Estado de Minas

Os caminhos que levam ao futuro da capital mineira

Em nove d�cadas, Vetor Norte foi da ocupa��o desordenada a v�lvula de escape para uma capital que tem avan�ado em dire��o a seus vizinhos


postado em 07/05/2018 07:00 / atualizado em 04/05/2018 17:09

Ainda bem menina, quando morava no Bairro Calafate, Oeste da capital, L�cia C�sar dos Santos acalentava o sonho de ser uma vers�o feminina de Monteiro Lobato (1882-1948), autor de S�tio do Pica-pau Amarelo e das aventuras de Pedrinho, Narizinho, da boneca Em�lia e companhia. Agora, aos 83 anos e vivendo em Venda Nova, ela gostaria mesmo de se tornar comentarista pol�tica, e confessa: “Se pol�tica fosse comida, queria com farinha”.


Bem-humorada, a matriarca de cinco filhas, cinco netos e cinco bisnetos sempre reservou um tempo para se dedicar � cultura e a observar a cidade onde nasceu. Transformou-se assim em uma das testemunhas dessa hist�ria. “BH cresceu muito nas �ltimas d�cadas. Ao me casar, aos 17 anos, e vir para Venda Nova, o sil�ncio era tanto que dava para ouvir baratas passeando.

”Orgulhosa de ter conhecido o beato Padre Eust�quio (1902-1943) e “beijado” a m�o do ent�o prefeito da capital, Juscelino Kubitschek (1902-1976), a leitora voraz de jornais destaca a abertura da Avenida Ant�nio Carlos, da Lagoinha � Pampulha, como obra p�blica da gest�o JK que abriu os horizontes de BH rumo ao Norte – tend�ncia de crescimento que, agregada atualmente a outras regi�es e munic�pios, ganhou o nome de Vetor Norte – e come�ou a levar desenvolvimento e povoamento a uma �rea na �poca quase in�spita.

“O progresso traz o bem e o mal. Houve crescimento descontrolado unindo a regi�o metropolitana e a��es mal planejadas causadoras de problemas urbanos”, avalia a senhora, que mant�m o costume antigo da regi�o, de chamar o Centro da capital de “Belo Horizonte”, como se fosse outra cidade.


Na pr�tica, as observa��es de L�cia fazem todo sentido dentro da realidade atestada por urbanistas e gestores: BH, com seus 330,9 quil�metros quadrados, n�o tem mais para onde crescer. Essa situa��o, por sinal, j� era evidente para Kubitschek, prefeito entre 1940 e 1945, tendo em vista a barreira natural, nas regi�es Sul e Leste, criada pela Serra do Curral. “Realmente, os espa�os foram ocupados. Antes, isso ocorreu dentro dos limites da Avenida do Contorno e, depois, em todo o per�metro urbano”, diz a presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil/Minas Gerais (IAB/MG), Rose Guedes.

Mudan�as acompanhadas pelo Estado de Minas durante seus 90 anos de circula��o, completados em 7 de mar�o, como mostra a foto no alto desta p�gina.

Centralidades s�o tend�ncia

Representante do IAB/MG no Conselho Deliberativo de Desenvolvimento da Regi�o Metropolitana de BH, o arquiteto e urbanista Jos� Ab�lio Belo Pereira explica que Juscelino, “homem vision�rio”, j� pensava na duplica��o da Ant�nio Carlos, o que s� ocorreu em meados da d�cada passada. No s�culo 21, acrescenta, os gestores p�blicos buscam novas “centralidades” ou n�cleos para investimento, gera��o de renda e moradia, servidas por sistema vi�rio.

 

(foto: Arte de Soraia Piva)
(foto: Arte de Soraia Piva)

Se agora o Vetor Norte � a bola da vez, projetos dirigidos j� contemplaram outras regi�es, em meados do s�culo passado, come�ando pelo trecho pr�ximo ao munic�pio vizinho de Contagem, no chamado eixo Oeste-Centro-Leste. O conselheiro destaca que, ao longo do tempo, todo o sistema vi�rio convergiu para a Regi�o Central, o que foi “quebrado” com o Plano Metropolitano, a fim de melhorar a mobilidade.

Ressaltando que na Grande BH h� cerca de 5 milh�es de habitantes, com metade na vizinhan�a da capital, ele faz quest�o de lembrar que, dos 34 munic�pios, 20 t�m trilhos de trens. “Se houvesse vontade pol�tica, esse potencial poderia ser aproveitado no transporte p�blico, com benef�cio para cerca de 4 milh�es de passageiros.”

Diretora-geral da Ag�ncia de Desenvolvimento da Regi�o Metropolitana de BH (bra�o executivo do Conselho Deliberativo Metropolitano), a engenheira Fl�via Mour�o refor�a a constata��o sobre o esgotamento do territ�rio da capital “N�o h�, em BH, terreno para grandes empreendimentos, �reas para receber investimentos p�blicos”, observa, reiterando que a alternativa est� nas novas centralidades.

Lúcia César dos Santos, de 83 anos, moradora de Venda Nova desde os 17, diz que quando se mudou ficou surpresa com o silêncio da região(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
L�cia C�sar dos Santos, de 83 anos, moradora de Venda Nova desde os 17, diz que quando se mudou ficou surpresa com o sil�ncio da regi�o (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Diante desse quadro, garante n�o ser mais poss�vel pensar apenas nos problemas urbanos belo-horizontinos, como mobilidade e habita��o, al�m do desenvolvimento econ�mico, sem levar em considera��o a regi�o metropolitana em sua totalidade. A hist�ria por tr�s da ‘marcha para o Norte’ Para entender melhor toda a hist�ria, � preciso voltar � d�cada de 1940, quando, devido � maior oferta de terras ao Norte da capital e aos pre�os acess�veis das �reas, criou-se uma atra��o para grande n�mero de moradores, em especial a camada mais pobre da popula��o.

A especula��o imobili�ria explodiria 30 anos depois, tanto que o distrito de Justin�polis, em Ribeir�o das Neves, hoje com 103 bairros e cerca de 190 mil habitantes, elevou o munic�pio ao patamar daquele com o maior crescimento demogr�fico do Brasil na d�cada de 1970. Com o deslocamento da popula��o mais pobre, o n�mero de habitantes explodiu em cidades vizinhas como Santa Luzia, Sabar�, Vespasiano e Contagem. Na d�cada de 1960, o chamado eixo Oeste-Centro-Leste recebeu maiores investimento p�blicos, tanto que a �nica linha do metr� contemplou o trecho Eldorado (Contagem)-Vilarinho (Venda Nova).

Expans�o rumo ao Norte

J� nos anos 2000, favorecidos pela Linha Verde, que liga a Avenida Cristiano Machado, em BH, ao aeroporto internacional de Confins, houve novos tipos de loteamentos, com oferta para pessoas de maior poder aquisitivo, em Lagoa Santa e Jaboticatubas. Fl�via Mour�o explica que a duplica��o da Avenida Ant�nio Carlos foi outro fator importante para o Vetor Norte. “Para a regi�o foram pensados empreendimentos que n�o causassem polui��o, como ocorreu no in�cio da industrializa��o de Contagem.”


Ressaltando que a Associa��o dos Desenvolvedores do Vetor Norte (AVNorte) � “apartid�ria”, o diretor-executivo da entidade, empres�rio Astrid Dias, explica que a regi�o (composta, neste grupo espec�fico, por 12 munic�pios, incluindo Belo Horizonte, a partir de Venda Nova), � estrat�gica para Minas, principalmente por abrigar o aeroporto internacional, em Confins.

A Avenida Antônio Carlos vista na década de 1960: visionário, o ex-prefeito Juscelino Kubitschek já previa a necessidade de duplicação (foto: Arquivo EM)
A Avenida Ant�nio Carlos vista na d�cada de 1960: vision�rio, o ex-prefeito Juscelino Kubitschek j� previa a necessidade de duplica��o (foto: Arquivo EM)

“Ele � o principal aparelho para o desenvolvimento e exporta��es”, afirma. Na avalia��o do diretor-executivo, o Vetor Norte oferece “terra e oportunidade” para quem quiser investir, tanto recursos p�blicos quanto privados. Para ele, nesse conceito de desenvolvimento, que cria �reas nas quais as pessoas podem “morar, trabalhar e se divertir”, s�o fundamentais dois pilares: uso de tecnologia e educa��o. Vale voltar, portanto, � conversa com L�cia C�sar dos Santos, a moradora de Venda Nova, testemunha de muitas d�cadas na regi�o. “Um dia, na d�cada de 1950, voltando de Belo Horizonte (do Centro da capital) para casa, passei e vi uma placa anunciando a futura constru��o do c�mpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Hoje � aquela imensid�o, j� � o futuro. E fico feliz em dizer que uma das minhas filhas, agora com 62 anos, se formou em belas-artes e em hist�ria l�”, diz a ex-agitadora cultural, que se declara “apaixonada por Venda Nova” e continua de olho em tudo o que acontece. Em BH e no mundo.


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