
� curioso como os aromas s�o capazes de i�ar as mem�rias mais queridas, guardadas l� no alto de nosso guarda-roupa interior. Para acess�-las, � preciso buscar a escada de alum�nio, subir degrau por degrau e depois descer, carregando nos ombros o peso do ba� de recorda��es. Lembro-me do caso de uma amiga que recebeu de heran�a o vidro de perfume usado pela m�e antes de partir. Ela esperou mais de 15 anos at� ter coragem de abrir o frasco e destampar as �ltimas gotas de sauda- des. O cheiro de m�e.
Entre os aromas nost�lgicos est�o o perfume das damas-da-noite, que evocam uma cidade adormecida no passado. Um lugar onde havia flores nas cal�adas e era poss�vel caminhar livremente nas ruas, sem medo do escuro. Era o cheiro de liberdade.
O que dizer sobre o cheirinho de beb�? Haja sabonetes especiais, pomadas para o bumbum e col�nias que n�o ardem os olhos. Por mais que tente, a ind�stria de cosm�ticos � incapaz de reproduzir essa mistura, feita a partir de gotas de leite materno, respingos de banana amassada e banhos sucessivos. Verdadeiro cheiro da inoc�ncia.
Da mesma forma, � in�til tentar imprimir o cheiro dos filhos no paninho de dormir, nas pe�as de roupa mais usadas, no amigo de pel�cia preferido. Conhe�o uma m�e que infiltrou uma fralda de pano no ber�o do filho, entre o colch�o e a grade, de maneira a permanecer 24 horas em contato com a pele do beb�. Deu certo at� chegar a hora do desapego. O suvenir foi parar na parte de cima do arm�rio, entre sach�s perfumados e o fedor de naftalina para espantar tra�as e mofo. Virou cheiro de ‘guardado’.
O caso, ver�dico, me faz lembrar de O perfume. No livro, o protagonista torna-se obcecado pela ideia de criar o perfume perfeito. O alquimista come�a a assassinar as donzelas virgens mais belas de sua aldeia. Envolve o corpo das mo�as em cera, de modo a absorver a ess�ncia da jovialidade e beleza. Cheiro da flor da juventude.
O final da hist�ria � tr�gico, beira � insanidade. Mais tarde adaptado para o cinema, o desfecho remete ao do filme Parasita, que levou quatro Oscars, inclusive o de melhor filme. Nos dois casos, o cheiro ati�a os instintos mais primitivos. Cheiro de morte.
Pode-se dizer que os aromas t�m o poder de potencializar sensa��es, sejam elas grotescas ou maravilhosamente m�gicas. Imposs�vel descrever as notas contidas nos perfumes xa- m�nicos. Parecem concentrar o cheiro de terra molhada, o frescor das lufadas de vento, a luminosa paix�o das fogueiras, a doce suavidade das �guas. Cheiro de natureza.
H� aromas aconchegantes, que aquecem a alma. J� outros, despertam. N�o sei quanto a voc�s, mas eu s� amanhe�o totalmente ap�s sentir o cheiro do caf� invadindo a casa. Pouca importa a origem dos gr�os, desde que sejam passados no coador de pano. Cheiro de ro�a.
Ali�s, o perfume do caf� � melhor do que o gosto. Fa�a uma experi�ncia. Beba devagar o conte�do da x�cara, em vez de engolir a garrafa inteira da bebida, conforme eu costumava fazer antes de aprender as t�cnicas do mind fullness. Relaxe, respire profundamente e se abra para o mundo dos sentidos. Para o cheiro de caf�.