
Na aula inaugural do curso de medita��o, a aluna se surpreende com a figura do mestre Artur Arya. Ele transparece paz: voz de veludo e idade indefinida. Tem o semblante suave. Suas linhas de express�o resumem-se aos cantos da boca. Vive em estado permanente de sorriso.
Se todos s�o assim, ser� que o Dalai Lama tem rugas? Se n�o tiver, � sinal de que acaba de descobrir a fonte da juventude. Se for sim, ter� aprendido a lidar com a passagem do tempo. Em ambos os casos, ter� valido a pena. “Volta, criatura! Volta para a Terra!”
Antes de imperar o sil�ncio, Artur Arya, professor de ioga, medita��o e alimenta��o ayurv�dica, pede para fechar os olhos. P�lpebras cerradas. Hummm, suspira, aceitando o comando. “Agora – avisa o guru –, estendam o bra�o direito � frente e abram a palma da m�o. Vou depositar um objeto para cada um.” “Muito bem!”, continuou. “Agora que todos receberam o objeto, segurem-no entre os dedos. Resistam � vontade de espiar para saber o que �.”
Diante da quietude do lugar e da obrigatoriedade de n�o fazer nada, a aluna s� pode respirar. Isso, respire fundo. Relaxe. “Agora, leve o objeto para perto do seu ouvido direito e verifique se ele emite algum som.” Nesse momento, todos j� sabem que se trata de algo para comer, talvez uma jujuba. Nenhum sinal de ru�do ou campainha.
“Aproxime o objeto das narinas. Sinta o aroma. Perceba se o cheiro remete � inf�ncia.” Nesse ponto, ela perde o foco, com medo de mais algu�m da turma ter ouvido seu est�mago roncar de fome. “Da pr�xima vez, lembrar de passar na lanchonete antes do curso” – rabisca no bloco de notas mental. E naufraga no fluxo dos pensamentos.
Por fim, desperta e ouve o professor autorizar a colocar o tal objeto na boca. At� que enfim. “Aten��o – diz ele –, evite o impulso de engolir. Resista”. O que a faz devolver parte do doce. “Se quiser, pode mover o objeto de um canto a outro da boca, com a ajuda da l�ngua. Que sensa��es isso desperta?”
“OK, podem engolir o objeto”, autoriza o mestre. “Aleluia!”, ela tem vontade de gritar, mas sufoca o berro, transformado em suspiro. “N�o, ainda n�o acabou. Tentem perceber o caminho percorrido pelo objeto atrav�s da garganta, descendo pelo es�fago at� o est�mago”, orienta, sorrindo, como sempre. S� pode estar criticando dela, que, nessas alturas, pressente o objeto prestes a escapar pela �ltima portinha do organismo.
“J� era”, pensa a aluna, desolada. Um s�culo depois, � chegado o momento em que � permitido abrir os olhos e confirmar a suspeita que teve desde o in�cio. Bingo! Todos acabam de deglutir uma min�scula uva-passa.
O mestre Artur Arya, abre a roda para perguntas, assim como fez na entrevista ao canal do YouTube Ch� com Leveza. Algu�m admite que costumava engolir uma caixinha inteira de ‘objetos’ na inf�ncia, sem mastigar direito. “Concordo, concordo!”, teve vontade de acrescentar a aluna iniciante, prometendo a si mesma ser menos gulosa a partir de agora.