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Estado de Minas ENTRE LINHAS

O legado de Michel Temer que assombra o governo do presidente Lula

O ex-presidente � reconhecido pelas elites do pa�s como um bom governante, devido �s reformas que fez. Tem saudades do "Fora Temer!", do qual se livrou


04/06/2023 04:00
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Michel Temer
O ex-presidente n�o tem inten��o de voltar ao cargo, que se caracterizou como semi-presidencialismo na pr�tica (foto: Nelson Almeida/AFP - 12/8/20)

Na noite do dia primeiro de junho, quinta-feira, ap�s a posse da nova dire��o da Associa��o Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), o ex-presidente Michel Temer, um dos palestrantes e convidado de honra do presidente da entidade, Vicente Martins Prata Braga (CE), circulava entre autoridades e demais convidados “feliz como um pinto no lixo”, como diria o falecido cantor Jamel�o, o maior “int�rprete” do compositor ga�cho Lupic�nio Rodrigues.

Era um daqueles fugazes momentos de glamour e felicidade dos poderosos de Bras�lia, numa posse festiva � beira do Lago Parano�, que come�ou com pompa e circunst�ncia e acabou com todo mundo dan�ando. Temer fez uma palestra, participou da grava��o de uma longa entrevista a alguns jornalistas e voltou para a festa. Circulou sorridente entre as mesas, tirou fotos com tietes, levou tapinha nas costas, reviveu o fasc�nio do poder sem a adrenalina que o “energizava” na Presid�ncia.

Hoje, aos 82 anos, Temer � reconhecido pelas elites do pa�s como um bom presidente, devido �s reformas que fez nos seus dois anos de mandato, assim como fora Itamar Franco. Desde quando deixou a Presid�ncia, tem saudade do “Fora Temer!”, do qual se livrou, ironiza, mas n�o a pretens�o de voltar ao cargo. A noite dos procuradores foi digna das colunas sociais, uma daquelas festas nas quais os poderosos se confraternizam, mesmo os inimigos figadais.

Em nenhum outro lugar seria imagin�vel ver o sisudo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no meio do sal�o, dan�ando com a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Le�o, � vista do corregedor do Conselho Nacional de Justi�a, Lu�s Felipe Salom�o, ministros de cortes superiores; governadores e parlamentares. Que ningu�m se iluda, em raz�o da radicaliza��o pol�tica, esses momentos de confraterniza��o dos poderosos de Bras�lia s�o cada vez mais raros.

A prop�sito da felicidade geral da Rep�blica, o fil�sofo, matem�tico, f�sico, professor e bibliotec�rio Immanuel Kant (1724-1804), que viveu na �poca da Revolu��o Francesa e de George Washington na Presid�ncia dos Estados Unidos, dizia que “nenhum princ�pio da lei v�lido pode ser baseado na felicidade” (Teoria e pr�tica). Remetendo-se a Plat�o, dois mil anos depois, sustentou que “as ilus�es vari�veis e conflitantes a respeito do que � felicidade tornam imposs�vel todos os princ�pios fixos, de modo que a felicidade, por si s�, jamais pode ser um princ�pio aplicado �s leis”. Por ironia, em Bras�lia, o poder n�o � sin�nimo de felicidade, o pr�prio Temer que o diga.

A abordagem kantiana sobre o poder, que inspirou Hanna Arendt e outros fil�sofos mais contempor�neos, pode ser resumida em dois deveres de governo: proteger os direitos e as liberdades do povo como uma quest�o de justi�a e promover a felicidade do povo, desde que pudessem faz�-lo sem diminuir os direitos e a liberdade das pessoas”. As teses liberais de Kant, por�m, foram usadas para dar sustenta��o � agenda de reformas neoliberais da primeira-ministra brit�nica Margareth Thatcher, com o argumento de que seria uma viola��o da liberdade individual esperar que o povo pague impostos para a felicidade de outros. Hoje, esse � um pensamento majorit�rio na nossa sociedade e no Congresso brasileiro.

Semipresidencialismo

Chegamos ao legado de Temer que atormenta o governo Lula.  Tr�s vezes presidente da C�mara e vice-presidente antes de assumir a Presid�ncia, com o impeachment de Dilma Rousseff, o ex-presidente � um constitucionalista e um pol�tico experiente, capaz de discernir, como fizera Kant, aquilo que pode ser correto na teoria, mas nada vale na pr�tica. “O Executivo n�o governa sozinho, o poder � compartilhado com o Congresso. Desde a Constitui��o de 1988, ao longo do processo pol�tico, o presidencialismo se esfarrapou, sofremos dois processos de impeachment. Aceitei a realidade de que o presidente da Rep�blica n�o governa sozinho, adotei o semipresidencialismo na pr�tica”.

Quando assumiu o poder, o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou capturar o Congresso, n�o atrav�s dos partidos, mas por meio da incorpora��o ao governo da representa��o corporativa que se consolidava no Parlamento, principalmente de evang�licos, ruralistas, policiais e militares, amalgamados pela a��o de uma extrema direita ideol�gica. N�o deu certo. Bolsonaro acabou capturado � pelo Centr�o, para evitar um impeachment. O pre�o foi entregar a Casa Civil para o senador Ciro Nogueira (PI), o presidente do PP, e o Or�amento da Uni�o para a C�mara, presidida por Arthur Lira (PP-AL).

O que era feito informalmente por Temer, passou a ser institucionalizado. Mais: houve aumento do valor das emendas impositivas de deputados, senadores e bancadas estaduais e um “or�amento secreto”, que blindou eleitoralmente a maioria dos atuais mandat�rios e fortaleceu ainda mais o Congresso na rela��o com o Executivo. Lira foi al�m: agarrou a proposta de semi-presidencialismo com as duas m�os e criou um grupo de trabalho para estudar o assunto na C�mara.

O presidente da C�mara j� disse que nenhuma das reformas pelo Congresso nos governos Temer e Bolsonaro ser� revertida pelo governo Lula, a exemplo do que ocorreu com o marco do saneamento. Depois da aprova��o do novo arcabou�o fiscal e da estrutura do governo, com modifica��es na �rea ambiental, s� tem compromisso com Lula para aprovar a reforma tribut�ria. Os demais projetos ser�o negociados caso a caso. Lula foi eleito com 50,9% dos eleitores, o Congresso representa 100%, com uma maioria conservadora e antipetista. Lira pode apresentar a proposta de semi-presidencialismo na primeira crise institucional do governo. Seria uma alternativa a um novo processo de impeachment, que convulsionaria o pa�s.

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