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Estado de Minas Educa��o

Se a educa��o � para todos, mais do que nunca ela precisa ser inclusiva e livre de preconceitos

Deve ainda representar a diversidade em nossa sociedade e valorizar as diferen�as


15/04/2019 07:00 - atualizado 15/04/2019 08:04

"Alice � especial porque � minha filha. N�o � mais ou menos especial por suas caracter�sticas. E n�o � mais dif�cil, � diferente. Considero minha filha um presente" Mariana Rosa, m�e de Alice, portadora de paralisia cerebral (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Nesse domingo foi lembrado o Dia Nacional de Luta pela Educa��o Inclusiva. Um passo � frente que o pa�s precisa dar. A educa��o como direito � afirmada na Declara��o Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assim como na Constitui��o Federal do Brasil, de 1988. Mesmo assim, ainda existem cerca de 781 milh�es de analfabetos no mundo, conforme a Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco).

No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), que fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios Cont�nua (Pnad Cont�nua), de 2016, registram taxa de analfabetismo de 7,2%, o que corresponde a 11,8 milh�es de pessoas que n�o sabem ler nem escrever. Isso porque a meta do governo, conforme a Lei 13.005, de 25 de junho de 2014 - Plano Nacional de Educa��o (PNE) -, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em seu artigo 2º previa que, em 2024, o analfabetismo deveria estar erradicado no pa�s. Esse � apenas um dos muitos problemas e desafios que a educa��o enfrenta por aqui.

Diante desse cen�rio, parece um desprop�sito pensar em educa��o (escola) inclusiva no Brasil. Como dar um passo t�o nobre, cheio de desafios e necess�rio, se ainda lidamos com um ensino b�sico t�o deficit�rio, com tantas car�ncias e atrasos, tanto de forma��o (professores e gestores) quanto estruturais (instala��es f�sicas inadequadas, falta de equipamentos)? Parece contradit�rio ou mesmo imposs�vel. No entanto, n�o tem como esperar resolver os problemas da educa��o neste pa�s para, s� a�, pensar em atender quem tem necessidades que exigem mais aten��o na hora da forma��o educacional. Essa revolu��o, a essa altura, tem de ocorrer simultaneamente. � obrigat�ria, para que n�o se desperdice uma gera��o ap�s a outra.

Educa��o inclusiva completa significa a educa��o livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as diferen�as. Espa�o onde n�o h� iguais versus diferentes ou normais versus deficientes. Todos juntos e com direito de frequentar as salas de aula de ensino regular, que deve retratar a diversidade presente na sociedade. Essa � a luta da jornalista Mariana Rosa, m�e de Alice, de 5 anos, que tem paralisia cerebral. Ela revela que, depois de seis tentativas de matricular a filha em escola regular e n�o ser aceita, enfim, em 2017, foi acolhida pela Lume Jardim de Inf�ncia, institui��o particular (regular), que segue a pedagogia Waldorf, que tem por objetivo educar os tr�s aspectos do ser: o pensar, o sentir e o agir, visando a forma��o de seres humanos livres e inteiros. “As escolas que a recusaram repetiram o mesmo discurso ‘N�o trabalhamos com esse tipo de crian�a’. Essa � a justificativa mais comum. Na Lume, a Alice teve acolhimento logo no primeiro momento e caminha bem.”

Na escola h� dois anos, Alice se sente bem, segundo Mariana. Ela gosta de ir para a Lume. “As crian�as s�o afetuosas com ela e, claro, n�o t�m preconceito, porque ele � constru�do. Assim, elas a inclu�ram com naturalidade, d�o aten��o. Fazem perguntas, querem saber por que a Alice n�o fala, n�o anda, sobre a cadeira diferente... Explicamos tudo na medida da curiosidade delas. Nada que impe�a o estabelecimento de uma forma de intera��o. Tem anivers�rios, a Alice � convidada, minha filha passou por uma cirurgia e colegas vieram visit�-la. Tudo natural.”

No entanto, Mariana reconhece que “a Lume � exce��o, tenho consci�ncia”. Ela tamb�m enfatiza que, al�m das crian�as, Alice foi muito bem recebida pelos pais. “As fam�lias procuraram entender e, quem n�o sabia lidar, veio falar, conversar comigo em d�vida do que falaria quando questionadas pelos filhos. Uma m�e me disse que estava preocupada em explicar para a filha e, para surpresa dela, logo no in�cio das aulas, a menina chegou da escola contando para a m�e que tinha feito duas melhores amigas, uma delas, a Alice.”

Mariana, casada com Wesllen h� 14 anos, com Alice filha �nica, n�o � de apontar dedos para culpados. Para a gerente de comunica��o, a quest�o da falta de inclus�o � hist�rica. “� uma luta pelos direitos das minorias, dos deficientes, que tem evolu�do. At� melhorou nos �ltimos 10 anos, j� que antes viviam isolados. � um paradoxo falar de inclus�o se n�o os acolhem, seja na escola, seja no trabalho, privando a sociedade de aprender com o diferente. � um privil�gio conviver com as diferen�as humanas e � poss�vel se dar bem de forma harmoniosa para exercer a toler�ncia.”

DIREITOS IGUAIS


Para Mariana, a luta � di�ria sim e tem de ser constru�da para que a consci�ncia se instale na sociedade. “A culpa n�o � da escola, do professor, da empresa, mas � uma quest�o cultural hist�rica. Temos, claro, de lutar por direitos iguais para tornar a diferen�a natural. E ela �.”

A jornalista enfatiza que ningu�m est� preparado para lidar com a diferen�a, j� que n�o fomos educados para tal e a diferen�a provoca e desafia. Ela chama a aten��o para a atitude e o comportamento que todos deveriam buscar, que � o de acolher, pensar na capacidade de cada um, ajustar as ferramentas e oferecer estrat�gias diferentes. “N�o � lidar com o diferente abrindo um livro com normas e regras e coloc�-las em pr�tica. H� t�cnicas que auxiliam, mas a verdade � que o ajuste � quase individual.”

Mariana enfatiza que Alice n�o � especial na conota��o que a sociedade est� confort�vel em denominar. “Alice � especial porque � minha filha. N�o � mais ou menos especial por suas caracter�sticas. E n�o � mais dif�cil, � diferente. Considero minha filha um presente. E, de novo, simplesmente por ser amorosa, linda e pelo v�nculo de amor que temos.” E todo esse amor e respeito Mariana compartilha com todos no blog Di�rio da m�e da Alice.

Responsabilidade � de todos
A escola inclusiva se compromete a enfrentar todas as formas de exclus�o, marginaliza��o e desigualdades no acesso, na participa��o e nos resultados de aprendizagem e trabalho


O mundo e o Brasil t�m avan�os na educa��o inclusiva, mas est�o longe do ideal. Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustent�vel, miss�o ambiciosa adotada por 184 estados-membros da Unesco, a meta � assegurar a educa��o inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A educa��o transforma a vida e � o principal impulsionador para o desenvolvimento da sociedade.

A educadora e escritora Andrea Ramal, doutora em educa��o pela PUC-Rio, professora de portugu�s, literatura e reda��o ao longo de 20 anos, frisa: “Acredito na teoria de que � melhor uma sala diversificada, tanto para as crian�as das aulas regulares quanto para quem precisa de aten��o. As duas v�o se desenvolver mais, com a ressalva de que, da maneira como funciona hoje, n�o ocorre uma real inclus�o, ali�s, � uma inclus�o excludente”.

Para Andrea Ramal, a sala de aula dial�gica, inclusiva e plural � espa�o de constru��o de novas identidades, capazes de se engajar na constru��o de uma sociedade justa, democr�tica, solid�ria e sustent�vel. Mas, no Brasil, est� longe de ser uma realidade. “O professor n�o d� aten��o, n�o tem capacita��o e as fam�lias rejeitam. A sociedade n�o est� preparada. Pior, muitos pais abandonam a escola diante de experi�ncia negativa. Conhe�o muitos que colocaram o filho na escola e o tiraram. O problema � que dizem que o ‘filho n�o se adaptou’, quando, na verdade, � a escola que n�o se adequou.” Cr�tica, ela enfatiza que a quest�o � que o projeto pedag�gico, na pr�tica, n�o ocorre. “Vejo pais decepcionados, que n�o acreditam mais na escola inclusiva, porque a realidade � outra. � bem diferente do que � proposto e estabelecido em lei.”

(foto: Renato Bairros/Divulgação)
(foto: Renato Bairros/Divulga��o)

Para a expert, apesar de a escola inclusiva ser obrigat�ria (Lei 13.146/2015) e ser um avan�o, os resultados ainda s�o insignificantes. Para a transforma��o de fato ocorrer, Andrea Ramal indica tr�s pilares para esse avan�o. “Primeiro, a capacita��o dos professores nas mais diversas demandas de defici�ncias. Em segundo lugar, respaldo do governo, colocando agentes educacionais especializados para apoiar o professor que tem de lidar com 30, 40 alunos em sala. O que est� na lei. E, em terceiro, a escola conscientizar as fam�lias sobre os benef�cios da inclus�o para acabar com o preconceito.”

Andrea Ramal avisa que n�o � um caminho f�cil, leva tempo. Ela reconhece que num pa�s em que “temos escola sem biblioteca e quadra esportiva (sim, elas existem!), pode ser contradit�rio um passo como o da escola inclusiva. No entanto, � preciso caminhar juntos para resolver os problemas da educa��o no Brasil. N�o d� para solucionar uma demanda de cada vez, n�o h� tempo. Temos de pensar nesses alunos n�o atendidos. S�o gera��es perdidas”.

ACESSIBILIDADE ATITUDINAL


Luiz Henrique Carneiro, coordenador do N�cleo de Orienta��o Psicopedag�gica e Inclus�o do UNI-BH, o Nopi, conta que desde 2014 o centro universit�rio tem definidas estrat�gias e a��es de apoio � comunidade acad�mica com atendimento especializado para a inclus�o de alunos com defici�ncias e transtornos. “Houve um crescimento no n�mero de matr�culas desde a implanta��o do nosso departamento, com um boom em 2016 e 2017. Temos alunos em praticamente todos os cursos: enfermagem, medicina, medicina veterin�ria, enfim, um grande contingente.”

O coordenador conta que h� estudantes com autismo, defici�ncia auditiva, baixa vis�o, cegos, com transtorno do d�ficit de aten��o com hiperatividade (TDAH) e transtorno de aprendizagem: “Em 2017, o UNI-BH decretou a Resolu��o 21, que garante a inclus�o desses alunos no centro universit�rio, o chamado CEP (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extens�o) de 30 de junho. Com ele, buscamos um processo equitativo. O aluno sinaliza sua defici�ncia ou transtorno, agendamos o atendimento para entender as especificidades e, assim, podemos trabalhar a individualidade e peculiaridade de cada um. Ao compreender a demanda podemos atuar durante o processo, que � bem criterioso”.

A preocupa��o de maior impacto no processo de inclus�o no UNI-BH � quanto � acessibilidade atitudinal. Luiz Henrique explica: “Fazemos um trabalho forte em prol da inclus�o com eventos, palestras e nas redes sociais. A cada ano damos passos importantes e avan�amos nesse conv�vio, que tem sido natural. Com nossas a��es, todos percebem que � poss�vel ter um jornalista autista, um professor com s�ndrome de Down e um personal traineer cadeirante. Buscamos um movimento de sensibiliza��o que envolva toda a comunidade acad�mica”. O que tem influenciado a sociedade como um todo, o que tamb�m � uma preocupa��o e um papel que o UNI-BH assume. Inclusive, o centro universit�rio desenvolve pesquisas e projetos de extens�o sobre a inclus�o de pessoas com alguma dificuldade.
(foto: Reprodução/Internet)
(foto: Reprodu��o/Internet)

Para ler...


O livro Inclus�o escolar. O que �? Por qu�? Como fazer?, de Maria Teresa Egl�r Mantoan, uma das maiores especialistas em inclus�o escolar no pa�s, mestre e doutora em educa��o pela Unicamp, de maneira clara e did�tica explica o que � educa��o inclusiva, discute os passos necess�rios para implant�-la, ressalta o que a sociedade ganha com esse processo e destaca suas vantagens baseando-se na legisla��o sobre o tema. Livro fundamental para educadores que desejam saltar da teoria para a pr�tica.


Servi�o
Livro: Inclus�o escolar - O que �? Por qu�? Como fazer?
Autor: Maria Teresa Egl�r Mantoan
Editora: Summus Editorial
96 p�ginas
R$ 38


SAIBA MAIS: Rompe-se a exclus�o

De acordo com a Pol�tica Nacional de Educa��o Especial na Perspectiva da Educa��o Inclusiva, criada pelo Minist�rio da Educa��o em 2008, os estudantes com defici�ncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdota��o, segmentos que comp�em o p�blico-alvo da educa��o especial, t�m o direito a frequentar a sala de aula comum e, quando necess�rio, receber atendimento educacional especializado no per�odo inverso ao da escolariza��o. Historicamente, essas pessoas foram exclu�das do sistema educacional ou encaminhadas para escolas e classes especiais. Como resultado da implanta��o da referida pol�tica, entre 2007 e 2014, as matr�culas desses estudantes em escolas regulares subiram de 306.136 para 698.768 (aumento de 128%). Em 2014, 78,8% desses estudantes matriculados na educa��o b�sica estavam estudando em salas comuns, sinalizando rompimento com o hist�rico de exclus�o. Os desafios implicados na amplia��o desses expressivos avan�os envolvem a continuidade de investimentos na forma��o de educadores, no aprimoramento das pr�ticas pedag�gicas, na acessibilidade arquitet�nica e tecnol�gica, na constru��o de redes de aprendizagem, no estabelecimento de parcerias entre os atores da comunidade escolar e na intersetorialidade da gest�o p�blica.

Fonte: Observat�rio do Plano Nacional de Educa��o (PNE)

Inclus�o no trabalho


A contrata��o de pessoas com defici�ncia ainda � um tema cercado de d�vidas. A promo��o da inclus�o e a garantia da manuten��o de colaboradores especiais e qualificados no quadro de funcion�rios nas empresas � uma luta di�ria. A pesquisa “”Expectativas e percep��es sobre o mercado de trabalho para pessoas com defici�ncia”, feita pela Catho, desmistifica a lenda de que profissionais com defici�ncia s�o desqualificados. Segundo o levantamento, 57% dos entrevistados est�o em alguma etapa do ensino superior. Buscar por uma educa��o inclusiva faz com que pessoas com defici�ncia sejam cercadas por desafios e enfrentamentos desde o primeiro ano escolar. A falta de um olhar mais sens�vel para a inclus�o desses alunos influencia diretamente no n�vel de desenvolvimento de suas potencialidades pessoais e profissionais. Diante desse cen�rio de diversos obst�culos, muitos t�m se destacado e alcan�ando elevado n�vel de escolaridade.

Conforme dados coletados pela Catho, site de classificados de empregos, o i.Social e a Associa��o Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil) e ABRH-SP muitos s�o os n�veis de qualifica��es desses profissionais: 21% t�m n�vel superior completo, 13% curso superior em andamento, 10% cursos superior incompleto, 8% p�s-gradua��o conclu�da, 4% p�s-gradua��o em andamento e 1% mestrado.

O termo “qualifica��o” surge comumente como parte da estrat�gia de contrata��o de pessoas com defici�ncia apenas para preenchimento da Lei de Cotas. Seja com oferta de posi��es com baixos sal�rios ou inferiores aos objetivos definidos, esses profissionais n�o s�o enxergados por suas compet�ncias profissionais. Para o gerente de marketing da Catho, Ricardo Morais, a constru��o dessas lendas apenas refor�am a dificuldade de acesso para essa popula��o: “A constru��o da imagem sobre pessoas com defici�ncia reflete no ambiente corporativo. Muitas s�o as d�vidas levantadas quando o assunto � a inclus�o desses profissionais: t�m qualifica��o? Podem atuar em qualquer setor, cargo ou liderar equipes? Como me comunicar sem ofender ou constranger? Ter esses conhecimentos � fundamental para a inclus�o”, afirma o gestor. No site da Catho, para a conscientiza��o e participa��o de pessoas com defici�ncia no mercado de trabalho, h� um manifesto “Minha vaga por direito”. Conhe�a e acesse o link minhavagapordireito.com.br para conhecer mais sobre o movimento.

Constru��o de uma consci�ncia
A educa��o tem de levar em conta a subjetividade humana e que, em algum momento, cada um, � sua maneira, demandar� um atendimento especial frente as suas necessidades

"A inclus�o come�a pelo desejo de incluir. A aprendizagem � um a um, � experienciar suas pr�prias caracter�sticas, interesses, habilidades e necessidades, independentemente do seu diagn�stico ou mesmo do seu r�tulo" Jane Patr�cia Haddad, mestre em educa��o (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )

Como dizia o soci�logo e fil�sofo polon�s Zygmunt Bauman: “Pela primeira vez, estamos percebendo que as diferen�as entre os seres humanos e a falta de um modelo universal vieram para ficar” (Bauman, 2013). Esse � o start que a mestre em educa��o Jane Patr�cia Haddad, psicanalista e psicopedagoga, escolheu para explicar que pensar inclus�o no ambiente escolar n�o significa apenas criar vagas para as pessoas com necessidades especiais na escola regular, e muito menos apenas seguir as leis. “Incluir � superar nossas pr�prias dificuldades em aceitar aqueles e aquelas que s�o diferentes de n�s. Incluir requer um processo a ser constru�do diariamente, em que a escola se torna acolhedora das diferen�as, inclusive em seu curr�culo e formas de avaliar. Incluir n�o � uma a��o t�o natural quanto parece, � uma constru��o cont�nua de uma conscientiza��o pol�tica de que todos devem ser agentes e, portanto, o sujeito do ato educativo, independentemente da limita��o f�sica, ps�quica e emocional.”

Jane Patr�cia Haddad ensina que a escola foi uma inven��o da modernidade e sempre sustentou um modelo cartesiano/positivista de aluno, o que influencia at� hoje nas pr�ticas escolares. “Mudar isso � um longo processo. O que as escolas v�m fazendo � um repensar constante sobre esse modelo, j� que os alunos ‘ideais’ dever�o ser olhados como alunos ‘reais’, com possibilidades e tamb�m com suas limita��es. A educa��o ter� que levar em conta a subjetividade humana, que n�o poder� ser reduzida apenas ao aspecto cognitivo e suas fases de desenvolvimento. Lembremo-nos de que todos n�s, cada um � sua maneira, em algum momento teremos que ter atendimento especial frente as nossas necessidades. Educar � levar luz, abrir atalhos diante de rodovias sem paisagem, � despertar no outro o que ainda est� adormecido. � dar exemplos de cidadania, respeito aos diferentes. Temos feito inclus�o?”

Conforme Jane Patr�cia Haddad, nossa educa��o ainda se baseia em modelos de ‘iguais’, em padr�es de qualidade, efici�ncia e rankings. Para alguns alunos isso � poss�vel, mas n�o para todos. “Uma sociedade que prima por modelos ideais de beleza, intelig�ncia, felicidade e desempenho n�o deve se desconectar de outras habilidades e subjetividades poss�veis. Freud j� nos alertava que o estado de bem-estar � um ideal inating�vel. N�o h� como negar a verdade do sujeito, que podemos pensar como a ‘dor do existir’, que constitui o sujeito, portanto, a t�o proclamada educa��o prazerosa e seu bem-estar � imposs�vel, o desprazer est� presente em toda rela��o. Ser diferente � fato, gostemos ou n�o, e excluir � crime.”

Com toda experi�ncia e vis�o, Jane Patr�cia Haddad conta que algumas institui��es v�m propondo mudan�a na forma de olhar e escutar o sujeito que chega � escola. “Inclus�o refere-se � redu��o de todas as press�es pela inclus�o de uma educa��o para todos. Sim, todos e cada um t�m o seu direito constitucional de poder pertencer ao sistema educacional, independentemente de suas defici�ncias, efici�ncias, rendimento escolar, religi�o, etnia, g�nero, classe, estrutura familiar, estilo de vida ou sociedade. Incluir � olhar para os profissionais da educa��o com respeito. A grande discuss�o hoje � que o professor j� foi mais valorizado, como tantos outros profissionais tamb�m j� o foram, e hoje n�o o s�o. Incluir requer muito estudo de caso a caso. Isso leva tempo, s�o necess�rias muitas trocas e, principalmente, estudo.”

CORRESPONSABILIDADE

Para a psicopedagoga, a educa��o como reflexo de uma sociedade est� vivendo uma transi��o de valores, antes tidos como universais (o aluno ideal) e hoje sem uma refer�ncia muito clara: “O que � um valor para uma escola j� n�o � para outra e, assim, seguimos buscando novos modelos, referenciais, reconhecimentos e outras forma��es. Acredito que o valor dever� vir de dentro para fora, cada um ter� que se rever, inclusive nos seus melindres, ang�stias e saberes. Defendo que os professores brasileiros est�o passando por um momento rico, de transforma��o, e os mais ou menos n�o sobreviver�o. H� um convite convocat�rio de conscientiza��o pol�tica. Cada um em sua escola, em sua comunidade � um agente e, portanto, sujeito do ato educativo a que se prop�s. N�o se consegue mais responsabilizar o outro por aquilo que n�o se faz. O momento � de corresponsabilidade.”

J� passou da hora, enfatiza Jane Patr�cia Haddad, de todos se despedirem da educa��o onipotente, que pode tudo e sabe de tudo. “N�o temos todas as respostas e as certezas j� n�o atendem mais � nossa educa��o. Os processos de inclus�o real exigem uma despedida, com todos os lutos necess�rios. A escola � um ambiente que deve refletir a sociedade como ela �. � desse ponto que construiremos uma sociedade mais comprometida, � de dentro da escola e n�o mais s� de dentro da fam�lia. � a educa��o “formal” que est� convidando e convocando as fam�lias a acolherem os alunos com necessidades especiais, que dever�o ser atendidos em suas potencialidades e habilidades f�sicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas caracter�sticas, interesses e necessidades educacionais. � essa escola em que acredito, uma escola que tenha cheiro e cara de mais um lugar de vida.”

• Pontos essenciais:


» 1 -
As crian�as menores n�o s�o (ainda) dotadas de preconceitos, pelo contr�rio, elas s�o muito solid�rias e suportam bem seus diferentes
» 2 - Professores e gestores que apostam nos sujeitos conseguem bons efeitos
» 3 - Acolher � o primeiro passo de qualquer humaniza��o poss�vel
» 4 - A primeira atitude � destituirmo-nos do lugar de “sabe-tudo”, do lugar apenas do ensinar, o momento � um convite a apreender com os ditos “especiais” e partir do pressuposto de que cada um de n�s, em algum momento da vida, ter� uma necessidade especial
» 5 - Quem � o sujeito que adentra nossas escolas? A educa��o inclusiva permite um repensar e uma possibilidade de lan�ar o olhar para outras diversas dire��es ainda n�o visitadas
» 6 - A Lei da Inclus�o deve ser olhada como um convite � inova��o e � humaniza��o da educa��o
» 7 - Inclus�o � para poucos. � preciso acordar e ultrapassar a imposi��o da lei, e lembrar: “H� muitas pessoas de vis�o perfeita que nada veem... O ato de ver n�o � coisa natural. Precisa ser aprendido”, j� alertava Rubem Alves, psicanalista, educador, te�logo e escritor

• Para pensar...

Escolas, assistam com seus docentes ao document�rio Nunca me sonharam, de Cacau Rhoden, em que o t�tulo � a frase de um adolescente que nunca foi sonhado por seus pais. E reflitam: sonhamos algo para os alunos e alunas ditos deficientes?. Olhem para crian�as e jovens que pensam diferente de voc�s e os escutem em suas diferentes formas de se comunicar. E reflitam sobre uma escola que escuta pessoas e n�o CID(S) de doen�as, estamos lidando com pessoas, com gente, com seres humanos que clamam por um sentido de vida, sentido de aprender, sentido em ir todos os dias para as escolas e enfrentar seus desafios, seja no lugar de professores ou no lugar de alunos. Precisamos de escolas e universidades que nos lembrem que somos humanos e diferentes, que nos transmitam algo a mais do que passar de ano e ser o melhor da turma para, amanh�, conseguir um bom emprego.

Capacita��o cont�nua
Educa��o inclusiva � direito humano incondicional. N�o � quest�o de aceitar. Diferenciar em raz�o da condi��o de alguma defici�ncia � discrimina��o. O maior desafio � o preconceito da sociedade


Para Sônia Marinho Amaral, diretora da Escola Estadual Maurício Murgel, o maior desafio é oferecer sempre o melhor(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press )
Para S�nia Marinho Amaral, diretora da Escola Estadual Maur�cio Murgel, o maior desafio � oferecer sempre o melhor (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press )

Bons exemplos existem e s�o estimulantes. Em 1998, a Escola Estadual Maur�cio Murgel foi indicada pela Secretaria de Estado de Educa��o de Minas Gerais (SEE-MG) para atender os alunos surdos e cegos do ensino m�dio. Desde ent�o, o n�mero de alunos atendidos aumentou gradativamente e hoje a institui��o se tornou uma escola altamente inclusiva. Ela atende alunos com surdez, cegueira, paralisia cerebral e defici�ncia intelectual. A diretora, S�nia Marinho Amaral de Resende, ressalta que “acredito na educa��o inclusiva. O maior benef�cio � o aprendizado di�rio e a conviv�ncia, e o maior desafio � oferecermos o melhor. Por isso, temos de nos capacitar sempre.”

Na Escola Estadual Maur�cio Murgel, S�nia Resende conta que a inclus�o foi um processo sem traumas: “� uma rotina na qual todos se respeitam e aprendem uns com os outros.” Quanto � forma��o e prepara��o dos professores e dos funcion�rios para receber os alunos com uma demanda espec�fica, tamb�m foi sem grandes atropelos: “Os profissionais interessados buscam capacita��es diferenciadas e de acordo com o seu interesse. A principal capacita��o e a mais pr�tica e objetiva � a aceita��o das diferen�as e o respeito � individualidade de cada aluno, ‘respeitando o seu tempo diferenciado’”. A diretora frisa ainda que “a SEE oferece os profissionais necess�rios, assim como cursos diversos de capacita��o durante todo o ano letivo.”

Vale destacar a iniciativa da escola, que, em 7 de mar�o, iniciou o curso t�cnico de tradu��o e int�rprete de Libras (l�ngua brasileira de sinais), projeto-piloto do estado de Minas Gerais. No dia a dia da institui��o, S�nia Resende conta que “a Libras � o meio de comunica��o entre os alunos surdos e ouvintes. Temos a presen�a do profissional int�rprete de Libras em todas as salas com os alunos surdos. A escola oferece o curso de ensino de Libras destinado aos alunos surdos que chegam no ensino m�dio sem saber Libras, aos colegas dos alunos surdos com o objetivo de favorecer a comunica��o entre todos, e aos profissionais e membros da comunidade escolar.”

APOIO DO GOVERNO

Com toda experi�ncia, os desafios di�rios, S�nia Resende destaca que “a inclus�o � o assunto do momento e todos est�o reconhecendo a sua import�ncia e manifestando interesse pelo assunto. Al�m dos grandes avan�os tecnol�gicos que contribuem para uma educa��o de qualidade para todos, o tema da reda��o do ENEM em 2017 (Desafios para a forma��o educacional de surdos no Brasil) fez com que o Brasil inteiro refletisse tamb�m sobre o assunto. N�o s� em rela��o aos surdos, mas a todos que carecem de uma aten��o diferenciada, respeito e reconhecimento de que todos s�o capazes de aprender e contribuir para um mundo mais humano, justo e solid�rio.”

No comando de uma institui��o estadual, S�nia Resende afirma que a “escola tem se esfor�ado para lidar com as diferen�as buscando uma educa��o de qualidade para todos. � not�rio o esfor�o do governo mineiro, quando amplia o quadro de pessoal das escolas ofertando int�rprete de Libras, professores de apoio, professores para as salas de recursos multifuncionais tantos quantos forem solicitados, al�m de v�rios cursos de capacita��o espec�ficos durante o ano letivo.”

(foto: Arquivo Pessoal )
(foto: Arquivo Pessoal )
ENTREVISTA/MEIRE CAVALCANTE/MESTRE EM EDUCA��O

» A reivindica��o tem de ser de todos

Meire Cavalcante, jornalista, mestre e doutoranda em educa��o, ex-consultora da Unesco e da Organiza��o dos Estados Ibero-americanos (OEI) na �rea de educa��o inclusiva, em conversa com o Estado de Minas chama a aten��o para um problema em que toda a sociedade deve se envolver. A responsabilidade � de todos. Confira os principais pontos:

Voc� acredita numa sala de aula inclusiva? Quais os benef�cios?

Mais do que acreditar, entendo que devemos lutar para que todas as salas de aula sejam inclusivas. Inclus�o escolar � uma quest�o objetiva, demarcada na esfera dos direitos humanos. Assim, n�o se trata de cren�a, mas de trabalhar para fazer valer um direito constitucional de todas as pessoas, com ou sem defici�ncia, em rela��o ao acesso � escola, � perman�ncia com dignidade e, sobretudo, � aprendizagem, dentro das possibilidades de cada um. Quando a gente faz valer um direito a qualquer pessoa, o maior benef�cio � para a sociedade. N�o se trata de uma a��o que deva ou possa ser justificada com base em benef�cios a este ou �quele grupo. � positivo para as crian�as, jovens e adultos com defici�ncia? �bvio, porque est�o exercendo um direito. E para os demais, sem defici�ncia? Tamb�m, pois viver em uma sociedade que legitima a exclus�o de um grupo de pessoas em raz�o de suas caracter�sticas � viver na barb�rie.

E quais os grandes desafios?

Poderia listar muitos em rela��o � organiza��o escolar, � concep��o de escola, no geral, ao financiamento da educa��o p�blica. Mas o desafio central � modificar a concep��o de defici�ncia que nossa sociedade tem. A defici�ncia, por muito tempo (e para muita gente, ainda hoje), foi associada � ideia de improdutividade, de limita��o, de incapacidade. Era isso o que justificava a segrega��o de pessoas com defici�ncia em escolas e classes especiais ou em institui��es, at� o fim de sua vida. Conforme nosso entendimento sobre o conceito de defici�ncia avan�ou, finalmente entendemos o contexto da pessoa com defici�ncia como o principal foco de limita��o para o exerc�cio pleno de seus direitos. Passamos, ent�o, a identificar as diversas barreiras existentes na sociedade (de natureza f�sica, comunicacional, de informa��o, de transporte e atitudinal, entre outras). Assim, a pessoa passou a ser reconhecida, antes de qualquer coisa, por sua humanidade, e n�o por sua defici�ncia.

Enfim, passamos a n�o mais rotular e definir at� aonde cada um pode ir, ou o que pode fazer de sua vida, com base na defici�ncia?

Sim. Essa concep��o foi trazida pela Conven��o sobre os Direitos das Pessoas com Defici�ncia, publicada pela ONU em 2006, incorporada � nossa Constitui��o Federal, em 2009, por meio de uma emenda constitucional. A partir dessa concep��o, o Brasil, em 2008, publicou a Pol�tica Nacional de Educa��o Especial na Perspectiva da Educa��o Inclusiva (PNEEPEI). E isso foi um marco para o pa�s. Nesses 10 anos de PNEEPEI, muito avan�amos. Hoje, as escolas compreendem a inclus�o escolar como um direito. Destaca-se tamb�m o Atendimento Educacional Especializado (AEE), regulamentado em 2009 pela Resolu��o 4 (CNE/CEB), como um servi�o da educa��o especial cujo principal objetivo � justamente identificar as barreiras (de todas as naturezas) no ambiente escolar e, a partir do estudo de caso, elaborar o plano de AEE, essencial por articular todos os envolvidos no processo de escolariza��o, a fim de garantir a quebra de barreiras e efetivar a inclus�o. � um marco pol�tico e pedag�gico revolucion�rio para as escolas. Recentemente, o modelo social deu lugar ao modelo de direitos humanos, que institui como primordial o direito de a pessoa com defici�ncia fazer uso dos recursos que lhe s�o disponibilizados, com liberdade de escolha, de express�o, de utiliza��o, a partir do conhecimento dos mesmos. Implica um efetivo protagonismo.

Com tantos problemas do ensino no Brasil, � poss�vel uma educa��o para todos?

Evidentemente que sim. Se n�o acreditarmos, como vamos constru�-la? No que diz respeito aos alunos com defici�ncia, os n�meros brasileiros s�o muito positivos. O pa�s mais que triplicou o n�mero de matr�culas no geral. E, mais positivo ainda, inverteu-se o quadro do tipo de matr�cula. H� cerca de 20 anos, mais de 90% das matr�culas eram em escolas e classes especiais (segregadas). Hoje, � exatamente o contr�rio.

Para uma educa��o inclusiva � preciso um curr�culo diferenciado?


N�o. � justamente o contr�rio. O acesso ao curr�culo � um direito de todos os estudantes. Diferenci�-lo em raz�o da condi��o de defici�ncia � discrimina��o. Infelizmente, ainda h� quem defenda a ado��o de pr�ticas arcaicas, como a diferencia��o curricular em raz�o da defici�ncia. Essa pr�tica est� na contram�o n�o apenas da evolu��o de nossos marcos te�ricos, pol�ticos e legais, mas tamb�m vai contra as conquistas da escola brasileira, que, h� mais de duas d�cadas, vem buscando compreender que a diferencia��o s� pode existir se for para garantir o pleno acesso � escola e ao curr�culo. Jamais a diferencia��o, seja ela de natureza curricular ou de qualquer outra, pode ser usada para justificar “estar � margem”, fazer atividades “separadas”, “individualizadas”, “facilitadas”, “infantilizadas”, “limitadoras” e todos os demais termos que encerram o significado da diferencia��o curricular. O que precisa mudar n�o � o curr�culo para este ou aquele aluno, mas a pr�tica pedag�gica para todos. A maneira como se ensina, como s�o apresentados os conte�dos, se s�o contextualizados... Tamb�m � preciso repensar as estrat�gias, os materiais usados em sala de aula. Precisamos rever os tempos e os espa�os da escola, encarar o desafio de fazer com que a escola n�o busque mais alunos ideais ou tente organizar turmas homog�neas (pois isso � uma grande fic��o). A educa��o inclusiva vem desafiar a escola a se reinventar. E isso � bom para todos.

O desafio da inclus�o tamb�m encontra barreira na estrutura?

Sobre a estrutura, ainda temos muito o que caminhar. Mas, se a pessoa n�o estiver ali, presente, demandando seus direitos, a escola estar� preparada e acess�vel quando? Em que era? H� muito o que fazer. A acessibilidade mais �bvia � a f�sica (rampas, banheiros, piso t�til, portas largas etc.). Nesse sentido, temos avan�ado. E, mesmo com os avan�os, h� problemas. Dou um exemplo simples: se uma pessoa nunca estudou com quem tem defici�ncia f�sica, talvez ela n�o se incomode de ver um projeto arquitet�nico ou um pr�dio pronto com escadas para todos os lados. Por�m, se essa pessoa cresceu em uma escola inclusiva, � mais f�cil para ela estranhar um edif�cio pronto sem acessibilidade, pois isso j� faz parte de sua vida. A acessibilidade como um valor social � tamb�m uma quest�o que requer tempo. O mesmo vale para a acessibilidade de outras naturezas: a presen�a do int�rprete de Libras na sala de aula, num evento cultural ou no ambiente de trabalho; o uso de software de acesso ao computador por pessoas cegas; a comunica��o com pessoas com implante coclear ou que fazem leitura labial; o uso de tecnologia assistiva e de comunica��o suplementar alternativa. Tudo isso est� em constru��o na escola inclusiva e, mais recentemente, no ensino superior e no ambiente de trabalho. Precisamos de tempo para que isso se consolide n�o s� nas escolas, mas como algo valorizado e reivindicado por todos, e n�o s� por quem tem defici�ncia.


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