
Moradores de Couto de Magalh�es de Minas, munic�pio de 4.240 habitantes no Vale do Jequitinhonha, retiraram por muitos anos sustento do garimpo, que surgiu na regi�o no per�odo colonial, quando gerava riqueza tamb�m na vizinha Diamantina, distante 30 quil�metros. Mas a atividade miner�ria foi sendo reduzida aos poucos, at� ser totalmente suspensa h� cerca de quatro anos, ap�s a��es de �rg�os ambientais, j� que vinha sendo praticada ilegalmente e com s�rios danos � natureza. Com criatividade, hoje a popula��o local tenta vencer as dificuldades “garimpando” uma vida melhor com a produ��o de uma fruta ex�tica: a pitaia, que tem alto valor no mercado.
A planta tamb�m vem ajudando a superar outro problema que, tal como a pobreza, sempre castigou o Vale do Jequitinhonha: a seca. Como se trata de uma esp�cie resistente ao clima semi�rido, a experi�ncia de Couto de Magalh�es de Minas pode servir de refer�ncia para projetos semelhantes em outros pontos do semi�rido brasileiro, sobretudo, o Nordeste.
Origin�ria da Am�rica Central, at� h� algum tempo a pitaia era totalmente desconhecida na regi�o. A descoberta da cultura como alternativa para superar a adversidade clim�tica e criar renda se deu gra�as a um estudo com o plantio experimental feito pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM) em Couto de Magalh�es de Minas.
“O plantio da pitaia, com certeza, abre horizontes para Couto de Magalh�es de Minas, com a inclus�o sobretudo das fam�lias vulner�veis no setor produtivo”, afirma a economista e consultora Elbe Brand�o, que auxilia a prefeitura da cidade no projeto de est�mulo ao novo arranjo produtivo. “Somente gerando riqueza � que se enfrenta e supera a pobreza. Esse � o pano de fundo com que a gente trabalha, no sentido de oferecer oportunidades com um produto que h� 10 anos vem sendo pesquisado na regi�o”, completa a consultora.
Elbe Brand�o explica que o experimento sobre o cultivo da fruta no munic�pio foi coordenado pela professora Maria do C�u Monteiro Cruz, do curso de Agronomia da Faculdade de Ci�ncias Agr�rias da UFVJM (sediada em Diamantina) e contou com a atua��o da Agrovales, empresa junior do mesmo curso. Al�n disso, teve a participa��o da Secretaria de Agricultura do Munic�pio e da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater-MG). “Estamos trabalhando com garantia t�cnica para o enfrentamento da seca. � medida que a pitaia vem de uma planta que precisa de pouca �gua, ela tamb�m proporciona a sustentabilidade na regi�o”, enfatiza Elbe.
A consultora salienta que a iniciativa surgiu dentro "Sala do Empreendedor" de Couto de Magalh�es, com a parceria do Sebrae Minas no sentido de fomentar o emprrendedorismo social e a gera��o de renda na regi�o. Nesse sentido, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social do Munic�pio, foi feita uma pesquisa para levantar as fam�lias de baixa renda do munic�pio a serem contempladas. "A nossa expectativa tamb�m � de contar o apoio do Sebrae no processo de comercializa��o da fruta e em outras a��es, como o suporte para a embalagem, por exemplo", afirma.
O secret�rio de Desenvolvimento Econ�mico do munic�pio, Assis Antonio Vieira, informou que apenas neste ano a prefeitura distribuiu 1.500 mudas de pitaia para 100 fam�lias de baixa do munic�pio. A previs�o � de que as novas plantas (15 por fam�lia, em m�dia) venham a entrar em produ��o em dezembro de 2024. Ele afirma que a nova cultura vai trazer uma fonte de renda para os pequenos produtores do lugar e proporcionar um alento para muitos dos que at� h� algum tempo sobreviviam com o que conseguiam no garimpo clandestino �s margens do Rio Jequitinhonha.

O sonho de uma nova Serra Pelada
O secret�rio Assis Antonio Vieira lembra que a empreiteira Andrade Gutierrez tinha uma �rea de explora��o mineral na regi�o de Palheiros/Areinhas, a 20 quil�metros da sede do munic�pio, que deixou no in�cio dos anos 2000. Imediatamente o lugar foi invadido por centenas de pessoas sonhando em encontrar diamantes e pepitas de ouro.
A �rea acabou atraindo tamb�m gente de fora, e chegou a ser chamada de “segunda Serra Pelada do Brasil”, em refer�ncia ao garimpo na Serra dos Caraj�s, no Par�, para onde se deslocaram cerca 5 mil pessoas no in�cio dos anos 1980, depois fechado em 1992.
Conforme o secret�rio municipal, o “formigueiro humano” em Palheiros/Areinhas se prolongou por cerca de cinco anos. Depois, em busca de sobreviv�ncia, moradores do munic�pio continuaram no local at� 2019, quando uma opera��o de �rg�os ambientais interrompeu de vez a atividade, sem licenciamento e que causou muitos danos ambientais ao Rio Jequitinhonha.
Com o fim do garimpo, muitos moradores da zona rural do munic�pio, donos de propriedades situadas �s margens do Jequitinhonha, perderam fontes de alimento e renda. Uma consequ�ncia da pr�pria devasta��o ambiental provocada pelas bombas do garimpo, que resultou no desaparecimento de p�s de frutos nativos da regi�o, como o pequi e o pan�. “Agora, com a cultura da pitaia, queremos mudar esta realidade. O nosso objetivo � levar dignidade para a fam�lias dos ribeirinhos, de forma que elas possam voltar a ter uma vida sustent�vel”, afirma o secret�rio municipal de Desenvolvimento Econ�mico.

Alternativa para quilombolas
O cultivo da pitaia foi implementado como uma op��o de renda tamb�m para moradores de S�o Gon�alo das Canjicas, antiga comunidade quilombola de Couto de Magalh�es de Minas, distante 17 quil�metros da sede do munic�pio.
Em julho deste ano, foi feito o plantio comunit�rio da “fruta-do-drag�o” envolvendo 12 fam�lias do lugar. A �rea, inferior a um hectare, conta com 150 p�s cuidados pelos pr�prios moradores. Em junho, eles receberam informa��es sobre a cultura, transmitidas por alunos do curso de Agronomia da UFVJM. A lavoura � mantida com �gua de um po�o tubular, por meio de gotejamento, que ocorre tr�s vezes por semana. A expectativa � de que a cultura comece a produzir em dezembro do ano que vem.
Morador de S�o Gon�alo das Canjicas e participante do cultivo coletivo, Anderson Fernando Vieira afirma que a comunidade est� muito esperan�osa com a nova cultura. “Creio que a pitaia tem um futuro muito promissor em nossa regi�o. O povo daqui � muito humilde e trabalhador. Acho que a cultura chegou em uma boa hora.”
Anderson salienta que o povoado � um arraial hist�rico, que teria surgido h� mais de 250 anos, antes mesmo da funda��o de Couto de Magalh�es de Minas, e que por muito tempo sobreviveu do garimpo. Por�m, nos �ltimos anos, a atividade miner�ria entrou em decad�ncia e as fam�lias passaram a enfrentar dificuldades, situa��o que ele espera que seja transformada com o cultivo da planta origin�ria da Am�rica Central.
“Minha expectativa � que o plantio da pitaia cres�a e possa trazer mais fam�lias para S�o Jo�o das Canjicas”, projeta o morador. Para ele, a melhoria econ�mica teria potencial para tamb�m estimular o turismo no lugar, que tem constru��es hist�ricas, al�m de cachoeiras e trilhas nas proximidades.
Anderson Vieira observa que a esp�cie de cacto se adapta bem ao clima semi�rido, mas ressalta que o cultivo precisa de cuidados. “Trata-se de uma planta que n�o se pode molhar muito, mas tamb�m n�o pode faltar �gua. Precisa de sol, mas n�o em excesso, e necessita de cuidados com pragas”, explica.

Quem j� come�a a colher frutos
A adapta��o da pitaia ao clima semi�rido � comprovada por moradores que j� tiveram colheitas com resultados satisfat�rios. Entre eles est� Maria da Concei��o Meira Silva, de 53 anos, que h� seis plantou cerca de 50 p�s do fruto no s�tio da fam�lia, em �gua Espalhada, a oito quil�metros da �rea urbana.
Seu plantio j� teve quatro safras com bons resultados, sendo que na �ltima delas, no fim de 2022, colheu frutos pesando at� um quilo. A venda foi feita pela fam�lia, para clientes da pr�pria cidade, com entrega em domic�lio.
Maria Meira, que tamb�m � servidora p�blica, disse que a venda ajudou a fam�lia. “As coisas est�o muito dif�ceis. Qualquer dinheirinho a mais que a gente consegue vale a pena”, avalia.
“Gosto de produzir frutos para garantir uma boa alimenta��o e mais sa�de para as pessoas”, diz a pequena produtora, acrescentando que planeja tamb�m investir em outras culturas, como laranja, abacate e banana.
Embora satisfeita com os resultados da pitaia, a pequena produtora entende que ainda � preciso fazer um trabalho para garantir melhor remunera��o para os frutos do lugar. Quanto � quest�o, a economista e consultora Elbe Brand�o afirma que est�o sendo criadas estrat�gias para um sistema de comercializa��o coletiva, com o fornecimento da fruta para supermercados. “A meta � que possamos avan�ar para uma cooperativa, para que possamos fazer a venda coletiva e organizada”, assegura a consultora.
Em busca de sustentabilidade
O prefeito de Couto de Magalh�es de Minas, Jos� Eduardo Rabelo (Podemos), afirma que a meta da gest�o municipal com a pitaia � garantir sustentabilidade econ�mica. “O objetivo � diversificar as fontes de renda de fam�lias vulner�veis, proporcionando uma atividade agr�cola que seja economicamente vi�vel e ecologicamente sustent�vel.”
Ele avalia que o cultivo da fruta ex�tica ajudar� a enfrentar a seca e garantir gera��o de emprego e renda de v�rias maneiras. “Primeiro, a pitaia � uma planta resistente � seca e requer menos �gua em compara��o com algumas culturas tradicionais. Isso torna poss�vel o cultivo mesmo em condi��es clim�ticas desafiadoras”, afirma.
“Al�m disso, o cultivo da pitaia pode criar oportunidades de emprego local na produ��o, colheita, embalagem e comercializa��o, contribuindo para a renda das fam�lias beneficiadas. E, em um futuro pr�ximo, podemos fazer o beneficiamento da fruta, que faz parte do projeto”, acrescenta.
Jos� Eduardo Rabelo salienta que o cultivo da planta ex�tica pode melhorar ainda a alimenta��o da popula��o de baixa renda.
A fruta-do-drag�o
A pitaia � conhecida mundialmente como dragon fruit ou fruta-do-drag�o. No Brasil, � considerada uma fruta ex�tica, ainda pouco conhecida, exuberante e comercializada com alto valor, segundo a Embrapa Cerrados. A empresa de pesquisa informa que em 2017 a produ��o brasileira era de aproximadamente 1,5 mil toneladas por ano, em �rea de pouco mais de 500 hectares, o que nos �ltimos anos cresceu para mais de 5 mil toneladas. Apesar do aumento, o volume � quase irris�rio quando comparado ao que produz o Vietn�, primeiro no ranking mundial: mais de 600 mil toneladas.