
No in�cio do governo Bolsonaro, a maioria dos analistas j� previa a possibilidade de conflitos entre os n�cleos que compunham a ent�o nova administra��o federal. As denomina��es desses n�cleos variavam, mas sempre giravam em torno de tr�s: familiar/ideol�gico, militar e os liberais.
No in�cio de 2019, ningu�m sabia qual desses tr�s teria proemin�ncia ao longo dos quatro anos de mandato. Passados ano e meio de mandato – e depois de uma s�rie de idas e vindas – � poss�vel notar alguns padr�es na rela��o entre esses tr�s n�cleos e o presidente.
Em primeiro lugar, n�o resta a menor d�vida de que o n�cleo mais influente � mesmo o familiar. Bolsonaro n�o poupou esfor�os (inutilmente) para fazer do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) embaixador nos Estados Unidos. Ao que parece, mostrou igual afinco para proteger o senador Fl�vio Bolsonaro (Republicanos-RJ) contra as investidas da Pol�cia Federal, que apuram o esquema das chamadas rachadinhas. Por fim, n�o foram poucas as tentativas de barrar a Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito sobre as chamadas fake news, que mais cedo ou mais tarde chegar�o ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Quem partiu para o embate com esse n�cleo perdeu. O general Santos Cruz ocupava sala bem pr�xima ao gabinete presidencial e gozava de excelente tr�nsito com Bolsonaro. O her�i de guerra n�o foi p�reo para Carlos Bolsonaro no embate pelo comando da comunica��o do governo. Foi exatamente o mesmo destino do ex-ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica Sergio Moro, que insistiu na posi��o de independ�ncia da Pol�cia Federal, mesmo que isso significasse apura��es inconvenientes para Fl�vio Bolsonaro.
Em segundo lugar vem o n�cleo militar. Bolsonaro nunca escondeu o orgulho do passado de paraquedista nem a admira��o pelos parceiros de farda. Essa prefer�ncia fica materializada em seu minist�rio: nem mesmo na ditadura tantos militares ocuparam o primeiro escal�o do governo. S�o oito militares – entre tenentes, generais, almirante – respondendo diretamente ao presidente, em um total de 22 minist�rios. Ou seja, 36% de representa��o. Se forem considerados os segundos e terceiro escal�es da Esplanada, a presen�a dos militares aumenta ainda mais, j� que muitos foram alocados em cargos estrat�gicos em outros minist�rios.
Essa ala militar tentou em certas ocasi�es tutelar as a��es do presidente. Algumas vezes, foram bem-sucedidos, como nas diversas vezes em que atuaram como bombeiros em crises causadas por declara��es desastradas. Um exemplo foi a mudan�a de tom na crise da fronteira com a Venezuela. Mas o fato � que Bolsonaro n�o aceita ser subjugado por ningu�m, como o pr�prio general Heleno j� afirmou.
Por �ltimo – e n�o por acaso – est�o os liberais, que montaram seu bunker no Minist�rio da Economia sob a lideran�a do ministro Paulo Guedes. O grande feito desse n�cleo at� aqui foi a aprova��o da reforma da Previd�ncia. Mesmo que o m�rito precise ser divido com o Congresso Nacional, n�o deixa de ser um imenso legado.
De qualquer forma, n�o se v�, nem de longe, aos liberais o mesmo endosso que Bolsonaro prov� a sua fam�lia e aos militares. Quem mais defendeu a reforma da Previd�ncia foi Rodrigo Maia. A reforma administrativa mofou na mesa presidencial esperando o “momento certo’’ e nem a proposta do governo para a reforma tribut�ria saiu do Executivo. Fora isso, a prometida abertura comercial n�o ocorreu e nem as prometidas privatiza��es em massa sa�ram do papel.
Em resumo, nota-se o seguinte padr�o na rela��o entre esses grupos: o n�cleo familiar/ideol�gico tende a ganhar o embate com os militares e com os liberais. Militares tendem a vencer os liberais e perder para o familiar/ideol�gico. Os liberais tendem a perder tanto para os militares quanto para a fam�lia. Claro que isso � uma forma simplista de apresentar algo extremamente complexo, mas n�o deixa de ter bastante fundamenta��o na realidade.
Ainda existem ministros que mostraram senso de oportunidade para buscar guarita em um desses n�cleos, mesmo que para isso tivessem de alterar – alguns de forma dram�tica – suas vis�es de mundo. Um exemplo � Onyx Lorenzoni, que tratou de adotar postura bem mais conservadora para tentar entrar no grupo mais forte. Nota-se o mesmo movimento de Ernesto Ara�jo, que se tornou defensor das ideias de Olavo de Carvalho pouco antes de virar ministro das Rela��es Exteriores.
Atualmente, s�o tr�s os ministros que n�o podem ser classificados em nenhum desses grupos: a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM); o ministro do Desenvolvimento Regional, Rog�rio Marinho (PSDB), e o ministro da Sa�de, Nelson Teich.
Em comum, os dois primeiros t�m o excelente tr�nsito no Congresso Nacional. Tereza Cristina � apoiada pelos ruralistas, e Marinho tem no curr�culo a aprova��o da reforma trabalhista, bem como ter tido papel relevante para a aprova��o da reforma da Previd�ncia (ele ocupava o cargo de secret�rio da pasta na �poca da tramita��o da mat�ria).
Recentemente, Tereza Cristina teve uma amostra do que � o enfrentamento com o n�cleo familiar/ideol�gico. O motivo seria sua filia��o partid�ria – o DEM hoje � malvisto por esse n�cleo por ser o partido do presidente da C�mara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do ex-ministro da Sa�de Luiz Mandetta. Al�m disso, a ministra � defensora de uma rela��o pragm�tica com a China, principal consumidora do agroneg�cio brasileiro. A artilharia sobre a ministra s� perdeu for�a por causa da pandemia de COVID-19 e os desembarques barulhentos de Moro e de Mandetta do governo.
Rog�rio Marinho tamb�m teve seu embate com outro n�cleo, nesse caso, o econ�mico. Marinho teria sido a mente por tr�s do Plano Mais Brasil, que n�o contou com qualquer participa��o de Paulo Guedes e equipe. A apresenta��o do plano foi feita pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, mas a concep��o teria sido de Marinho. O resultado foi uma entrevista coletiva conjunta entre Guedes e Braga Netto, para mostrar como os dois n�cleos est�o harm�nicos. No entanto, ao que parece, Guedes n�o perdoou Marinho pela suposta trai��o.
Nelson Teich acabou de entrar no governo e j� teve de engolir um general como seu secret�rio executivo. Eduardo Pazuello foi ali locado com o intuito de controlar o novo ministro. O que menos Bolsonaro deseja agora � um novo Mandetta. Dessa forma, mesmo n�o sendo militar, Teich tem tudo para ser engolido por eles.
A novidade das �ltimas semanas � uma pretensa inten��o de Bolsonaro em ceder postos no governo para partidos do chamado Centr�o, para formar uma base aliada dentro do Congresso Nacional, em especial com a tese cada vez menos improv�vel de um processo de impeachment. A quest�o �: para que os pol�ticos entrem � necess�rio que algu�m ceda espa�o.
Esse ano e meio de governo explicitou uma rela��o quase sempre conflituosa entre os tr�s n�cleos que formam o governo. A entrada de pol�ticos, se confirmada, deve tornar esse equil�brio ainda mais dif�cil de ser alcan�ado.