
A Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) do Senado aprovou, ontem, um projeto de lei que confronta o Supremo Tribunal Federal (STF) e estabelece um marco temporal para limitar a demarca��o de terras ind�genas � data da promulga��o da Constitui��o, em 5 de outubro de 1988. � uma volta � trilha do genoc�dio dos ianom�mis e outras na��es ind�genas que vivem em �reas isoladas da Amaz�nia, rumo em que est�vamos durante o governo Bolsonaro, al�m da viol�ncia contra aldeias ind�genas remanescentes ainda n�o-demarcadas em todas as regi�es do pa�s.
O texto foi aprovado por 16 votos a 10 e agora seguiu para ser apreciado no plen�rio do Senado. � bom lembrar o que acontecia at� a posse do presidente Luiz In�cio Lula da Silva: estima-se que 570 crian�as foram mortas pela contamina��o por merc�rio, desnutri��o e fome, provocada pela invas�o das terras ianom�mis pelos garimpeiros. Al�m disso, em 2022 foram confirmados 11.530 casos de mal�ria esses �ndios.
N�o � preciso esfor�o para rever as fotos da trag�dia: nelas, crian�as, jovens, adultos e idosos ianom�mi parecem sair de um campo de concentra��o nazista. Mostram a realidade nua e crua de uma aldeia Ianom�mi em Roraima, ap�s a chegada dos garimpeiros � regi�o. Comparar essas fotos com os registros do fot�grafo Sebasti�o Salgado, que realizou uma expedi��o � Terra Ianom�mi em 2014, mostra a dimens�o da viol�ncia.
Salgado acompanhou a tradicional festa f�nebre Reahu, realizada na aldeia Demini, morada do l�der Davi Kopenawa, e a subida de um grupo de xam�s ao Pico da Neblina. Suas fotos foram publicadas na edi��o digital do Washington Post. Em preto e branco, como sempre, s�o imagens fortes e fascinantes, que levam ao sentimento de um lugar perdido, num tempo diferente do nosso, no qual a natureza humana aparece em estado puro.
J� nas fotos feitas no final do ano passado revelam o tempo presente, os ianom�mis aparecem como indigentes no mesmo espa�o f�sico no qual sobreviveram por mil�nios. O ex-presidente Jair Bolsonaro � o grande respons�vel pelo que ocorreu, porque sufocou os �rg�os respons�veis pela assist�ncia aos ind�genas e liberou o garimpo ilegal no pa�s. A maioria dos senadores da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a tem a mesma falta de empatia em rela��o aos �ndios.
Cosmovis�o
A ancestralidade ind�gena, mesmo a assimilada pela urbaniza��o, � um fio da vida, da sabedoria, da identidade, do pertencimento e da criatividade do nosso povo, tece o passado, o presente e o futuro de nossa brasilidade, de rela��es que nos conectam � humanidade. Transcende o espa�o e o tempo para recriar futuros poss�veis e saud�veis. Pensar em todas as pessoas que vieram antes de n�s � entender que h� algo muito maior dentro de cada indiv�duo.
Quando falamos da Amaz�nia e outros biomas, estamos tratando de um tesouro cultural ainda em muito inexplorado, no qual o conhecimento ind�gena de sabores e propriedades medicinais s�o apenas uma pequena mostra do potencial alimentar e farmacol�gico de nossa biodiversidade.
Para os ianom�mi, que querem salvar o mundo, “urihi”, a terra-floresta, n�o � um mero espa�o de explora��o econ�mica. Trata-se de uma entidade viva, inserida na complexa din�mica cosmol�gica de interc�mbios entre humanos e n�o-humanos, que hoje est� amea�ada pela a��o dos garimpeiros e outros predadores.
“A terra-floresta s� pode morrer se for destru�da pelos brancos. Ent�o, os riachos sumir�o, a terra ficar� fri�vel, as �rvores secar�o e as pedras das montanhas rachar�o com o calor. Os esp�ritos xapirip�, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabar�o fugindo. Seus pais, os xam�s, n�o poder�o mais cham�-los para nos proteger. A terra-floresta se tornar� seca e vazia. Os xam�s n�o poder�o mais deter as fuma�as-epidemias e os seres mal�ficos que nos adoecem. Assim, todos morrer�o.”
A cosmovis�o ianom�mi, assim traduzido pelo l�der ind�gena Davi Kopenawa, hoje � t�o importante para a sobreviv�ncia da humanidade quanto as mitologias grega e romana. A tese do marco temporal aprovada na CCJ do Senado prev� que os povos ind�genas s� ter�o direito � demarca��o de terras que j� eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulga��o da Constitui��o Federal, em 5 de outubro de 1988. O tema foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal na semana passada e rejeitado por 9 a 2.
Caso a proposta seja aprovada pelo Congresso e se torne lei, poder� ser questionada no Supremo. O senador Marcos Rog�rio (PL-RO), relator do projeto, � um representante de predadores da floresta. O texto do projeto j� foi aprovado pela C�mara dos Deputados, com apoio do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). De acordo com a proposta, somente seriam consideradas terras ind�genas as �reas por eles habitadas em car�ter permanente e utilizadas para suas atividades produtiva. Ora, ca�adores e coletores, os �ndios s�o n�mades e dependem do equil�brio ecol�gico e de suas para sobrevivem por seus pr�prios meios.