
As lavouras da principal regi�o produtora de caf� do Brasil estavam lindas. Vistosas e prontas para a colheita. As previs�es de safra alta, dentro do ciclo de bienalidade da cultura, seguiam inalteradas. Mas o tempo fechou e os resultados agora j� n�o ser�o t�o bons quanto o esperado. As chuvas que atingiram Minas Gerais nas duas �ltimas semanas pegaram os cafeicultores de cal�as curtas. Agora, a expectativa � de que a colheita de 49,66 milh�es de sacas, de acordo com o �ltimo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), seja atingida, mas com uma qualidade inferior. Muito gr�o caiu do p�, o que compromete o trabalho feito nos �ltimos meses, principalmente daqueles focados no mercado do produto especial. Agora � torcer para que o frio n�o aumente e que geadas n�o atinjam as planta��es, o que tamb�m representa risco de perdas para aqueles que sobrevivem do caf�. De toda forma, os custos j� est�o mais altos para as ind�strias e a expectativa � de aumentos de at� 12% no pre�o do p� de caf� vendido para o consumidor. O c�lculo � feito pelo presidente da Associa��o Brasileira da Ind�stria de Caf� (Abic), Nathan Herszkowic. “Temos um conjunto de fatores altistas que devem resultar no repasse”, afirma.


“A chuva chegou na hora errada. Atrapalhou o in�cio da colheita”, explica Breno Mesquita, presidente das comiss�es de caf� da Federa��o da Agricultura e Pecu�ria do Estado de Minas Gerais (Faemg) e da Confedera��o da Agricultura e Pecu�ria do Brasil (CNA), que � produtor do gr�o em Tr�s Pontas, no Sul de Minas. “Ela transformou os resultados em uma inc�gnita. A safra ser� boa. Mas a qualidade, que seria excepcional, corre o risco de n�o ficar como gostar�amos”, acrescenta. O conselheiro da Cooperativa de Cafeicultores da Zona de Varginha (Minasul), Osvaldo Henrique Paiva Ribeiro, refor�a: “o mercado atual � definido pelo fator clim�tico”. Para ele, a chuva passou e a tend�ncia � de que a colheita volte ao seu ritmo.
Como as chuvas passaram, o temor dos cafeicultores agora � relacionado ao frio. O clima pesa tanto no neg�cio do caf� que os pre�os da saca de 60 quilos apresentaram alta na �ltima semana. O ar�bica, destaque de Minas, passou da m�dia de R$ 500 para cerca de R$ 520, na quinta-feira. “Se gear, o pre�o aumenta ainda mais”, observa Paiva Ribeiro.
Na opini�o de Mesquita, as chuvas j� acabaram jogando por terra um esfor�o que tem sido grande entre os cafeicultores mineiros, que � o da busca pela qualidade, que garante uma valoriza��o extra para as sacas. A t�nica atual � a da persegui��o por pontua��es que representem ganhos de 10%, 30% e at� acima de 50% frente ao valor pago pelo gr�o verde negociado como commodity. No Esp�rito Santo, em que o forte � a produ��o do conilon, o problema deste ano foi a seca, que vai gerar quebra na safra, segundo as �ltimas previs�es da Conab.
O presidente do grupo Montesanto Tavares, com fazendas cafeeiras em v�rios munic�pios mineiros, Ricardo Tavares, tem focado na venda de gr�os especiais para o exterior. Mas ele agora est� apreensivo: “estou preocupado com a qualidade”. Ele observa que o caf� a ser colhido nesta safra seria “excelente”. “Mas chuvas dessas estragam o neg�cio todo”, afirma. Atualmente, as fazendas do grupo produzem cerca de 90 mil sacas anualmente. A quantidade deve se manter, mas ele ainda n�o consegue mensurar as perdas que vai ter em decorr�ncia da quebra da qualidade dos gr�os. Se atingem as melhores pontua��es, ele consegue ganhos entre 40% e 80% acima do valor normal das sacas comercializadas no mercado interno.
Para garantir a qualidade dos gr�os e, consequentemente, ganhos maiores por saca, al�m de escolherem as melhores cultivares para o plantio, os produtores est�o caprichando na p�s-colheita. Muitas vezes � da� que sai o caf� “diferenciado” demandado pelo mercado. O pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecu�ria do Estado de Minas Gerais (Epamig), Gladyston Carvalho, observa que muitos produtores est�o apostando no cereja descascado. Com a chuva, muito gr�o que poderia ser colhido como cereja passou do ponto. E a� est� um dos fatores que pode representar perdas para o produtor. Como a oferta desse tipo de gr�o especial deve cair, a expectativa, no entanto, � de pre�os melhores. De toda forma, j� frustra o cafeicultor, que passou os �ltimos meses caprichando no manejo.
Carmem L�cia Chaves de Brito, cafeicultora da Fazenda Caxambu, de Tr�s Pontas, no Sul de Minas, lamenta as chuvas do in�cio da colheita. E n�o s� elas. Em setembro do ano passado, suas lavouras foram atingidas por granizo. Por isso, sua safra, que foi de 8,6 mil sacas em 2015, deve ficar pr�xima das 5 mil sacas. Como trabalha com gr�os especiais, que vende para clientes exclusivos, ela calcula uma perda da ordem de 10% nas �ltimas duas semanas. “Ainda estamos identificando os problemas. Mas � certo que o caf� que cai no ch�o fica enterrado e tem perdas na qualidade. Chuva em excesso complica a vida de quem trabalha com o gr�o especial”. Ela negocia o gr�o in natura, mas faz algumas edi��es especiais de p� de caf� para um cliente espec�fico do Rio de Janeiro. Para garantir a qualidade, trabalha com a coleta seletiva. “Persigo o gr�o maduro”, diz. E s�o eles que d�o o tom da valoriza��o da sua produ��o. “Os clientes est�o �vidos por ele”, diz, completando que o mercado de caf�s especiais cresce at� 15% ao ano.
PROCESSAMENTO Outra tend�ncia do momento � o beneficiamento do caf� nas pr�prias fazendas, de forma artesanal. S�o produtores que est�o investindo do plantio ao p� para conseguir agregar ainda mais valor aos gr�os colhidos. “H� muitos nesta linha de fechar o ciclo completo”, afirma Mesquita. Mas ele garante que � imposs�vel mensurar o volume de cafeicultores que est�o seguindo esta tend�ncia. “N�o � f�cil. Tem que ter dinheiro e cliente.” No pa�s, segundo ele, h� cerca de 280 mil cafeicultores.
Gladyston Carvalho confirma que h� uma tend�ncia crescente do processamento artesanal dos gr�os nas fazendas. “Mas tem que ter capital”, observa. Ele explica que quando o gr�o � torrado e mo�do a saca de 60kg passa a ter 45kg. No entanto, deixa de ser vendida por cerca de R$ 500 para ser negociada por R$ 900 ou mais. “Agrega valor, mas h� outros custos envolvidos”, lembra.
O diretor comercial da Villa Caf�, Rafael de Oliveira Duarte, conta que a empresa � um exemplo de neg�cio que trabalha o gr�o do plantio � x�cara, chegando � exporta��o direta. A produ��o nas fazendas Santa Helena e Dom Bosco, em Carmo da Cachoeira, no Sul de Minas, j� tem mais de 200 anos. Mas a evolu��o � recente: teve in�cio em 2007. Hoje, o cuidado com as lavouras que produzem cerca de 4 mil sacas por ano fica sob a responsabilidade da m�e de Rafael, Gerusa de Oliveira. Sua irm�, a barista R�bia, garante a qualidade. E ele trata das quest�es comerciais. Com o processamento dos gr�os em todas as suas etapas, o executivo afirma que o ganho por saca chega a quintuplicar. “Mas passamos a ter outros custos tamb�m”, observa.
Rafael Duarte afirma que vale muito a pena trabalhar do plantio ao p�. “Mas depende da capacidade de investimento e dos cuidados na execu��o”, observa. Segundo ele, o mercado do produto especial cresce acima de 10% ao ano, sendo que o de c�psulas chega a ter uma alta de 30% anual. Os produtos Villa Caf� hoje est�o em cafeterias (para as quais h� um projeto de franquia) e at� em uma Bike Caf�, que desde janeiro circula em eventos fechados de Belo Horizonte. Em 2014, eles come�aram a exportar. Hoje, j� vendem para os Estados Unidos, M�xico, �frica do Sul e outros pa�ses do Oriente M�dio.
Nathan Herszkowic, da Abic, confirma que h� um movimento crescente de produ��o artesanal de caf� em p� e em gr�os torrados, nas fazendas. Mas como esses pequenos beneficiadores n�o s�o associados da Abic, n�o � poss�vel mensurar quantos j� h� no mercado. Ele tamb�m pondera que esses produtores n�o concorrem de forma expressiva com as grandes ind�strias: “exploram nichos de qualidade e vendem em suas pr�prias localidades. Vendem para seus vizinhos, mas com diferencial”.
Como a Abic tem interesse na expans�o do mercado, os artesanais ainda n�o incomodam os gigantes. Neste ano, a expectativa � de que o consumo de caf� no pa�s cres�a entre 1,5% e 2%.