Nesta semana, a nossa Constitui��o completou 35 anos de vida. Na acidentada hist�ria pol�tica do Brasil este n�o � um fato trivial. A Constitui��o de 1946, escrita ap�s o fim do infame Estado Novo, durou apenas 18 anos. Uma quest�o que ainda est� em aberto � se estes 35 anos ininterruptos de vida democr�tica se devem �s virtudes da nossa Constitui��o ou ao amadurecimento da consci�ncia democr�tica do povo brasileiro. A minha opini�o � francamente pela segunda hip�tese.
Duas coisas podem ser afirmadas sem risco de equ�voco. A Constitui��o de 1988 foi um avan�o indiscut�vel em termos de reconhecimento de direitos e garantias individuais. Outra marca extraordin�ria foi a universaliza��o da assist�ncia � sa�de e a cria��o do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Se ela tivesse feito apenas isso e ainda garantisse a exist�ncia de um Estado que funcionasse a servi�o de todos, seria um belo exemplo de carta constitucional. Na realidade, foi muito al�m disso e a� come�aram os problemas.
Para entendermos nossa Constitui��o, temos que recuar at� as particularidades de nosso processo constituinte. A Constituinte reuniu-se a partir de janeiro de 1987 sem um projeto pr�vio e num momento em que a morte de Tancredo tinha deixado o sistema pol�tico ac�falo e sem lideran�as que o vertebrassem. A �nica lideran�a vis�vel era de Ulysses Guimar�es, que, apesar do alto esp�rito p�blico e da grande integridade, n�o era um pol�tico de ideias e formula��es. Quando os constituintes se reuniram, eles foram distribu�dos em comiss�es e subcomiss�es tem�ticas onde encontraram todas as p�ginas em branco. Come�aram a escrever a partir do nada.
Cada grupo fechou-se em seu pr�prio tema sem ter ideia do que os outros grupos estavam escrevendo. Ao final, a soma de todos os textos setoriais formava uma pe�a de centenas de artigos descosturados e abrangendo todo os tipos de quest�o. Partia-se do particular para o geral sem qualquer vis�o unificadora. Dois outros aspectos s�o igualmente definidores do resultado geral.
O primeiro foi que a Constituinte se reuniu e terminou o seu trabalho antes da queda do muro de Berlim e do colapso do socialismo real. Este fato fez da nossa Constitui��o, em sua vers�o de 1988, um documento estatista e extremamente nacionalista. A desmontagem destas distor��es ocupou v�rios governos, especialmente o de Fernando Henrique. Se prevalecesse o texto original nosso pa�s seria hoje um dos mais atrasados do mundo.
O outro aspecto relevante foi a influ�ncia dos lobbies. O plen�rio era sempre um espa�o intransit�vel, ocupado por uma multid�o de lobistas, que acabavam escrevendo o texto junto com os constituintes. Isto foi mais evidente no caso dos servidores p�blicos que asseguraram na Constitui��o toda a sorte de benef�cios e privil�gios que os tornaram um mundo � parte na sociedade brasileira. O pacto distributivo impl�cito na Constitui��o, na pr�tica, aumentou a injusti�a social em vez de reduzi-la
No final das contas, para atender � multiplicidade de interesses que a pressionavam e na aus�ncia de lideran�as disciplinadoras nossa Constitui��o aceitou tratar de tudo, chegando ao final com 250 artigos, 83 disposi��es transit�rias e mais centenas de par�grafos, letras e incisos, o que acabou constitucionalizando toda a vida do pa�s.
O resumo � que todos os governos para governar e resolver problemas t�m que fazer reformas constitucionais, porque revelou-se imposs�vel governar com a Constitui��o tal como foi escrita em 88. Nestes 35 anos foram aprovadas 129 emendas constitucionais e v�rias outras est�o a caminho. S� uma delas, a que trata da reforma dos impostos sobre o consumo cont�m 22 artigos e centenas de par�grafos e incisos, formando um texto que ocupa 35 p�ginas.
Tendo tratado de tudo e com tal min�cia, a Constitui��o manteve praticamente sem mudan�as o sistema pol�tico herdado do regime militar. Este sistema est� se revelando a cada dia mais disfuncional, mas � muito dif�cil mud�-lo porque est� protegido pela Constitui��o.
Por isso e por muito mais, nossa Constitui��o � um problema sem solu��o.