
Nos regimes democr�ticos, os bons governos s�o sempre fruto do puro acaso. Nenhum conjunto de regras garante �s sociedades governantes capazes e esclarecidos. A esse respeito � �til nos lembrarmos da li��o do grande fil�sofo da liberdade Karl Popper, que classificou de autorit�ria a pergunta “quem deve governar?”, porque esta � uma quest�o de exclusivo julgamento dos governados. A quest�o, ainda segundo ele, deveria ser: “De que modo podemos organizar nossas institui��es pol�ticas de forma que os governantes maus e incompetentes n�o possam causar muito dano?”
Liberdade de escolha pelo povo e institui��es que limitem os danos causados pelos erros dos governantes, eis os dois fundamentos que sintetizam a ess�ncia da vida democr�tica.
A consequ�ncia desta liberdade do povo � que os governantes eleitos tanto podem ser capazes e esclarecidos, como podem ser ignorantes, despreparados e at� mesmo uma amea�a � pr�pria democracia. No nosso pa�s temos tido numerosos exemplos dos dois tipos. Se percorrermos a nossa hist�ria nos �ltimos cem anos, certamente vamos encontrar um bom governante cada vez que o pa�s deu um salto � frente, seja no crescimento econ�mico, nas reformas institucionais e nos avan�os civilizat�rios.
Temos sido v�timas frequentes de governantes despreparados para as imensas tarefas de liderar e dirigir um pa�s como o nosso. Por isso h� quase 50 anos crescemos pouco e criamos uma sociedade extremamente desigual e injusta. � o pre�o da liberdade e da democracia. Se isto serve de consolo, mesmo no regime militar tr�s dos escolhidos eram sem d�vida pessoas sem preparo pr�prio para as fun��es.
Para se defender da aleatoriedade das escolhas eleitorais as democracias contam com freios e contrapesos � a��o dos governantes, para limitar o mal que podem causar. Essas limita��es existem para assegurar a perman�ncia das sociedades e do Estado. Infelizmente muitos governantes mais voluntariosos rebelam-se eventualmente contra essas limita��es. Ao faz�-lo, criam uma situa��o de conflito institucional e p�em em risco a pr�pria estabilidade democr�tica.
� exatamente o que estamos vivendo agora. Nosso atual presidente tem limita��es na sua forma��o e herdou uma situa��o econ�mica terr�vel. Teve ainda a infelicidade de se ver em meio � maior crise de sa�de do mundo contempor�neo. Diante desse mar de problemas, em lugar de buscar a uni�o de todos os cidad�os e de todas as for�as e recursos do pa�s, ele buscou ref�gio numa pauta de problemas irrelevantes ou inexistentes e, � falta de grandes resultados, joga a culpa de sua impot�ncia no Judici�rio e no Legislativo.
Na verdade os dois poderes existem mesmo para limitar o Poder Executivo. � essa a l�gica do sistema constitucional. Mas, se quisermos ser justos, no caso do presidente Bolsonaro foram rar�ssimas as vezes em que suas iniciativas foram frustradas. A primeira iniciativa bloqueada foi uma legisla��o muito permissiva de propriedade e posse de armas, um tema majoritariamente rejeitado pela popula��o.
Em seguida tivemos a decis�o do Supremo reconhecendo o direito de Estados e Munic�pios editarem normas de distanciamento social diante da pandemia, enquanto o presidente negava publicamente a gravidade da doen�a e queria eliminar em todo o territ�rio as restri��es de atividades econ�micas e sociais, o que teria provocado certamente uma cat�strofe sanit�ria.Por �ltimo, o Judici�rio revogou sua nomea��o de um delegado para a dire��o da Pol�cia Federal.
A pergunta que cabe fazer � se, decorridos um ano e meio de governo, o Brasil estaria melhor e o governo mais bem-sucedido, se a vontade do presidente tivesse prevalecido e n�s tiv�ssemos hoje mais liberdade de possuir e portar armas de fogo, se a vida estivesse a pleno vapor e sem qualquer restri��o para o conv�vio e as aglomera��es e se, finalmente, o delegado amigo estivesse no comando da Pol�cia Federal.
Penso que a conclus�o � que, apesar de tudo, nossas institui��es est�o funcionando justamente para preservar a vida e o bem-estar de todos os brasileiros.