
Como se sabe, o primeiro grande Estado-na��o da Europa influenciou toda a hist�ria moderna do Ocidente, em raz�o da Revolu��o Francesa e da Comuna de Paris.
Por essa raz�o, Judt n�o esconde seu espanto com “a incompet�ncia, a ‘insoucience’ indiferen�a e a neglig�ncia injuriosa dos homens que governavam o pa�s e representavam seus cidad�os” nesse per�odo e dedica o livro a L�o Brum, Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a mar� e confrontaram seus pares.
Segundo Judt, o problema da Fran�a era mais cultural do que pol�tico. Os deputados e senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais, funcion�rios p�blicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma assombrosa falta de entendimento de sua �poca e do seu lugar”.
Para um pa�s que no come�o do s�culo teve grandes l�deres pol�ticos, como o socialista Jean Jaur�s, que tentou evitar a 1ª Guerra Mundial e morreu assassinado num com�cio pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos art�fices do Tratado de Versalhes, chama a aten��o a petrifica��o das suas institui��es pol�ticas no per�odo
Traumatizada pelo sangrento desastre que foi o conflito mundial, a Fran�a foi polarizada pela radicaliza��o ideol�gica que antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de outro, em toda a Europa, e imobilizava o pa�s.
Dividida entre um anseio pela prosperidade, equivocadamente inspirada no passado, e pela estabilidade dos anos anteriores � guerra, de um lado, e as promessas de reforma e renova��o a serem pagas com recursos financeiros da puni��o � Alemanha, de outro, a elite francesa n�o tinha a menor chance de acertar.
Qualquer tentativa de mudan�a em favor de melhores condi��es de vida para os franceses era barrada por uma pol�tica polarizada entre esquerda e direita, toda reforma institucional ou econ�mica era tratada como um jogo de soma zero. O desfecho foi a ocupa��o alem�, per�odo ainda mais traum�tico, do qual a Fran�a foi salva pela vit�ria dos aliados, sem embargo da heroica resist�ncia dos maquis.
A cr�tica de Judt � dur�ssima: “Que a Fran�a tenha sido salva de seus l�deres pol�ticos, de um modo como n�o podia se salvar d�cada antes, se deu gra�as a grandes mudan�as no p�s-guerra nas rela��es internacionais.
Membro da OTAN, benefici�ria do Plano Marshall e cada vez mais integrada � nascente comunidade europeia, a Fran�a n�o dependia de seus pr�prios recursos e decis�es para ter seguran�a e prosperidade, e a incompet�ncia e os erros de seus governantes lhe custaram muito menos do que ocorrera em anos anteriores”.
Um paralelo
A tradu��o literal de “insoucience” � imprud�ncia. Essa � a palavra-chave do paralelo entre esse per�odo da hist�ria francesa e a pol�tica brasileira atual. Talvez a maior imprud�ncia vis�vel seja a atual pol�tica ambiental, que est� fadada ao desastre absoluto, porque assentada em bases pol�ticas e ideol�gicas com 50 anos de atraso, ou seja, que remontam � estrat�gia de ocupa��o e explora��o econ�mica da Amaz�nia do regime militar.
Suas consequ�ncias de curto prazo — perda de investimentos, dificuldades de comercializa��o de produtos e isolamento internacional —, apontam para um desastre muito maior, porque o mundo passa por uma mudan�a de padr�o energ�tico que est� nos deixando muito para tr�s, como aconteceu na Segunda Revolu��o Industrial, � qual s� viemos a nos incorporar na d�cada de 1950.
A quest�o ambiental � apenas a ponta do iceberg: falta-nos um projeto capaz de construir consensos pol�ticos majorit�rios e resgatar nossa coes�o social, para uma grande reforma democr�tica do Estado e a redu��o das desigualdades, no espa�o de uma ou duas ge- ra��es.
Ningu�m tem uma f�rmula pronta e acabada para isso. A �nica certeza � que os velhos paradigmas, que alimentam a polariza��o ideol�gica atual, n�o s�o capazes de dar as respostas adequadas aos problemas brasileiros.
O pior � que o velho nacional-desenvolvimentismo e os populismos de direita e de esquerda rondam as institui��es pol�ticas, sem que nenhuma dessas vertentes tenha a menor capacidade de dar respostas adequadas �s contradi��es atuais.
A Revolu��o Francesa inspirou nossas institui��es pol�ticas, assim como a Revolu��o Americana, matriz das nossas ideias federativas. Tanto a Fran�a como os Estados Unidos, por�m, vivem novos dilemas, com a revolu��o tecnol�gica e a globaliza��o, em que perdem protagonismo econ�mico e pol�tico, a primeira para a Alemanha, os segundos para a China.
Esses quatro pa�ses protagonizam as linhas de for�a do desenvolvimento mundial, no qual precisamos nos inserir de maneira mais proativa. Nenhum deles, por�m, nos serve de modelo de desenvolvimento.
Os Estados Unidos n�o nos dar�o de bandeja um Plano Marshall, o Mercosul est� cada vez mais na contram�o da Uni�o Europeia, e n�o nos interessa a militariza��o do Atl�ntico Sul. Precisamos tra�ar o nosso pr�prio rumo.
Nossos gargalos econ�micos e sociais t�m ra�zes ib�ricas (patrimonialismo, compadrio, clientelismo) e escravocratas. O xis da quest�o � produzir nova s�ntese sobre a realidade brasileira e, politicamente, desatar n�s institucionais que impedem o nosso desenvolvimento sustent�vel. Nossa elite pol�tica n�o se tem demonstrado capaz de cumprir essa tarefa.