
Ocupo a maior parte dos meus dias vagando a esmo pelas ruas, ouvindo m�sica e sem o menor temor de ter os fones de ouvidos, o celular e a carteira batidos por um vagabundo. Tamb�m n�o me preocupo com buracos nas cal�adas e com carros ou motos que n�o respeitam as faixas de pedestre.
As pessoas v�m e v�o, algumas apressadas, outras vagarosas, mas cada um dentro do seu mundo, do seu espa�o. Ningu�m se preocupa com o outro, com roupas, com a cor do cabelo, com nada, desde que n�o invada a pr�pria ‘privacidade p�blica’ dos demais. H� uma cumplicidade clara pela individualidade alheia.
CARRO: ATRASO DE VIDA
N�o h� dia nem local - seja rico ou pobre - por onde eu caminhe, que n�o me fa�a comparar algo, ou algu�m, com o Brasil. E tal compara��o, infelizmente, � sempre negativa. Um bairro paup�rrimo, por exemplo, conta com uma delegacia de pol�cia jamais vista nos bairros mais ricos das capitais brasileiras.
O transporte coletivo - �nibus e metr� - � um caso muito � parte. Conhe�o dezenas de pa�ses, e em todos eles j� tive oportunidade de experimentar, como turista, seus meios de transporte. Mas nunca havia utilizado - diariamente - um metr�, como meu �nico meio de locomo��o. Nem em S�o Paulo, onde morei por anos.
A liberdade de n�o ter um carro � impressionante! Nada de estacionamentos caros, flanelinhas achacadores, vagas apertadas, as portas batendo e danificando umas �s outras, horas a fio no tr�nsito parado, fechadas, filas dupla, avan�o de sinal, brigas e outras mazelas do dia a dia dos motoristas das grandes cidades.
Sem contar com o fato de n�o ter de pagar por seguro, IPVA, licenciamento, multas, gasolina, revis�es, troca de �leo, pneu furado, lavagem, etc. Muito menos milhares de reais em impostos para custear sal�rios e mordomias da casta do funcionalismo p�blico, e entupir as contas clandestinas dos pol�ticos e governantes corruptos.
VANDALISMO BRUTO
Mas o que me levou a escrever este texto foi algo mais chocante, menos trivial. Eu recebi de um amigo um v�deo com a est�tua do bandeirante Borba Gato, na avenida Santo Amaro, em S�o Paulo, ardendo em fogo sobre pneus incendiados por alguns v�ndalos auto-intitulados ‘Revolu��o Perif�rica'.
Minha primeira reuni�o profissional ocorreu em um sal�o de eventos de um hotel em frente � est�tua. Durante anos, tamb�m por causa do trabalho, passava em frente ao Borba Gato no caminho de ida e de volta da empresa em que trabalhava. E tamb�m, ali ao lado, havia uma churrascaria de rod�zio espetacular.
Sempre admirei ‘aquele’ Borba Gato; pelo tamanho e detalhes da obra. E jamais me peguei pensando em quem foi o bandeirante e o que ele fez. Aquilo � um patrim�nio p�blico, um equipamento edificado e custeado por todos os cidad�os paulistanos. E posso dizer: poderia estar em qualquer grande cidade do mundo.
N�o h� motivo, justificativa ou argumento que possam explicar o atentado terrorista - sim, atentado terrorista! - contra uma obra de arte p�blica que retrata n�o apenas um personagem hist�rico, mas um dos per�odos mais importantes da hist�ria brasileira. As ‘Entradas e Bandeiras’ definiram o Brasil como ele �.
SEM PASSADO, N�O H� FUTURO
� c�lebre a frase ‘Um povo que n�o conhece a sua Hist�ria est� fadado a repeti-la’, ou algo assim, acho que de Edmund Burke, fil�sofo irland�s e dos maiores �cones do pensamento conservador (1729-1797). Se Borba Gato ca�ou e matou os �ndios e negros no s�culo XVII, n�o ser� hoje, atrav�s de vandalismo, que a repara��o vir�.
Al�m disso, a motiva��o de gente ordin�ria como estes vagabundos terroristas n�o � nem nunca foi - ou ser�! - a busca pela Justi�a. Esses bandos arruaceiros movem-se por �dio, revolta e recalque. S�o seres frustrados, abandonados emocionalmente - e at� fisicamente - pelos pais. S�o verdadeiros sociopatas, selvagens urbanos.
Extremistas do lulopetismo e do bolsonarismo s�o iguais. O MST ateando fogo em fazendas ou o brutamontes bolsonarista quebrando uma placa com o nome daquela vereadora assassinada no Rio de Janeiro, Marielle Franco, s�o iguais. Como os tais black blocs, os supremacistas alem�es e americanos, e o lixo QAnon.
O SIGNIFICADO DE ‘P�BLICO’
Aqui onde estou, hoje em dia, ‘ai’ de quem se meter a depredar, ou ao menos tentar, invadir um equipamento p�blico. A cadeia, al�m de certa, ser� r�pida e duradoura. E n�o ter� STF que d� jeito. Simplesmente porque a sociedade n�o tolera, como eu j� disse l� no in�cio do texto, que algu�m invada seu espa�o, seu direito.
O significado de ‘p�blico’ � ‘de todos’. E n�o ‘de ningu�m’. No Brasil, infelizmente, o ‘p�blico’ significa: ‘liberado para quebrar, depredar, sujar, roubar’. ‘Dinheiro p�blico’? Bora gastar; n�o tem dono. ‘Espa�o p�blico’? Bora sujar, fazer xixi, j� que � meu, eu fa�o o que quiser e como bem entender.
Ali�s, acho que nossos governantes - federal, estadual e municipal - imaginam que seus mandatos tamb�m s�o ‘p�blicos’, da� serem e fazerem tudo o que s�o e que fazem com nosso dinheiro e nossas vidas. Como eles, boa parte da classe pol�tica nacional. Essa gente precisa de uma boa temporada na civiliza��o. Ainda que n�o adiante nada depois.