postado em 07/05/2018 07:00 / atualizado em 04/05/2018 16:50
As modifica��es dos modos e costumes da capital podem, sem muita for�a��o de barra, tomar como norte o belo pr�dio do Autom�vel Clube, que resiste bravamente aos embates do tempo na Avenida Afonso Pena. Sua hist�ria � uma refer�ncia de todas as modifica��es que v�m se sucedendo no que j� foi conhecida como “tradicional fam�lia mineira” e atualmente se baseia mais nos valores banc�rios, �s vezes n�o t�o reais.
De uma certa forma, o c�digo de s�cios do clube era uma pauta da boa conduta. Mulheres desquitadas n�o eram aceitas, casais formados fora da lei n�o passavam por suas portas e o sacrossanto quarto andar s� podia ser frequentado por homens. Era onde funcionavam, sob t�nue disfarce, mesas de jogo em que fortunas mudavam de m�os e agendas de consulta m�dica eram substitu�das por rodadas de p�quer. Os man�acos chegavam ao cair da tarde e muitos s� se levantavam quando a claridade natural do dia aparecia atrav�s das janelas sempre fechadas. O fato era mais do que conhecido, segredo de Polichinelo.
Quando um grupo de diretores resolveu usar uma ala abandonada do pr�dio para o funcionamento de uma boate conhecida como Pr�ncipe de Gales, porque o nobre ingl�s passou pelo clube quando veio a Minas, estava criando tamb�m o que se transformou no segmento society da cidade. O pr�dio, cujo Sal�o Dourado em estilo franc�s servia para pacatas recep��es, transformou-se no endere�o privilegiado de tudo o que acontecia de importante por aqui.
Ali se realizavam as mais seletas e exclusivas recep��es da sociedade, se comemoravam casamentos, anivers�rios, bailes de carnaval e de r�veillon, era o point mais exclusivo da fam�lia mineira que come�ou a sair de casa para conviver socialmente com os amigos e conhecidos – que tivessem sobrenomes da mesma import�ncia, � claro. Na boate, que funcionava � meia luz nas noites de s�bado, as presen�as eram t�o constantes que as mesas eram sempre ocupadas pelos mesmos personagens. E por seu palco passavam os nomes mais importantes das artes internacionais – que haviam sumido da cidade desde que o Cassino da Pampulha foi fechado.
Ambiente seletos
Participar de qualquer acontecimento nos sal�es do AC era uma refer�ncia de prest�gio e identidade social – a periferia n�o passava nem na porta. Ajudava esse cartaz e esse prest�gio o fato de os seletos ambientes s� serem cedidos para festas de s�cios ou de pessoas especialmente referendadas pela diretoria. Muita gente sonhava em ter essa honra e prest�gio – mas a conta banc�ria n�o entrava em cogita��o.
Com a chegada da ditadura, a sociedade mudou – e o AC tamb�m. Os c�digos civis j� n�o eram mais importantes e esse reflexo repercutiu tamb�m na fam�lia mineira, onde casais formados fora do casamento passaram a ser recebidos da mesma forma que quaisquer outros. As mesas de jogo se transformaram em excurs�es tur�sticas, em outras cidades e at� pa�ses. As festas ganharam uma nova vers�o, onde o importante era sempre o n�mero de convidados. Quanto maiores as listas, mais importantes eram, porque o que contava n�o eram os amigos e as rela��es familiares.
Bailes no Autom�vel Clube, no Centro de Belo Horizonte, eram s�mbolo de glamour nos anos 1940 (foto: Arquivo EM)
O dinheiro novo que chegou criando uma nova estrutura social levou recep��es e comemora��es para outros sal�es al�m dos limites tradicionais da cidade. Quanto maior o sal�o, quanto mais era gasto na decora��o e no buf�, mais coment�rios provocavam, mais importantes seus anfitri�es eram considerados. Os nomes novos substitu�ram os sobrenomes tradicionais, que preferiram se recolher ao modelo antigo de receber amigos em pequenas e fechadas reuni�es.
Esse novo comportamento criou uma nova sociedade belo-horizontina, em que pontifica principalmente a nova gera��o, que criou seus valores que n�o t�m nada a ver com o que existia antes. A modernidade se reflete em todos os acontecimentos e o que vale � saber interpretar bem o que est� na moda – esquecendo, de prefer�ncia, os antigos conceitos. Em princ�pio, todos os preceitos que deviam ser seguidos pelos s�cios do clube mais fechado e mais tradicional da cidade foram jogados �s tra�as. � claro que a cidade n�o perdeu com isso – ficou mais f�cil viver, aparecer, comemorar.