Por que odeio tanto e meus textos s�o t�o agressivos? Leia e me dar� raz�o

A cena � chocante. Grita aos meus olhos. De minha janela - enorme, por sinal - assisto a um rapaz em uma escada, limpando as janelas - ainda maiores que a minha - da bela cozinha da casa vizinha, enquanto a fam�lia almo�a, cercada de funcion�rios dom�sticos.

Tanto o mo�o como os demais empregados s�o pretos. A fam�lia, claro, branca. Para mim, uma cena t�pica, comum, cotidiana, j� que a realidade de minha casa � a mesma. Para os pobres (no sentido exato da palavra), tamb�m. S� lhes resta trabalhar para sobreviver.

Fa�o parte do 1% mais rico do Brasil. Tenho absolutamente tudo em abund�ncia. Fiz por merecer. E melhor: sem jamais me aproveitar de nada nem de ningu�m. Ao contr�rio! S� eu e os meus sabemos os le�es que tive de matar ao longo de quase 40 anos.

O cruel � que, assim como os trabalhadores que fito no vizinho, dezenas de milh�es de brasileiros tamb�m fizeram, fazem e far�o por merecer uma vida, sen�o t�o abastada, ao menos minimamente digna de se viver. Eis o motivo deste desabafo em forma de texto.

Ser rico ou pobre - milion�rio, bilion�rio ou miser�vel - em um pa�s como o Brasil, muito mais do que resultado de trabalho, esfor�o, habilidade, sorte, azar etc. � a conjun��o de fatores simult�neos e concorrentes que v�o desde o CEP de nascimento � uni�o dos pais.

Nascer em um bom endere�o; ter sa�de, alimenta��o e educa��o adequadas; ser criado em uma fam�lia social, financeira e emocionalmente est�vel; ter boa apar�ncia - ser branco!! -, enfim, s�o condi��es que favorecem absurdamente as chances de sucesso financeiro.

Prosperar n�o � pecado, como pregam certos l�deres religiosos e pol�ticos em busca de… riqueza. Pilantras! Muito menos culpa dos milion�rios, a extrema pobreza e desigualdade social do Brasil. E � mentira - muita mentira! - que os ricos pagam pouco imposto.

O drama n�o � trabalhar, limpando janelas de mans�es ou servindo almo�o de gente rica. � um trabalho digno e honesto como qualquer outro. O drama � morar num barraco e n�o ter nem sequer uma janela para limpar. �, muitas vezes, n�o ter almo�o em casa para servir.

Quem me conhece pessoalmente e intimamente - ao contr�rio da imagem que passo atrav�s dos meus textos - sabe o quanto sou am�vel, educado, sens�vel, solid�rio, justo e atento - muito atento!! - aos problemas e agruras dos outros (pr�ximos ou n�o).

Por causa do meu trabalho, passei mais de 20 anos viajando por Minas Gerais e por mais 18 estados do Brasil. S� n�o conhe�o sete. E foram nestes anos de andan�as - capitais e interior -, sobretudo no norte e no nordeste, que vi o que h� de pior no pa�s.

Vi crian�as comendo farinha de cactus, sopa de folhas, carne de calango. Crian�as nuas, sem ber�os ou camas, dividindo tetos de palha com irm�os, pais, galinhas e vermes de todos os tipos. Acreditem: faz dilacerar o mais g�lido dos cora��es.     

Como, ent�o, esperar que estes seres humanos se desenvolvam f�sica, emocional e cognitivamente, a ponto de se tornarem adultos saud�veis, fortes, produtivos, educados, enfim, aptos a progredirem financeiramente e viverem de forma minimamente digna?

UM PA�S CRUEL     

O Brasil � dominado h� d�cadas, sen�o s�culos, por elites cretinas, ego�stas e cruelmente desumanas. Pol�ticos, governantes, empres�rios, artistas, jornalistas, banqueiros, fazendeiros, em boa medida, formam uma casta imut�vel de parasitas e privilegiados.

Juntos, mant�m aprisionados em favelas e periferias sem saneamento b�sico, a massa de manobra pol�tica e m�o-de-obra farta e barata para, em seguida, atrav�s da falta de sa�de e educa��o, fazerem crescer a pr�xima gera��o de pobres e miser�veis a seu dispor.

Um c�rculo vicioso intermin�vel, perp�tuo, que se renova a cada elei��o, a cada gera��o que sucede a anterior e que mant�m o ‘status quo’, o sistema que escraviza, hoje, mais de cem milh�es de pessoas, em detrimento de vinte ou trinta milh�es de abastados.

E h� quem, diante de tudo isso, ainda fale em meritocracia. S�rio? O filho da senadora K�tia Abreu - uma mulher riqu�ssima - vai estudar no instituto de Gilmar Mendes, ministro do STF, ao custo de quase 80 mil reais, pagos pelos limpadores de janelas** (s� um exemplo atual).

N�O H� COMO N�O ODIAR      

� por isso que odeio tanto, que esbravejo tanto, que xingo tanto em meus textos quase di�rios nos websites da revista "Isto�" e jornal Estado de Minas, al�m do portal UAI e redes sociais. N�o d� para ficar mudo enquanto tudo isso faz feder o ar ao meu redor.

Ano passado eu vivi o segundo semestre em Nova York, nos Estados Unidos. Aprendi o que n�o sabia e reaprendi o que havia esquecido. E a principal li��o que trouxe na bagagem �: mantenha viva a chama da indigna��o, ainda que n�o resulte em nada nem resolva nada.

� indigno almo�ar, enquanto algu�m que n�o come adequadamente, limpa a sua janela. Assim como � indigno bancar os estudos do filho com dinheiro p�blico. Por�m, ainda mais indigno, talvez, seja manter-se calado ou - o que � pior! - defendendo pol�ticos vagabundos.

Minha sugest�o, portanto, �: odeie, sim! E muito. Odeie todos que, de uma forma ou de outra, corroboram para um Pa�s t�o asqueroso. Ao contr�rio do que dizem, odiar n�o faz mal; te faz lembrar que � humano e que, bem no fundo, ainda te resta alguma dignidade.   

*Iraj� Abreu, como sua m�e, K�tia, � senador. J� foi acusado de estupro e � conhecido como ‘campe�o de desmatamento’. N�o � a primeira vez que se refestela com dinheiro p�blico: em 2019 foi passear nos EUA, ao lado de Fl�vio ‘Rachadinha’ Bolsonaro.

Riqu�ssimo, vai espetar 73 mil reais no lombo dos pagadores de impostos, para fazer um mestrado no instituto de Gilmar Mendes, aquele conhecido ministro do STF, que mandou soltar o pai de sua afilhada de casamento, mas que considera Sergio Moro um criminoso.

Eu pergunto: � para odiar ou para amar?