
Seria muito bom que consegu�ssemos dar adeus ao ano velho com o cora��o leve de quem fez tudo o que podia e devia para ser feliz. Ser feliz n�o � uma constante, s�o momentos fortes e importantes para seguir adiante. � sentir que valeu.
Freud, o descobridor do inconsciente, analisou detidamente o homem. A ele devemos homenagens por inaugurar a aten��o para a dimens�o subjetiva e a import�ncia do afeto no nosso desamparo fundamental desde o nascimento. A dimens�o salvadora da escuta.
Freud mencionou tr�s feridas narc�sicas no livro Confer�ncias introdut�rias sobre psican�lise. � oportuno lembrar por uma quest�o de retifica��o da posi��o do homem no mundo na hora de acertar os ponteiros com o universo.
O homem precisa do narcisismo para se proteger, amar, cuidar e se manter coeso. Mas o ego muito inflado se torna um problema, pois ele passa a se achar a �ltima cocada do pacote e a� se complica.
A primeira ferida narc�sica foi a perda da ilus�o de viver no centro do mundo. Cop�rnico, n�o sem enfrentar grandes opositores, afirmou que a Terra n�o � o centro do universo. Ela gira em torno do Sol, sendo um planeta entre outros. Houve como��o, censura, repress�o. As rea��es adversas se deram, pois n�o foi uma descoberta sem import�ncia e consequ�ncias. Ela derrubou saberes estabelecidos e mudou toda a l�gica vigente.
A coisa caminhou e veio Darwin. Com ele, o homem decai para o reino animal, descendente de esp�cie comum aos macacos. Hoje, inclusive, entre os animais, � o mais nocivo ao planeta, justo por seu narcisismo desmedido e inconsequente. Da� o desastre. Tamb�m sofrida a aceita��o dessa verdade.
O terceiro golpe foi o desvelar de n�o ser senhor de si. Freud descobre o inconsciente e com ele a certeza de que o homem n�o sabe da missa a metade. Dotado do inconsciente que funciona full time, isto �, o tempo todo, at� quando dorme e faz sonhos, o homem desconhece a n�o insignificante, muito antes pelo contr�rio, parte de si pr�prio que existe fora da consci�ncia. A rea��o foi contundente. Um insulto para o homem em sua emp�fia e arrog�ncia.
O homem � maravilhoso, reconhe�amos. Descobriu que a uni�o faz a for�a, inventou a roda, dominou o fogo, grandes obras e a arte! Suas descobertas fizeram da civiliza��o algo admir�vel. Mas h� momentos em que passa do ponto, vai do maravilhoso ao perigoso, ignora o limite do razo�vel, mant�m interesses pr�prios acima dos coletivos.
Quando um homem cr� possuir mais direitos a ser feliz, rico e poderoso do que os demais, ignorando estar no mundo e n�o em uma ilha fant�stica onde nada pode atingi-lo, ele perde o ponto e desanda. Desanda, perde o rumo.
O outro e o real n�o podem ser ignorados. Eles se voltam contra essa indiferen�a com uma for�a descomunal e mostram a viol�ncia e destrui��o que podem causar.
Sem a devida retifica��o de sermos um gr�o de areia no universo e a menos que fa�amos algo relevante para a humanidade, nem seremos lembrados. Vale a pena incluir no balan�o do novo ano o nosso lugar no mundo e tratar de reverter o curso da derrocada. Ser� que ainda d� tempo?
Fa�amos como as inocentes e n�o pouco inteligentes crian�as, hoje nos puxando as orelhas sobre sua heran�a. Escutar este apelo � trabalhar pelo coletivo, pelo futuro e descend�ncia, porque o dinheiro n�o vai comprar oxig�nio, n�o faz brotar �gua para matar a sede. E, depois, quem vai cantar com Gil “traga-me um copo de �gua/ tenho sede/ e esta sede pode me matar”?