O filme que intitula a coluna � uma hist�ria simples, rom�ntica, cheia de clich�s, meio pastel�o. No Dia da Marmota, o rep�rter Phil Connors vai � pequena Punxsutawney fazer a cobertura do evento. Por um desses mist�rios que somente acontecem nos filmes de Hollywood, o mesmo dia se repete incont�veis vezes. O protagonista fica preso no tempo. � um nonsense, sem nenhuma explica��o cient�fica nem preocupa��o com isso.
A trama se baseia em personagens estereotipados: Rita, a hero�na, � certinha demais; Phil � um fracassado, que se sente mal pelo trabalho que faz, escalado todo ano para acompanhar uma festa que odeia. Numa analogia transgressora, o presidente Jair Bolsonaro pretende transformar o nosso Dia da Independ�ncia no seu Dia da Marmota. Corre o risco se tornar prisioneiro do tempo, das manifesta��es que est� convocando para Bras�lia e S�o Paulo, pelo resto de seu mandato, qualquer que seja a capacidade de mobiliza��o que venha a demonstrar.
� uma daquelas situa��es em que o sujeito vira o “burro operante”, como diria o super-executivo Ant�nio Maciel Neto (Cecrisa, Grupo Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai). Quando o conceito est� errado, toda a estrat�gia � condenada ao fracasso. Atributos como aud�cia, carisma, coragem, perseveran�a e resili�ncia aumentam o tamanho do desastre, porque a execu��o do planejado leva exatamente a isso. Bolsonaro quer demonstrar capacidade de mobiliza��o de seus apoiadores para pressionar o Supremo e o Congresso e arrastar as For�as Armadas para uma aventura golpista, o que est� errado.
Vamos supor que a manifesta��o seja um sucesso, mobilizando alguns milh�es de partid�rios, como deseja o presidente da Rep�blica. O que isso tem a ver com os problemas reais da popula��o: infla��o em alta, desemprego em passa, crise sanit�ria, economia devagar, mas devagar mesmo, quase parando? Nada, absolutamente nada. Mais: nesse cen�rio, prosseguiria sua escalada de desestabiliza��o do Estado democr�tico de direito, que � um dos grandes fatores de risco para economia brasileira. Nossos problemas objetivos se agravariam, artificialmente, como mostra a experi�ncia de alguns de nossos vizinhos. Suponhamos, por�m, que a mobiliza��o n�o chegue nem perto dessa quantidade de pessoas. Ser� um ponto irrevers�vel de inflex�o de seu governo, que j� est� descendo a ladeira do fracasso. Perderia a capacidade de iniciativa pol�tica.
Governan�a
Al�m do conceito correto, o tri�ngulo de sucesso � formado por mais duas vari�veis: um m�todo adequado e um ambiente favor�vel. Bolsonaro n�o conta com uma coisa nem outra. A coisa mais met�dica de sua rotina � voltar cedo para casa. Bolsonaro: segundo os funcion�rios do Pal�cio do Planalto, � o presidente da Rep�blica que menos trabalha. O ambiente ca�tico que est� criando tamb�m dispensa maiores coment�rios. O presidente da Rep�blica � um daqueles casos citados por Maquiavel n’O Pr�ncipe: chegou ao poder muito mais pela Fortuna do que pela Virt�. Quando as conting�ncias mudaram, passou a enfrentar dificuldades sem as condi��es pessoais para super�-las, como os pr�ncipes que n�o conseguem manter o poder quando a passam a depender mais das pr�prias virtudes do que da pr�pria sorte.
S�o feiti�os do tempo. O f�sico Alan Lightman escreveu 30 contos sobre os sonhos do jovem Albert Einstein, ent�o com 26 anos. S�o f�bulas sobre a teoria da relatividade. Traduzidas para mais de trinta l�nguas, suas 167 p�ginas inspiraram dramaturgos, bailarinos, m�sicos e outros artistas do mundo. Tudo acontece entre a primavera e o in�cio do ver�o de 1905, em Berna, � sombra dos Alpes. Um simples funcion�rio do Escrit�rio Su��o de Patentes vem tendo sonhos perturbadores, todos eles ligados aos mist�rios do tempo e do espa�o. Num deles, por exemplo, o tempo transcorre num �nico dia – nascimento, vida e morte. Em outro, n�o existe futuro. E h� tamb�m o sonho em que causa e efeito ligam-se de maneira imprevis�vel, desvinculando os atos de suas consequ�ncias...
Um dos contos se passa num parque, cinco minutos antes de fechar. Um jovem aflito espera a namorada querendo que ela chegue mais r�pido, um velho senhor conversa com a netinha querendo esticar o tempo e o pipoqueiro do parque, met�dico, arruma a sua carrocinha com a precis�o de um rel�gio su��o. O tempo da pol�tica n�o � o mesmo da economia, muito menos o da Justi�a. A incapacidade de governan�a come�a na forma como Bolsonaro administra o seu pr�prio tempo, sem levar em conta que � o recurso mais escasso do seu mandato. Perde-se tempo com coisas que n�o s�o priorit�rias, as verdadeiras urg�ncias do pa�s n�o s�o levadas em conta. O melhor exemplo � o apag�o energ�tico, em raz�o da crise h�drica. O impacto do aumento do pre�o da energia el�trica na vida das pessoas vai se somar ao dos aumentos da gasolina e do g�s de cozinha.