A pol�tica hoje, aqui e em toda a parte, � cada vez mais o dom�nio das fic��es e n�o dos fatos. Quem tem o talento para alinhavar as melhores narrativas, mesmo distanciadas da realidade, conquista as mentes e os cora��es. Mesmo antes das redes sociais e da multiplica��o dos canais de informa��o a verdade nunca foi o ingrediente preferencial do discurso pol�tico. O que era diferente era que a circula��o dos discursos era muito mais limitada e n�o contaminava a sociedade inteira. Agora, com o caos informacional no qual estamos envolvidos, todas as fic��es, por mais inveross�meis que sejam, s�o acolhidas sem reservas. O mundo da pol�tica ficou parecendo uma viagem noturna com os far�is apagados. O desprezo pelos fatos � uma arma poderosa nas corridas eleitorais, mas n�o � um bom recurso para as tarefas de governar. A grande dificuldade dos governos � que uma popula��o educada na fantasia nem sempre encara com resigna��o a dureza das solu��es reais. Este desencontro est� na raiz do descontentamento com a democracia e da fragilidade dos governos democr�ticos.
O principal dilema da pol�tica contempor�nea � que � preciso mentir para vencer elei��es e � preciso dizer a verdade para governar. Este dilema explica o encolhimento do chamado centro pol�tico, aquele campo que abriga as pessoas mais realistas, mais equilibradas e que tem um certo pudor em dizer aquilo em que n�o acreditam. Este retraimento alimenta a fortuna dos extremismos ou do cinismo. Um amigo meu, com certa dose de sabedoria, me disse a respeito do candidato que atualmente lidera a campanha presidencial argentina: se o candidato acredita no que est� pregando, estamos diante um louco perigoso e precisamos nos acautelar; se ele n�o acredita, � apenas um c�nico e a� teremos apenas a pol�tica como ela �. Entre a loucura e o cinismo precisamos encontrar um novo caminho.
O governo Lula est� prestes a completar o seu primeiro ano e ainda n�o cumpriu uma das poucas promessas de campanha que foi unir os brasileiros. At� agora a ret�rica do governo � francamente partid�ria e todos os postos-chaves da administra��o est�o entregues a expoentes do seu partido. Todo o seu esfor�o de concilia��o est� voltado exclusivamente � forma��o de sua base de apoio parlamentar, sem nenhuma consequ�ncia para o conjunto da sociedade. N�o seria injusto afirmar que at� agora o governo continua apostando na polariza��o. As pesquisas j� divulgadas confirmam que as divis�es pol�ticas est�o inalteradas e que o apoio ao governo coincide com sua vota��o em outubro de 2022. Nosso pa�s est� im�vel.
Uma sociedade dividida � uma sociedade incapaz de resolver os seus problemas. O que se passa nos Estados Unidos e em Israel, por exemplo, � a prova dos danos e dos perigos da polariza��o interna. Falando no mundo exterior, os tra�os mais partid�rios do governo Lula est�o presentes na sua pol�tica externa, na condescend�ncia com as not�rias ditaduras da Venezuela e de Cuba e na sua indisfar��vel simpatia com os regimes autocr�ticos, tornada explicita na sua avalia��o da invas�o da Ucr�nia e na recep��o do Ir� e da Ar�bia Saudita nos BRICS. A voca��o autorit�ria das esquerdas latino-americanas deixou uma marca profunda no partido do presidente. Esta nunca ser� uma pol�tica externa que vai unir os brasileiros.
No campo do crescimento econ�mico o governo est� imobilizado por sua atra��o pelo passado, quando o crescimento poss�vel para o Brasil � sin�nimo de mudan�a e mudan�a profunda. O grande economista Albert Hirschman j� dizia que todo modelo de crescimento traz em si o germe da obsolesc�ncia. Mesmo em caso de sucesso cada modelo trata de desequil�brios que s�o espec�ficos do per�odo e, portanto, precisa ser constantemente reinventado. Repetir o passado n�o � uma alternativa, embora o modelo esgotado tenha produzido clientelas que se beneficiam desproporcionalmente de suas institui��es e tem poder para se opor �s mudan�as.
Insistindo na divis�o dos brasileiros e em vis�es do passado o governo pode resistir e at� vencer novamente, mas o Brasil certamente perder�.