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Qual animal voc� gostaria de ser?

Na maior parte dela, t�nhamos um objetivo comum: ser uma criatura qualquer, desde que fosse perto do oceano. Ai, que saudades do mar


05/09/2021 04:00 - atualizado 05/09/2021 07:59

A pol�mica surgiu na sa�da do parque, ap�s ler os avisos sobre a exist�ncia de animais silvestres no lugar. Felizmente, a placa havia passado despercebida na entrada. Deixamos para tr�s serpentes, cotias e lobos (guar�). J� a salvo da companhia de animais silvestres, acomodados dentro do carro, a preocupa��o deu lugar � curiosidade. Se voc� tivesse nascido animal, qual deles gostaria de ser?

A discuss�o rendeu do Rola Mo�a at� em casa. O primeiro a se pronunciar foi o ca�ula. Sem pensar duas vezes, deu o seu palpite. Queria ser uma �gua-viva. Ele n�o chegou a explicar o motivo, mas certamente encantou-se pela transpar�ncia da criatura, que se move leve e fluida ao sabor das ondas do mar. E ainda tem nome de poesia.
 
J� eu tinha uma opini�o diferente. Primeiro, levei alguns segundos para me lembrar de qual era a forma desse ser aqu�tico. Troquei �gua-viva por coral, alga, ou algo parecido. Quase deixei escapar o caso da �gua-viva que queimou a minha perna em alto-mar. Era coisa antiga, da �poca em que ainda tir�vamos f�rias na praia, antes da pandemia.

Nem tive chance de expor o meu ponto de vista. Antes que eu pudesse abrir a boca, o adolescente colocou uma pedra no assunto, com um argumento incontest�vel. Segundo ele, seria uma verdadeira perda de tempo reencarnar como �gua-viva. “A �gua-viva n�o tem c�rebro. Qual o sentido de voc� querer morrer e voltar como �gua-viva, sabendo que voc� simplesmente n�o teria consci�ncia da sua exist�ncia? Basicamente, seria uma vida in�til.”

Dito isso, Eduardo manifestou a vontade de se transformar no peixe que mora dentro do pepino-do-mar (?). Tive medo de perguntar o motivo. Na verdade, fiquei sem saber o que dizer, nessa hip�tese e na outra. Cacoete de m�e, aproveitei a oportunidade para revisar o dado da rela��o de parasitismo existente entre as duas criaturas marinhas.

O tema evoluiu para a diferen�a entre comensalismo e mutualismo, levantando a bola para o filho mais novo, que estudava sobre isso na escola. Ele deu uma verdadeira aula sobre os tais processos biol�gicos. Comprovou ser falsa a insinua��o de que teria QI de ameba. O caso j� estava pacificado quando o pequeno anunciou a nova prefer�ncia: queria ser um baiacu.

Assim fica dif�cil de defend�-lo, pensei eu. Por que as crian�as da atualidade t�m de ser t�o complicadas? Na minha �poca, escolher�amos op��es mais �bvias. Ficaria feliz em ser uma pantera, uma borboleta ou no m�ximo um cisne negro ou pav�o. O que levaria algu�m a sonhar em ser um baiacu? “Mas eles s�o t�o fofinhos e inflam quando est�o com medo...”, explicou o menino.

Enfim, que seja feita a vossa vontade. Se o ca�ula renasceria um baiacu, o irm�o se sentiu no direito de se tornar um porco-espinho. Como assim?, suspirei. Por que motivo algu�m iria querer se transformar em um ouri�o? Minha viv�ncia com os ouri�os limitava-se a socorrer meu marido, que pisou em um deles enquanto andava nos arrecifes de Fortaleza.

Foi uma verdadeira aventura em alto-mar. Seguimos de barco at� os corais onde se formam piscinas naturais. Na mar� baixa, � poss�vel mergulhar com snorkel, �culos de mergulhador e p�s de pato. � maravilhoso ver cardumes inteiros de peixes, de diferentes tipos e tamanhos, incluindo as r�plicas do personagem Nemo.

De todas as pessoas da excurs�o, fui a �nica a visualizar uma tartaruga marinha, que passou raspando por mim embaixo d’�gua. Ao ouvir o emocionante relato, o mais novo mudou de ideia. Largou de lado o baiacu, que foi substitu�do pela tartaruga gigante do Projeto Tamar. Tem certeza disso? “Sim. A tartaruga � tranquila, mas tamb�m tem autodefesa e personalidade”, alegou.

Ent�o t�. Para evitar tomar partido, voltei ao caso anterior. Relembrei do “Dilema do ouri�o”, livro do pensador brasileiro Leandro Karnal, perfeito para mostrar a necessidade de adapta��o das pessoas ao confinamento social. Conta-se que, no inverno, os porcos-espinhos precisam estar perto uns dos outros para n�o morrerem congelados. Podem soltar farpas entre si, mas devem permanecer juntos para sobreviver ao frio, mantendo uma dist�ncia de seguran�a.

Quando j� estava orgulhosa da minha hist�ria edificante, levei uma alfinetada do jovem. “Voc� est� completamente errada”, criticou. E passou a dar as suas justificativas. Em primeiro lugar, a par�bola era do porco-espinho, e n�o do ouri�o. Em segundo lugar, desde o in�cio ele havia dito porco-espinho, e n�o ouri�o. Em terceiro lugar, ele jamais seria um ouri�o, que tamb�m n�o tem consci�ncia.

Em minha defesa, poderia ter dito que confundi “O dilema do porco-espinho” com “A eleg�ncia do ouri�o”, tamb�m um �timo livro. Mas quer saber? Desisto. Naquele momento, minha vontade era virar um gr�o de areia e sumir na imensid�o do litoral brasileiro.

Respirei fundo e sorri. Notei que, apesar dos pequenos desentendimentos e espetadas, ador�vamos bater um papo. Nossa conversa levou 17 quil�metros. E, na maior parte dela, t�nhamos um objetivo comum: ser uma criatura qualquer, desde que fosse perto do oceano. Ai, que saudades do mar.

Saiba mais sobre xamanismo no canal Ch� Com Leveza
*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente

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