
O tema da reda��o do Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) 2023 foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.
Surpreendente e bem escolhido, chama a aten��o para um tema importante e delicado do cotidiano da mulher. As mulheres ainda guardam um substrato de machismo, dedicam-se a servir o homem, quase como a m�e, e muitos deles n�o t�m interesse em abolir a “m�e”.
Neste trabalho invis�vel, de m�ltiplas faces, a mulher se desdobra para atender demandas de todas as frentes: por amor, cuida, al�m do seu trabalho, dos filhos, do marido, cozinha, lava, passa e guarda. Sobrecarga exaustiva e injusta, sem valoriza��o ou reconhecimento.
O tema obriga a sociedade a refletir sobre as mulheres, m�es e donas de casa. Mesmo aqueles que n�o observam seu pr�prio comportamento machista deram uma paradinha. As mulheres talvez tamb�m amem demais...
A cultura machista � remanescente do poder que sempre tiveram os homens. O mundo sempre contou com a hegemonia do homem branco que se acredita superior a todos os outros e � natureza. O resultado tem sido em alguns segmentos desastroso.
As leis foram feitas por eles, em seu benef�cio: “Aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”. Sempre foram mandat�rios sobre as mulheres, esposas e filhas. Antes do s�culo 18, as mulheres eram impedidas de livre express�o, da alfabetiza��o, leitura de romances e ci�ncia, sa�rem desacompanhadas e escolher companheiros. Foram vendidas, trocadas, usadas, privadas de liberdade.
O mundo masculino sempre oprimiu as mulheres. O movimento feminista quebrou a submiss�o e fez avan�ar uma rea��o diante da opress�o. Queimaram suti�s, come�aram a trabalhar e hoje vemos que abriram portas para que as mulheres modernas estejam no patamar que est�o. Grande progresso, conquistamos direitos civis. Mas ainda h� um longo caminho para podermos falar que nas rela��es s�cioafetivas e amorosas desfrutem de igualdade.
Falar de temas-problema � a coisa certa a se fazer, ainda que seja dif�cil mudar uma cultura milenar t�o arraigada. � uma luta de pouco sucesso, pois aqueles que sempre detiveram o poder n�o est�o dispostos a abrir m�o dele.
As estat�sticas e a m�dia demonstram o alto �ndice do feminic�dio, diariamente exibido, e mostram a dificuldade dos homens em aceitar o ‘n�o’ de uma mulher, por isto, alguns, ofendidos e afrontados, se d�o o direito de mat�-la.
Freud estudou com Charcot, um grande psiquiatra franc�s que tratava da histeria feminina. Naquela �poca, as mulheres n�o podiam se expressar e adoeciam. Tinham convuls�es, paralisias, contraturas e crises de nervos e nunca tinham recebido aten��o. Era enlouquecedor.
Freud, com a descoberta do inconsciente, escutou as mulheres. Uma de suas primeiras pacientes dizia que falar era como fazer uma limpeza na chamin�. Trazia al�vio intenso. O trabalho de Freud deu voz �s mulheres, permitindo abrir caminho para a compreens�o das fantasias, do desejo, e isto deu lugar a elas.
O feminino � sutil, n�o existe defini��o ou recomenda��es sobre como e o que � ser uma mulher, mas, com certeza, o trabalho invis�vel retira a mulher do lugar de desejante, pois ela se doa no cumprimento de um ‘dever’, numa servid�o denegada, na qual parte de sua subjetividade � sacrificada.
Ser� preciso muito esfor�o ainda para se educar e sair deste lugar de doadora universal. Mas � um caminho de m�o �nica requerer seus direitos subjetivos. Porque assumir o desejo para uma mulher, ainda em nosso tempo, pode ser muito perigoso.