Constru��o de pequenas barragens para armazenar enxurrada no per�odo chuvoso vem sendo usada como forma de combater os efeitos da estiagem prolongada em regi�es �ridas do pa�s
postado em 23/12/2019 04:00 / atualizado em 23/12/2019 11:20
O engenheiro-agr�nomo e pesquisador da Embrapa idealizou sistema de aproveitamento de �gua da chuva h� mais de 30 anos (foto: Mario Luiz Teodoro/divulga��o)
O planeta Terra � composto por 70% de �gua, mas somente 2,5% dessa por��o � �gua doce, com a maior parte situada nos polos, indispon�vel para o consumo imediato. O Brasil concentra 12% da �gua doce superficial do mundo. No entanto, n�o d� para falar em fartura. Pelo contr�rio, por conta das mudan�as clim�ticas e das diversas formas de degrada��o ambiental, o recurso � cada vez mais escasso, agravando a crise h�drica. O problema � mais s�rio em regi�es semi�ridas, como no Nordeste. Nesse contexto, as a��es que objetivam a prote��o das nascentes e da �gua tornam-se de grande relev�ncia n�o somente para a vida, mas tamb�m para manter a produ��o agr�cola – assim como para outros setores da economia.
O Estado de Minas come�a a publicar uma s�rie de reportagens sobre as estrat�gias voltadas para a conserva��o e o uso racional da �gua e para a sustentabilidade ambiental. Uma das iniciativas de grande impacto para democratiza��o do acesso ao recurso h�drico no semi�rido � o sistema de barraginhas de �gua da chuva, a baixo custo, experi�ncia que surgiu no Norte de Minas e foi difundida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu�ria (Embrapa), se multiplicando no territ�rio mineiro e no pa�s.
Os reservat�rios servem para conten��o de �gua da chuva, fazendo com que a �gua infiltre no subsolo e recarregue o len�ol fre�tico, impedindo a eros�o. Assim, tornaram-se um grande instrumento de recupera��o ambiental e das fontes h�dricas, auxiliando o pequeno produtor a se manter na atividade e a conviver com a seca. O projeto tem como idealizador e coordenador o engenheiro-agr�nomo e pesquisador Luciano Cordoval de Barros, da unidade da Embrapa Milho e Sorgo de Sete Lagoas. Segundo ele, j� foram constru�das em todo pa�s pelo menos 600 mil barraginhas, a metade delas em Minas Gerais. O sistema se expande para al�m do semi�rido e j� chegou a 15 estados.
O projeto come�ou a ser desenvolvido pela Embrapa h� 24 anos, quando foram constru�das as primeiras 28 barraginhas. No entanto, o pesquisador Luciano Cordoval relata que come�ou a trabalhar a ideia h� quase 37 anos, em 1982, no munic�pio de Jana�ba, no Norte do estado, castigado historicamente pelo clima semi�rido. “Eu peguei o gosto e paix�o pelo semi�rido. Vendo o sofrimento imposto pela seca, eu fui idealizando as coisas, tentando alguma solu��o para o semi�rido. Um dia, vi a natureza fazendo uma barraginha ao longo de uma enxurrada. Por conta do assoreamento, formou-se uma barraginha. Dias depois, no lugar, ao redor da lama, estava tudo verdinho, parecendo um canteiro. A partir da�, comecei a fazer os primeiros desenhos das barraginhas”, relata.
O pesquisador informa que a tecnologia foi “fincada” no semi�rido mesmo em 2001, quando foi implantada no Vale do Jequitinhonha, come�ando pelo munic�pio de Minas Novas, onde foram constru�das 3 mil barraginhas em 47 comunidades. A partir da�, o projeto se estendeu para outros munic�pios do semi�rido mineiro (que abrange o Jequitinhonha e o Norte do estado).
Em 2005, numa a��o da Funda��o Banco do Brasil (FBB), o modelo de “segurar a �gua da chuva” foi levado para o Nordeste, sendo incrementado no Piau� e no Cear�. Em seguida, a experi�ncia foi bem-sucedida tamb�m no Esp�rito Santo e no Tocantins. Hoje, informa Cordoval, o projeto j� alcan�ou 15 unidades da Federa��o, amenizando o problema da seca em outros estados nordestinos como Bahia, Para�ba e Sergipe. Em fun��o dos resultados, o sistema se expandiu para as regi�es Norte (Par�), Centro-Oeste (Goi�s, Distrito Federal e Mato Grosso), Sudeste (S�o Paulo) e Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina).
Alternativa
O pesquisador Luciano Cordoval destaca que a constru��o das barraginhas tem sido a alternativa para segurar a �gua da chuva no semi�rido, onde a esta��o chuvosa, al�m de ser menor, � irregular. “O semi�rido tem a caracter�stica de chover tudo de uma vez. No in�cio do per�odo chuvoso chove bastante. Depois, passa dois ou tr�s meses sem chuva. A�, morre tudo que o pessoal plantou”, descreve.
Nesse contexto, relata Cordoval, “o sistema de barraginhas aproveita de forma eficiente a �gua das chuvas irregulares e intensas, permitindo que a �gua se infiltre no solo, recarregando o len�ol fre�tico. Quanto mais r�pido a �gua se infiltrar no solo, mais eficiente ser� a barraginha. Assim, ela estar� apta a receber as �guas das pr�ximas chuvas e seguramente durante todo o ciclo chuvoso”, explica o engenheiro-agr�nomo, ressaltando ainda que a infiltra��o subterr�nea impede a evapora��o.
Ele salienta que com a implanta��o dos reservat�rios, as fam�lias se tornam verdadeiras guardi�s das �guas. Destaca que, ao recarregar o len�ol fre�tico, “as barraginhas v�o recuperar os mananciais, que s�o os mantenedouros das nascentes, garantindo a revitaliza��o dos c�rregos e rios”.
Cordoval destaca que, al�m do efeito ambiental, o sistema gera bons resultados para a agricultura, contribuindo para a melhoria de vida no campo. “A �gua da chuva que � retida umedecer� o entorno das barraginhas, o que propicia a implanta��o de lavouras. As pastagens ao redor das barraginhas desenvolvem-se mais rapidamente. Al�m disso, a �gua que infiltra no solo vai avan�ando de maneira subterr�nea, umedecendo as baixadas, onde s�o criadas condi��es para a agricultura. A�, ser�o produzidos alimentos e haver� melhoria no sustento das fam�lias.Vai melhorar a renda local e regional. Essas vantagens s�o refletidas nas feiras e no com�rcio, com maior satisfa��o das fam�lias”, descreve.
Cordoval assegura que a tecnologia combate o �xodo rural. “Com a constru��o de v�rias barraginhas em uma propriedade, surge a “cultura de colher �gua da chuva. Assim, as lavouras n�o v�o perder no veranico. As fam�lias ficar�o mais motivadas e, al�m de proteger o solo, poder�o permanecer em seus locais de origem, esquecendo o �xodo rural”, comenta. “Existindo a agricultura e a produ��o, cria-se a sustentabilidade da propriedade e da fam�lia. Isso gera dignidade e a cidadania no campo.”
Baixo custo
Al�m do ganho ambiental, uma das grandes vantagens das barraginhas de conten��o de �gua � o baixo custo. O engenheiro-agr�nomo Luciano Cordoval ressalta que s�o constru�dos barramentos em grotas, as menores com capacidade para 100 mil litros (oito metros quadrados de raio) e as maiores – para enxurradas fortes”, com capacidade de 200 mil litros (16 metros quadrados).
O pesquisador da Embrapa informa que a barraginha de 100 mil litros – “no formado de meia-lua, meio queijo ou arco”– � feita com cerca de duas a tr�s horas (o tempo varia de acordo com as condi��es do solo) de m�quina retroescavadeira, custando aproximadamente R$ 300 (R$ 120 o pre�o da hora trabalhada, em m�dia). O reservat�rio com capacidade para armazenar 200 mil litros custa cerca de R$ 600.
Sistem�tica muito simples
Luciano Cordoval de Barros
Pesquisador e engenheiro-agron�mo da Embrapa
Nos dias de hoje, esse desenho ao lado simboliza bem a mensagem das barraginhas coletoras de �gua das chuvas. Imaginem a fazendinha como uma �rvore ca�da sobre ela, tombada pelos ventos, tendo suas partes altas, medianas e baixadas e imaginando que essa �rvore est� ca�da na propriedade, o tronco dessa �rvore representaria uma grota seca, os galhos de sua copa simbolizariam as enxurradas. Assim, toda chuva ca�da no ter�o m�dio e alto escorreria pelos galhos.
Construindo-se pelo menos uma barraginha por galho, estar�amos matando/domando essas enxurradas, que ao filtrar criariam esses halos/ondas subterr�neas, simbolizando o avan�o da infiltra��o horizontal, al�m, � l�gico, da infiltra��o vertical. Cada barraginha ao se encher e filtrar formaria um halo; j� no segundo enchimento e esvaziamento, formaria o segundo halo/onda, e nos oitavo e d�cimo enchimentos completaria esses halos maiores, como uma onda subterr�nea, afastando do centro de cada barraginha.
E quando todos esses halos se encontrarem, criariam um enorme halo, uma enorme lagoa subterr�nea, o que chamamos len�ol fre�tico, manancial que � uma reserva para a revitaliza��o dos c�rregos e rios. Antes de chegar ao c�rrego, escoar gravitacionalmente, passando pela parte baixa verde/azulada, umedecendo-a, criando condi��es favor�veis para a agricultura! Mesmo nas partes m�dia e alta, os umedecimentos localizados de cada barraginha criar�o uma condi��o especial �mida nas pastagens, nos pomares, nos cap�es de mato, em tudo que estiver estabelecido nessas duas partes mais altas. Principalmente as planta��es de sistema radicular maior!
�s margens do lago formado pela conten��o da enxurrada � poss�vel plantar sem sofrer os efeitos da estiagem (foto: Wagner Tavares/Divulga��o)
Ganhos ambientais e feitos pr�ticos
Iniciativas como a constru��o de barraginhas devem ser incentivadas e multiplicadas por aumentar a oferta de �gua e garantir o equil�brio ambiental, afirma o professor Fl�vio Pimenta, do Instituto de Ci�ncias Agr�rias (ICA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Montes Claros. “As barraginhas s�o reservat�rios para guardar a �gua da chuva. Elas t�m o objetivo de segurar a �gua superficial e permitir que essa �gua se infiltre no solo, contribuindo para a revitaliza��o das bacias hidrogr�ficas”, afirma o professor da UFMG.
“J� foi comprovado que a tecnologia tem um resultado muito positivo para o meio ambiente, criando uma rela��o entre �gua, solo, clima e planta, pois permite que a �gua da chuva se infiltre no subsolo, recarregando os aqu�feros fre�ticos e promovendo no entorno das barraginhas uma condi��o prop�cia para o desenvolvimento da fauna e da flora”, assegura Pimenta, doutor em engenharia ambiental.
Ele salienta que, junto com as pequenas barragens, devem ser implementadas outras a��es para melhorar a vida no semi�rido. “Al�m das barraginhas, devem ser feitas outras medidas mitigadoras, como terra�os, cercamento de nascentes, recupera��o de estradas e o plantio de matas ciliares, que contribuem para a preserva��o do recurso �gua”.
O gerente regional da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Ricardo Demichelli, informa que j� foram constru�dos entre 40 mil e 50 mil pequenos barramentos para conten��o da �gua de chuva na regi�o, com ga- nhos para a natureza e para os pequenos agricultores. “As barraginhas feitas no Norte de Minas t�m contribu�do muito para a recupera��o das sub-bacias. Elas t�m muito efeito nas propriedades. As microbacias servem para abastecer as bacias maiores. J� temos exemplo de comunidades abastecidas por esse processo de conserva��o de �gua da chuva. Trata-se de uma tecnologia que foi bem assimilada pelo pequeno produtor”, observa Demichelli.
Para o gerente regional da Emater-MG, os pequenos agricultores est�o mais conscientes sobre a necessidade da prote��o ambiental. “Estamos avan�ando. Hoje, vimos v�rios produtores que est�o fazendo terra�os em suas �reas e construindo barraginhas de conten��o de �gua da chuva, al�m de cuidar mais da prote��o de nascentes e de matas ciliares. Eles tamb�m adotam zelo na quest�o da cobertura ambiental e m�todos de plantio adequados. � indispens�vel que cada um fa�a a sua parte”, avalia o t�cnico.