador, que pode ser policial ou n�o”.
O embaixador Andr� Amado, estudioso da obra de Garcia-Roza, no rec�m-publicado A hist�ria de detetives e a fic��o de Luiz Alfredo Garcia-Roza, um bel�ssimo ensaio sobre literatura policial, destaca o m�todo l�gico-dedutivo do detetive Espinosa como fio condutor de uma obra liter�ria que n�o fica nada a dever aos grandes escritores do g�nero.
Espinosa � um personagem exc�ntrico, um delegado meio fil�sofo, em conflito com a profiss�o. Na sua �ltima obra, vive um jogo de gato e rato com um cafet�o, sua nova prostituta e um policial corrupto, entre outros seres do submundo da Lapa, o tradicional bairro bo�mio do Rio de Janeiro. O delegado Espinosa entra no caso quando come�am a surgir mulheres mortas com requintes de crueldade. Precisa descobrir quem � o assassino antes que ele fa�a sua nova v�tima. Obviamente, o personagem se inspira tamb�m em Baruch Spinoza (ou Benedito Espinoza), o fil�sofo holand�s descendente de judeus expulsos de Portugal pela Inquisi��o, que foi excomungado pela comunidade judaica de Amsterd�, da qual fazia parte, por causa de suas ideias racionalistas.
N�o faltam personagens na Opera��o Lava-Jato que se inspiram em her�is noir, como Espinosa, para desempenhar suas fun��es. A grande diferen�a para os bons romances policiais � que n�o existe nenhum caso de assassinato puro e simples at� agora, apesar do grande n�mero de dela��es premiadas, que muitos condenados veem como grande trai��o. Por exemplo, nos casos das investiga��es sobre o assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, e do esc�ndalo das “rachadinhas”, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual est� envolvidos o senador Fl�vio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, o capit�o Adriano N�brega, suspeito de ser o mandante do crime, que estava foragido, morreu em confrontos com a pol�cia na Bahia.
Tucanos
Mesmo assim, a Lava-Jato produz hist�rias policiais em s�rie, com a generosidade de um George Simenon, o criador do comiss�rio Maigret, protagonista de 78 novelas e 28 contos, escritos entre 1931 e 1972. A nova novela da opera��o foi lan�ada ontem, como a den�ncia apresentada pela Pol�cia Federal contra ex-governador de S�o Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), indiciado por suspeita de tr�s crimes: lavagem de dinheiro, caixa dois eleitoral e corrup��o passiva. O inqu�rito investiga, no �mbito da Justi�a Eleitoral, as doa��es da empreiteira Odebrecht. Em depoimento aos procuradores da Lava-Jato na �poca da investiga��o, Carlos Armando Paschoal, ent�o diretor da empreiteira em S�o Paulo, disse ter repassado mais de R$ 10 milh�es, via caixa 2, �s campanhas de Alckmin. O ex-tesoureiro do PSDB Marcos Monteiro e o advogado Sebasti�o Eduardo Alves de Castro tamb�m foram indiciados. Alckmin foi governador de S�o Paulo entre 2001 e 2006 e de 2011 a 2018.
No in�cio deste m�s, a for�a-tarefa da Opera��o Lava-Jato em S�o Paulo tamb�m denunciou o senador Jos� Serra (PSDB) e sua filha, Ver�nica Allende Serra, por lavagem de dinheiro. Quem acreditava que a Opera��o Lava-Jato estava morta, pode p�r as barbas de molho. As dela��es premiadas de Em�lio e Marcelo Odebrecht, assim como de todos os executivos da empresa envolvidos com as chamadas “opera��es estruturadas”, vincularam at� as doa��es legais da empresa ao gigantesco esquema de desvio de recursos de obras e servi�os p�blicos da empresa, que mantinha para caixa dois para financiar campanhas eleitorais, a partir de uma planilha apreendida em poder de uma das secretarias do grupo. Os casos considerados caixa dois eleitoral foram remetidos pelo Supremo Tribunal federal (STF) � Justi�a Eleitoral, que tem no atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Lu�s Barroso, um dos principais defensores da Lava-Jato.