
S�o Jo�o da Ponte – Os pequenos produtores da localidade de Jo�o Moreira, no munic�pio de S�o Jo�o da Ponte, no Norte de Minas, j� tiveram muita �gua e hoje enfrentam a car�ncia do recurso. Uma das mais antigas moradoras do lugar, testemunha dos “bons tempos”, a aposentada Avangelina Soares Aquino, de 81 anos, teme o pior: “Se a �gua acabar, como n�s faz (sic)? Vai morrer tudo. Eu rezo: Oh, Deus, tem d� da gente”. Mas os moradores est�o agindo com as pr�prias m�os para ter a fartura h�drica de volta. Eles querem recuperar as nascentes do c�rrego que d� nome ao local, que era perene e caudaloso, por�m, foi minguando at� secar completamente h� cerca de 15 anos. Na terceira parte da s�rie de reportagens sobre as estrat�gias voltadas para conserva��o e uso racional da �gua e sustentabilidade ambiental, o Estado de Minas mostra como est� sendo feito esse esfor�o em S�o Jo�o da Ponte, onde foi o implantado o Projeto Meu Rio, coordenado pela organiza��o n�o-governamental Instituto Grande Sert�o (IGS), sediada em Montes Claros.
O trabalho para que o c�rrego Jo�o Moreira seja "ressuscitado" foi iniciado em junho de 2019 para atender cerca de 100 fam�lias de pequenos produtores, ao custo de R$ 650 mil viabilizados por uma multinacional chinesa como contrapartida socioambiental de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES). As a��es incluem plantio de mudas para recupera��o de topos de morro e de matas ciliares, conten��o de processos erosivos, constru��o de barraginhas e desassoreamento do leito do c�rrego e sua nascente. Tamb�m foi iniciado trabalho de educa��o ambiental da comunidade por meio da realiza��o de oficinas.
Conforme o cronograma, as a��es dever�o ser conclu�das at� outubro deste ano, segundo a coordenadora geral do projeto, Vanessa Veloso Barbosa, ressaltando a import�ncia das capacita��es para garantir a sustentabilidade dos pequenos agricultores, como os cursos de apicultura e de artesanato. “A conviv�ncia com a seca � poss�vel. A chuva do semi�rido � concentrada. � preciso adotar estrat�gias para que a comunidade possa superar os per�odos de estiagem”, observa.
J� o diretor do Instituto Grande Sert�o, Eduardo Gomes, ressalta que a entidade tem metas audaciosas com a iniciativa no munic�pio do semi�rido mineiro. “A nossa ideia � a montagem de projeto-piloto, que vai se transformar em projeto escolar”, afirma, ressaltando que o objetivo � dar �nfase � sustentabilidade, ao manejo de solo, � recupera��o e conserva��o dos recursos h�dricos, “com a comunidade extremamente envolvida”.

Ele explica que a constru��o das barraginhas de conten��o de �gua da chuva � uma das principais estrat�gias para o “retorno” do c�rrego, que faz parte da sub-bacia do Rio Arapuim, que des�gua no Rio Verde Grande, um dos principais afluentes da margem direita do Rio S�o Francisco. “As barraginhas cumprem as fun��es de conter o processo erosivo e acumular �gua. Al�m disso, fazem com que �gua da chuva infiltre no solo”, enfatiza. O ambientalista lembra que o c�rrego Jo�o Moreira foi degradado durante d�cadas com pr�ticas erradas dos pr�prios pequenos produtores.
“Houve degrada��o ambiental com o mau uso do solo, processos erosivos cont�nuos e desmates e queimadas. O nosso objetivo primeiro aqui � conter os processos erosivos, a partir das barraginhas e do trabalho de recupera��o de solo, com o terraceamento e melhoria das condi��es das estradas”, afirma Gomes. “A gente plantava de qualquer jeito, sem cuidado com a conserva��o do solo. Acabamos assoreando as nascentes. Agora, queremos fazer o certo”, assegura a agricultora Cleuza de Jesus Aguiar Silva.
Expectativas
Devido ao secamento do c�rrego, os moradores de Jo�o Moreira recorrem a po�os tubulares. A partir das interven��es do projeto Meu Rio, eles est�o na expectativa de que a �gua superficial retorne e que n�o fiquem mais na depend�ncia do len�ol fre�tico, cujos reservat�rios s�o cada vez mais reduzidos na regi�o, devido � sua grande explora��o. “Todos aqui est�o engajados no projeto para a gente conseguir revitalizar as nascentes e que, no futuro, a gente possa ver a �gua correr no rio (c�rrego) como era antigamente”, acredita o presidente da Associa��o dos Pequenos Produtores da Comunidade de Jo�o Moreira, Adilson Pereira de Souza. “A �gua � um elemento fundamental para todo ser vivo. Estamos vivendo um momento dif�cil e preocupamos com as crian�as que est�o nascendo hoje. A gente n�o sabe o que est� esperando por elas no futuro”, observa o l�der comunit�rio. A moradora Regina Gon�alves de Souza, de 46, conta que j� lavou roupa e vasilhas no Jo�o Moreira. “Eu sonho com o retorno da �gua. Sempre tenho a esperan�a de que o c�rrego vai voltar a correr”, conta Regina.
Envolvimento da popula��o
“Quem sabe faz a hora, n�o espera acontecer”. Um dos pontos altos do Projeto Meu Rio � o envolvimento da comunidade, que participa diretamente das a��es. “Podemos dizer que os moradores s�o a pe�a-chave desse projeto, que depende da participa��o das pessoas”, ressalta o t�cnico Alex Sandro Santa Rosa, mobilizador social da iniciativa em S�o Jo�o da Ponte. “Tudo aqui passa pela participa��o comunit�ria. � um trabalho volunt�rio, cada um oferece um pouco do seu tempo”, afirma Alex Sandro. Entre outras atividades dos moradores, ele cita o trabalho deles na manuten��o de um viveiro de mudas e na abertura de buracos para o plantio das �rvores em �rea de matas ciliares e de topos de morro.

O viveiro de mudas foi implantado a partir de parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF) para produzir 30 mil mudas de esp�cies nativas e de frut�feras. Conforme explica o coordenador t�cnico do projeto Meu Rio, Cesar Versiani, as mudas est�o sendo plantadas, principalmente, nas �reas de preserva��o permanente (APPs), na cabeceira e nas nascentes do c�rrego Jo�o Moreira. “Com isso, pretende-se o restabelecimento do fluxo de �gua na regi�o”, informa Versiani.
“O viveiro � essencial para que seja priorizado o plantio de esp�cies da sub-bacia e tamb�m para que haja o empoderamento da comunidade que poder� acompanhar o resultado de seu trabalho”, avalia o supervisor regional do IEF em Janu�ria, M�rio L�cio dos Santos. J� o diretor do Instituto Grande Sert�o, Eduardo Gomes, informa que o objetivo � que o viveiro tamb�m gere renda para a comunidade, que poder� comercializar parte das mudas produzidas.
Educa��o ambiental e mais renda
Para proteger a natureza e ter as nascentes de volta, os pequenos agriculores devem abandonar pr�ticas inadequadas como plantio “morro abaixo” (sem curvas de n�vel) e cria��o de gado em �reas de preserva��o permanente (PPS), desmate e queimadas. Mas, ao mesmo tempo, eles precisam das atividades produtivas para garantir a sobreviv�ncia. Diante disso, qual a sa�da? A educa��o ambiental e a cria��o de alternativas de renda s�o ferramentadas adotadas para resolver esse impasse na comunidade Jo�o Moreira.
A educa��o ambiental � desenvolvida com a promo��o de cursos e de oficinas, nos quais j� foram abordados temas a conserva��o e uso racional da �gua e manejo e conserva��o do solo. Para fomentar a gera��o de renda, foi realizado na localidade um curso sobre a apicultura. A capacita��o contou com 30 participantes, que receberam equipamentos de prote��o individual e kits para a implanta��o das colmeias.
Morador da regi�o, o produtor Admilson Gon�alves Cordeiro, de 56, afirma que a regi�o conta com grande potencial para a apicultura, principalmente, para a produ��o de mel de aroeira, que tem valor medicinal. Admilson diz que produz mel h� 25 anos. Ele acredita que, com o retorno da disponibilidade de �gua, a regi�o poder� recuperar uma das suas antigas tradi��es: a moagem da cana-de-a��car para produ��o de rapadura, que, antigamente era feita em engenhos de madeira.
Outra a��o pelo projeto Meu Rio como alternativa de renda na comunidade � a promo��o de curso sobre a confec��o de artesanato. Um dos objetivos � impedir o �xodo de juventude da zona rural em dire��o �s cidades. A iniciativa j� surtiu efeito para Douglas L�cio da Silva, de 22 anos. Diante da falta de perspectivas no lugar de origem, ele estava decidido a se transferir para �rea urbana, para tentar a sorte na constru��o civil. Mas, depois que aprendeu a trabalhar com artesanato, ele mudou de ideia e agora quer continuar morando com os pais.
M�e do jovem, a agricultora Cleuza de Jesus Antunes Aguiar comemora a perman�ncia de Douglas e chora ao contar que o filho mais velha dela, Ronilson, de 25, tenha mudado para Belo Horizonte h� quatro anos, em busca da sobreviv�ncia. Al�m de Douglas permanece com a fam�lia a irm� dele, D�bora L�cia, de 20 anos. “O que mais quero na vida � ter meus filhos perto de mim”, confessa Cleuza. A pequena agricultora diz estar consciente de que a fam�lia depende da conserva��o da natureza e da �gua para produzir e se manter no lugar de origem, por isso, participa ativamente do projeto de recupera��o ambiental.
“Estamos fazendo a nossa parte e que Deus possa nos ajudar tamb�m”, garante Cleuza. Ela expressa o esp�rito dos moradores da comunidade, que abra�aram as a��es para a recupera��o das nascentes do c�rrego Jo�o Moreira, esperando que dentro de pouco tempo o manancial volte a correr o ano inteiro como nos bons tempos testemunhados pela experiente moradora Avangelina e, como se preocupa o l�der comunit�rio Adilson, iniciativas como o esfor�o no semi�rido mineiro venham garantir a oferta de �gua e a vida das novas gera��es.