
E a segunda, produto de mais torcida que an�lise t�cnica, � a de que o quadro est� t�o consolidado, os votos t�o definidos, que a aproxima��o dos dois n�o altera o favoritismo do petista. Qualquer movimento novo, incluindo o do voto �til nas v�speras, consolidaria o quadro e favoreceria o favorito.
Carlos Augusto Montenegro, o veterano analista de pesquisas que fundou o Ibope, hoje Ipec, chegou a afirmar nas v�speras do 7 de Setembro que a elei��o j� estava decidida e poderia ser realizada no dia seguinte.
— A campanha demorou quase dois anos. Mas acabou. Falta o eleitor p�r o voto na urna.
N�o ouso duvidar das proje��es de tanto especialista vener�vel nas m�dias velhas e novas, em vista da dificuldade mesmo de antever mudan�a mais radical num quadro em que o crescimento de um deles de um lado, em um p�blico, compensa a melhora do outro em outras faixas.
A dificuldade de Bolsonaro no Nordeste e entre mulheres � contraposta pela melhoria no sul e recupera��o do voto de brancos ricos arrependidos. A perda de terreno de Lula entre os evang�licos e agropecuaristas � compensada pelo avan�o entre os jovens e a classe m�dia acima de dois sal�rios. Etc.
As altera��es n�o mudariam o quadro, por falta de tempo. O jacar� morde a boca no dia do pleito, uns dentes a favor do petista, sem que o presidente consiga fazer valer o valor de sua caixa de m�gicas — redu��o do pre�o dos combust�veis, Aux�lio Brasil e etc — para reduzir seus ainda altos �ndices de rejei��o.
Mas restam as movimenta��es no sudeste, espa�o, faixa ou diferencial que vem sendo negligenciado nas an�lises e pode tornar o crescimento de Bolsonaro de fato amea�ador, al�m das altera��es percentuais perif�ricas nas diferentes estratifica��es.
N�o por ele, mas pela m� sorte do advers�rio de estar vinculado a candidatos a governador de baixo empuxo. Bolsonaro tem ou ter� o apoio dos tr�s candidatos de longe mais vi�veis no tri�ngulo das bermudas, em sentido inverso ao de Lula. Que pode perder a�, n�o tamb�m por si mesmo.
Tarc�sio de Freitas em S�o Paulo, Cl�udio Castro no Rio de Janeiro e Romeu Zema em Minas Gerais s�o potenciais favoritos contra tr�s bons sujeitos que carregam o fardo da ainda alta rejei��o � esquerda e ao petismo: Fernando Haddad, Marcelo Freixo e Alexandre Kalil.
Se h� um crescimento significativo de Bolsonaro sujeito a se ampliar, acima da capacidade de concorr�ncia de Lula, � entre o eleitorado desses governadores, que vincular�o seus votos ao de presidente.
O caso de Minas � mais emblem�tico. Lula navega bem no favoritismo de Romeu Zema, no Lulema pelo interior, enquanto o governador n�o assume claramente — e por conveni�ncia — sua afinidade total com Bolsonaro. Mas s� at� quando o governador tomar partido, ainda no primeiro ou no segundo turno.
A essa altura, grande parte da torcida contra o presidente duvida da sua capacidade de reagir a tempo diante da estagna��o favor�vel de seu concorrente. Mas, contra toda a torcida, � Lula que, al�m de n�o sair do lugar, tem as piores perspectivas.
A rainha e seu modelo
Quis o destino que uma multid�o hist�rica que representa metade da vontade do pa�s fosse �s ruas no 7 de Setembro para assinalar nosso divisionismo radical contra a outra metade, no semana em que morreu o maior s�mbolo moderno de unidade pol�tica.
Elizabeth II foi a soberana que inspirou por mais longo tempo e como nunca um sentido de coes�o, tradi��o e pertencimento que extrapolou fronteiras e se esfor�a por se mostrar vivo ante o modelo fraticida que l�deres como Bolsonaro representam.
Passou al�m do Reino Unido a ideia de que pa�ses precisam de uma refer�ncia aglutinadora, um guia espiritual que mantenha acessos valores comuns que unifiquem suas popula��es apesar das disputas eventuais.
Na excepcional s�rie The Crown, da Netflix, e de farta literatura sobre a fam�lia real, se aprende o tamanho do fardo de ser rainha ou pertencer a essa fam�lia, por consanguinidade ou casamento.
� uma onerosa devo��o ao servi�o p�blico, em regras, posturas e restri��es de etiqueta di�rios, torniquetes de todas as vontades pessoais, para que cada membro espelhe em p�blico os valores que essa sociedade escolheu eleger: comedimento, despreendimento, idealismo e generosidade.
Com base nessa ideia, j� escrevi mais de uma vez o quanto a monarquia, apesar da m� fama de anacronismo que soa rid�cula at� nas roupas da Idade M�dia, � muito mais eficiente e mais barata que a Rep�blica para atingir os mesmos objetivos.
Entre outros de contra peso e estabilidade, os de que os pa�ses precisam de algu�m ungido que congregue, represente e/ou inspire os valores nobres em que um pa�s precisa manter e acreditar para seguir forte e grande. N�o juntando uma parte contra a outra, muito menos em comemora��es oficiais.
Nas democracias, pelo voto, s�o os presidentes que representam esse papel. Incorporam e inspiram, ou deveriam, esses valores. Aprovados nas urnas, v�o tratando de convencer e cooptar a minoria que divergiu.
Espera-se sempre de um presidente eleito que tenha consci�ncia desse papel, da responsabilidade com os princ�pios que projetou e que consiga convencer os vencidos. Aos quais cabe aceitar as regras do jogo at� uma pr�xima elei��o.
Porque s�o os valores permanentes, e n�o as disputas eventuais, que importam para vivermos em paz.
Quem vai escrever como Jo�o Paulo?
N�o o conheci pessoalmente e nada sabia sobre sua hist�ria pessoal at� o s�bado em que li sobre sua morte. O que sabia de Jo�o Paulo Cunha era a produ��o jornal�stica de bagagem cultural intimidante que me inspirou a escrever um artigo extasiado de admira��o.
Naquele j� long�nquo 22 de abril de 2013, tinha sido o melhor que havia lido sobre o dilema dos jornais diante do avan�o da internet e da crise existencial dos jornalistas na imin�ncia do fim de sua miss�o:
— Somos perseguidos pela inevitabilidade do fim dos jornais. Apenas os prazos mudam, se alargam um pouco, mas deixam sempre um rastro de crise no ar. (…) Hoje n�o precisamos de jornal para conhecer o mundo, nem de jornalistas para report�-lo. (…) Hoje se faz jornal sem papel e sem m�quinas.
Ou:
— O jornalismo, com sua fun��o social de garantir a liberdade de opini�o na sociedade, vem sendo a�odado por todos os lados. H� o ataque das novas m�dias, a fuga de leitores em dire��o a plataformas mais divertidas, o decr�scimo da lucratividade das empresas, o avan�o de investidores sem tradi��o no neg�cio e a perda dos objetivos �ticos em nome do interesse financeiro.
E ainda:
— Pode parecer um paradoxo, mas � exatamente o excesso de informa��o o maior inimigo do bom jornalismo. Nem todo fato � informa��o, nem toda not�cia publicada � jornalismo. A confus�o gera n�o apenas um cen�rio confuso como eticamente cambeta. A tend�ncia do deslocamento da informa��o trabalhada com intelig�ncia jornal�stica para o mero lado apresentado pela multiplicidade de suportes tecnol�gicos n�o traduz um nova democracia informativa, mas uma balb�rdia.
Sobre ele, quase de joelhos, escrevi:
"� poss�vel que n�o houvesse algu�m mais talhado para essa autocr�tica do que Jo�o Paulo. � daquele tipo de jornalista da velha cepa, quase jur�ssico para esses tempos vulgares, de estupenda forma��o te�rica, que se obrigava a ter um bom dom�nio de todos os campos do saber e a costur�-los com efic�cia de forma a contribuir para a constru��o de uma �tica.
Se o jornalista comum foi sempre um especialista em generalidades, pode-se dizer que esse tipo se pautou por ser um especialista em profundidades. Um Cl�udio Abramo, um Ivan Lessa, um Paulo Francis – n�o por acaso j� mortos – que n�o faziam concess�es � superficialidade.
Seu caderno Pensar, que circula aos s�bados, � uma trincheira meio ex�tica e resistente desse tipo de jornalismo do pensamento (como o Ilustr�ssima da Folha de S. Paulo), meio sem lugar no mundo dominado pela leitura dos cliques obsessivos e pela comunica��o de 140 toques.
Em geral, � ele mesmo que puxa o tom do caderno desde a capa, escrevendo a mat�ria principal, onde se vislumbra sua catedral de conhecimento, transitando com desenvoltura da filosofia � psican�lise, da literatura � hist�ria, da economia ao entretenimento.
E complementa com seu artigo pessoal, na segunda p�gina, outra esp�cie de trincheira da trincheira da antiguidade cl�ssica, onde exercita sua luta algo incans�vel sobre a mediocridade desses tempos. Em artigos quase sempre definitivos, raros na imprensa nacional pela sua abrang�ncia e pelo estupendo volume de informa��o, sem preju�zo da clareza."