
Vivemos at� agora na ilus�o de que chegamos ao �pice do progresso tecnol�gico e do conhecimento cient�fico. Afinal, conseguimos penetrar no infinitamente pequeno para decifrar o movimento das part�culas subat�micas e no infinitamente grande para investigar a vastid�o do cosmos. Mas a vida � elusiva. Quanto mais nos aproximamos dela mais ela nos foge para mais distante.
Nem todos os recursos da Terra t�m sido suficientes para nos livrar da dor, do medo e da morte causados por um simples v�rus. Sabemos agora que estamos longe de controlar a vida e dominar os seus mist�rios. At� ent�o esses v�rus, como os da mal�ria e da ebola, vitimavam periodicamente os pobres da Terra. Agora, os epicentros da crise sanit�ria s�o Nova York, Londres, Paris, S�o Paulo. A natureza mostrou finalmente que n�o cultiva preconceitos e que para ela todos os homens s�o realmente iguais.
O novo lugar-comum � que o mundo depois da pandemia ser� muito diferente. De fato, como nas guerras totais do s�culo 20, as economias do mundo sair�o muito desorganizadas. O desemprego e a queda nas rendas de quase toda a popula��o v�o reduzir severamente a demanda por bens e servi�os. E do lado da oferta, muitas e muitas empresas deixar�o de existir pelo longo hiato no seu funcionamento, por falta de faturamento e de liquidez para atender seus compromissos. As economias ter�o que ser reconstru�das, porque poucas estruturas empresariais sobreviver�o.
N�o seria exagero dizer que vamos ter que come�ar de novo, e uma nova distribui��o de riqueza poder� se instalar no mundo. At� agora, alguns pa�ses eram ricos e outros pobres por causa das disparidades dos pontos de partida. A pandemia, com seu impacto sobre as economias, vai de um certo modo renivelar o campo de jogo, tornando a competi��o menos desigual. Quem fracassar vai ter que esperar muito tempo por nova oportunidade.
A pandemia vai causar danos terr�veis � humanidade. Depois dela o mundo ter� que ser reconfigurado. Ser� um momento de reconstru��o. Vamos tentar reconstruir tudo exatamente como era, ou vamos aproveitar para sonhar com uma vida um pouco diferente e um pouco melhor? Ser� que viv�amos at� agora no melhor dos mundos?
Quanto ao Brasil em especial, temos que reconhecer que a COVID-19 vitimou um pa�s j� doente, cuja economia h� 40 anos mal se arrastava em um crescimento med�ocre e que desde 2014 vivia em estado de recess�o. Nossa renda por habitante vem em decl�nio constante nos �ltimos anos, estando em 2020 em um n�vel menor do que em 2010. Al�m de mais pobres, continuamos a ser um pa�ses mais desiguais do mundo.
Nada disso � por acaso. Erros de pol�tica, s� agora reconhecidos, sujeitaram o pa�s a juros reais desnecessariamente altos, que resultaram num endividamento p�blico excessivo, sem nenhum proveito para a economia e para a popula��o. O investimento p�blico h� muito desapareceu e o Estado vive apenas para pagar sal�rios, aposentadorias e juros. Ao longo do s�culo 21 tivemos uma sucess�o de governos, embora eleitos, despreparados, populistas e irrespons�veis. As portas do futuro fecharam-se para n�s.
Sobre as ru�nas deste pa�s malferido, quem sabe seja a hora para um novo pacto social que refunde nossa na��o em outros termos. Um pacto que reavalie nossas institui��es econ�micas, que reforme radicalmente um sistema pol�tico que tantos danos j� nos causou e que recrie um Estado que, grande ou pequeno, sirva a todos e n�o a uns poucos, e que tenha capacidade de liderar nosso crescimento econ�mico, como j� fez outrora nos melhores momentos de nossa hist�ria.
Vamos escrever nova Constitui��o, com olhos voltados para o futuro, e n�o para o passado como a Constitui��o de 1988, em que se pro�bam os privil�gios, que todos tenhamos tanto deveres como direitos e que projete um Estado para investir no progresso e na justi�a social.
Nossa gera��o fracassou na tarefa de construir um grande pa�s. O dever que nos resta agora � confessar nossos erros e pedir aos que est�o chegando que tenham a coragem de come�ar de novo.
