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Estado de Minas DESCOBERTA SOB O SOLO

O inesperado rem�dio desenterrado na Ilha de P�scoa que cada vez salva mais vidas pelo mundo

Trata-se da hist�ria �pica de um rem�dio que foi descoberto, descartado, resgatado e que se tornou a solu��o para transplantes e tratamento de v�rios tipos de c�ncer.


16/06/2021 08:08 - atualizado 16/06/2021 09:17


Remédio descoberto na Ilha de Páscoa até hoje é usado e pesquisado por cientistas e médicos(foto: Getty Images)
Rem�dio descoberto na Ilha de P�scoa at� hoje � usado e pesquisado por cientistas e m�dicos (foto: Getty Images)

Onde uma hist�ria come�a?

Esta, dado que se trata de algo que veio do solo de um dos lugares mais remotos do planeta, talvez deva come�ar com a erup��o de tr�s grandes vulc�es localizados no sul do Oceano Pac�fico. Eles foram respons�veis por formar uma ilha de 163,6 km² que, exceto numa �rea menos f�rtil, � formada de lava com uma fina camada de solo.

Ou, de repente, o in�cio desta hist�ria deveria ser um sonho. Aquele em que um esp�rito viajou em busca de um novo lar para o lend�rio schefe supremo "Hotu Matu" e o seu povo, e encontrou um tri�ngulo com um olho (a cratera de um vulc�o) chamado "Te Pito 'o el Kainga", que significa "Centro da Terra".

Depois de enviar 7 homens para busc�-lo e receber, na volta, a not�cia de que se tratava de um para�so distante, Hotu Matu%uA78Ca zarpou com dois navios cheios de colonos. A civiliza��o que prosperou, criou belezas e enigmas naquele terreno de lava entre as ondas ficou conhecida como Rapa Nui ou Ilha de P�scoa.

Mas talvez seja mais apropriado come�ar esta hist�ria com a curiosidade despertada em um cientista, centenas de anos depois. Ele ficou intrigado pelo fato de os nativos da ilha n�o terem t�tano, apesar de caminharem descal�os por um terreno cheio de cavalos, em condi��es ideais para se infectarem.

� por isso que o microbiologista Georges N�gr�dy, um dos 40 m�dicos e cientistas que chegaram do Canad� em dezembro de 1964 para estudar a cultura, o ambiente e as doen�as deste lugar excepcional, dividiu a ilha em 67 partes e colheu amostras de solo de cada uma delas.

Ele s� encontrou esporos de t�tano em uma das amostras. Os frascos com peda�os do territ�rio de Raisin felizmente chegaram �s m�os de cientistas da empresa farmac�utica Ayerst em 1969.

"Atividade fant�stica"

Para Ajai Sehgal, diretor de dados e an�lises da Cl�nica Mayo, a hist�ria come�ou quando ele era crian�a.

"Quando eu tinha cerca de 10 anos, fui com meu pai ao trabalho, no laborat�rio Ayerst em Montreal e fiz perguntas", disse ele � BBC News Mundo. "Eu n�o tinha base para entender tudo, mas sabia que ele estava interessado na descoberta de drogas e entendia o que estava tentando fazer."

O que o pai dele, o microbiologista Surendra Nath Sehgal, e seus colegas estavam tentando e conseguindo fazer era isolar os microorganismos do solo da Ilha de P�scoa, induzindo-os a se reproduzirem e analisando as subst�ncias que eles produziam.


Se não fossem os cavalos na Ilha de Páscoa, a terra não teria chegado ao laboratório(foto: Getty Images)
Se n�o fossem os cavalos na Ilha de P�scoa, a terra n�o teria chegado ao laborat�rio (foto: Getty Images)

Eles descobriram que eram muito bons em inibir o crescimento de fungos, mas havia um problema.

"Tamb�m era um imunossupressor, por isso deixava a parte do corpo tratada sem defesas. Imagine que voc� tem uma infec��o f�ngica na m�o e aplica um creme de rapamicina: ele mata o fungo, mas provavelmente vai causar uma infec��o bacteriana", explica Ajai.

No entanto, Sehgal enxergou o potencial daquilo.

"Ele sabia que tinha uma atividade imunossupressora muito forte e tamb�m que era uma droga muito segura porque n�o tinha nenhum n�vel t�xico.

"Quer dizer: normalmente o que voc� faz � dar a um camundongo cada vez mais doses da droga at� que ele morra, e assim eles encontram o n�vel m�ximo de seguran�a. Mas, no caso da rapamicina, eles nunca encontraram um n�vel t�xico porque os ratos nunca morreram ", esclarece Ajai.

Naquela �poca, os imunossupressores dispon�veis "eram todos altamente t�xicos". Um deles, a bact�ria Streptomyces hygroscopicus, produziu um composto, um produto natural isolado em 1972 chamado rapamicina, em homenagem a Rapa Nui, nome dado � Ilha de P�scoa por seus ind�genas.


Suren Sehgal fazendo estudos no laboratório(foto: Foto cortesía de Ajai Sehgal)
Suren Sehgal fazendo estudos no laborat�rio (foto: Foto cortes�a de Ajai Sehgal)

Al�m disso, embora pare�a contradit�rio que algo que impede uma defesa contra tumores possa ser uma prov�vel droga antic�ncer, Sehgal observou que esse composto parecia possuir novas propriedades, pois poderia impedir a multiplica��o das c�lulas.

Em uma �poca em que todas as quimioterapias matavam as c�lulas vivas, ter algo assim poderia ser muito ben�fico.

Sehgal enviou uma amostra do composto para o Instituto Nacional do C�ncer dos Estados Unidos (CIN, por sua sigla em ingl�s), onde eles observaram que ele tinha uma "atividade fant�stica" contra tumores s�lidos.

O trabalho nessa dire��o estava produzindo resultados promissores quando foi interrompido abruptamente.

Desobediente

Em 1982, a Ayerst decidiu fechar seu laborat�rio de pesquisa em Montreal e transferir alguns de seus cientistas para suas instala��es em Princeton, em New Jersey, Estados Unidos.

O doutor Sehgal foi um deles, mas a rapamicina n�o teve a mesma sorte.

Era simplesmente uma quest�o de neg�cios. A empresa n�o via um futuro lucrativo para ela como medicamento e ent�o decidiu encerrar o projeto.

A ordem era desfazer tudo, arquivar e esquecer.

"Meu pai fez o oposto", lembra Ajai.

Sabendo que o fechamento das instala��es em Montreal significava que ele n�o teria acesso aos fermentadores em grande escala necess�rios para produzir rapamicina, Sehgal preparou um lote para levar a Princeton.

"Ele colocou em pequenos potes de vidro, os levou para casa e colocou no freezer da minha m�e, marcado com um r�tulo que dizia: N�O COMA, pois parecia sorvete."


Sehgal colocou rapamicina em potes de vidro e os colocou no congelador de casa(foto: Getty Images)
Sehgal colocou rapamicina em potes de vidro e os colocou no congelador de casa (foto: Getty Images)

Ajai soube da travessura do pai quando foi ajudar a fazer as malas para a mudan�a para Princeton e foi encarregado de garantir que sua preciosa (e clandestina) carga chegasse em seguran�a � nova casa.

"Eu tinha 20 anos e era oficial das For�as Armadas canadenses na �poca. Mas fiz aquilo pelo meu pai. Coloquei tudo em um pote de sorvete, comprei gelo seco porque tivemos que desligar o freezer para colocar no caminh�o de lixo. Lacrei tudo com fita isolante e fiz furos porque quando o gelo seco derrete cria di�xido de carbono, e eu n�o queria que se tornasse uma bomba."

O plano funcionou.

"O congelador chegou ao por�o da nova casa, em Princeton, sem explodir e com todas as amostras intactas, e elas permaneceram l� por cerca de 5 anos."

Um novo come�o

No final da d�cada de 1980, os transplantes de �rg�os n�o eram mais fic��o cient�fica. Mas o grande obst�culo ainda era o sistema imunol�gico, que se ativava e atacava a parte estranha do corpo, colocando em risco a vida dos pacientes devido � rejei��o.

Era necess�rio um imunossupressor. Mas voc� se lembra que os aprovados eram perigosos e pouco eficazes?

A essa altura, a empresa para a qual Sehgal trabalhava havia mudado e ele levou aos novos gerentes da agora chamada Wyeth-Ayerst a ideia de testar se a rapamicina poderia ser a solu��o para os transplantes.


Os transplantes de órgãos eram uma realidade, mas também tinham muitos riscos(foto: Getty Images)
Os transplantes de �rg�os eram uma realidade, mas tamb�m tinham muitos riscos (foto: Getty Images)

Do ponto de vista do farmac�utico, era hora de ressuscitar o projeto: havia muito ouro no final daquele arco-�ris.

"'Mas eles disseram: 'como voc� continuar� seu trabalho se todas as amostras foram destru�das?'. 'Talvez n�o'", respondeu ele.

"Na �poca, ele n�o tinha ideia se as amostras que estavam no freezer ainda estavam vivas e se ele poderia fazer mais rapamicina com elas: � como fermento para fazer p�o, ou a cultura inicial para iogurte. No laborat�rio, ele verificou que haviam sobrevivido. A partir do que meu pai guardou, novos lotes foram criados para fazer os estudos", lembra Ajai.

Como se fosse pouco…

Depois de tantos anos acreditando no projeto, mas sem poder coloc�-lo em pr�tica, Sehgal finalmente teve, em 1987, os meios para trazer de volta � luz o que havia sido desenterrado na Ilha de P�scoa.

Ap�s v�rios estudos cl�nicos bem-sucedidos, em 1999 o Comit� Consultivo da FDA fez uma recomenda��o un�nime para a aprova��o do Rapamune, o imunossupressor desenvolvido por Sehgal e sua equipe, que resultou em ganhos multimilion�rios � Wyeth-Ayerst e, desde 2009, � Pfizer.

Mas Sehgal n�o queria apenas desenvolver o potencial da rapamicina como um f�rmaco.

Ele convenceu o CIN a reativar suas pesquisas sobre seu efeito em tumores malignos e queria entender como funcionava. Por que a rapamicina 'congelava o tempo' onde tocava?

Com essa finalidade, Sehgal enviou amostras e informa��es do composto a diversos centros de estudos.

O agora bi�logo Daniel Sabatini, que em 1992 estava fazendo seu doutorado em medicina e filosofia, encontrou um desses pacotes de Sehgal com um recado que dizia: "Boa sorte!"

E Sabatini certamente a teve.

"Ele descobriu o mecanismo de a��o da droga: como ela funciona", conta Ajai.

Os esfor�os para entender isso levaram Sabatini e outros cientistas a identificarem de forma independente uma prote�na conhecida como mTOR, revelando aspectos fundamentais sobre nossa natureza biol�gica.

Mas o que � isso

"Imagine um canteiro de obras. O empreiteiro geral � o encarregado de dizer aos encanadores, carpinteiros, eletricistas, pedreiros etc. o que fazer. Se houver tijolos e argamassa suficientes, ele ordena que as paredes sejam erguidas. Se os canos n�o chegarem at� amanh�, ele manda os encanadores pararem de trabalhar. O mTOR faz isso para a c�lula", exemplifica Ajai.

"� um sensor. Ele detecta se h� nutrientes e diz � c�lula para crescer ou n�o crescer."


Ilustração representa a estrutura da mTOR(foto: Emw)
Ilustra��o representa a estrutura da mTOR (foto: Emw)

� um indicador fundamental: se, por exemplo, a divis�o celular come�a sem os n�veis ideais de amino�cidos, glicose, insulina, leptina e oxig�nio para alimentar o processo, a c�lula morre em vez de se multiplicar.

O que a rapamicina faz � induzir as c�lulas do corpo a pensar que h� poucos nutrientes mesmo quando tem bastante, paralisando o crescimento.

E o que os cientistas est�o come�ando a entender � que essa n�o � a �nica coisa que acontece.

Voltando ao canteiro de obras, enquanto voc� trabalha, tem peda�os aqui, entulho ali. Mas se tiver que suspender tudo repentinamente por falta de materiais, a empreiteira vai mandar os oper�rios limparem e organizarem a obra at� eles chegarem.

Acontece que, quando a rapamicina engana o mTOR, ela faz o mesmo com as c�lulas: diz a elas para se limparem, j� que elas acumulam dep�sitos de res�duos que n�o eliminam e com o tempo as tornam menos eficientes.

Isso � basicamente envelhecer.

"A c�lula se limpa e se repara porque pensa que n�o ser� reabastecida", diz Ajai.

O que aconteceu com o pai de Ajai?

Sehgal recebeu a admira��o do mundo m�dico e os agradecimentos de milh�es a quem a rapamicina proporcionou uma vida mais longa.

Ele aprendeu sobre o mTOR e a resposta que o intrigava: por que congelava o tempo. Mas ele n�o sabia sobre a limpeza celular que ela promove. Mas, mesmo assim, foi um pioneiro.

De certa forma, Sehgal fez com o pr�prio corpo o que muitos pesquisadores fariam, e continuam fazendo, com animais em laborat�rios.

Em 1998, ele foi diagnosticado com c�ncer de c�lon metast�tico em est�gio 4 ap�s uma colonoscopia de rotina.

"Depois do primeiro ano de quimioterapia, que ele n�o conseguia mais tolerar. O c�ncer o estava matando. Ent�o, ele decidiu parar e come�ar a tomar rapamicina."

"Ele sabia que suprimia tumores. O tumor � uma c�lula nociva que cresce fora de controle e a rapamicina impede isso. Ele estava fazendo experi�ncias em si mesmo, mas deram-lhe apenas seis meses de vida, ent�o ele n�o poderia tornar a situa��o muito pior", ressalta o filho.

"Ele melhorou. Na verdade, ele viveu uma vida boa por 4 anos, conheceu os netos e eles o conheceram. E um dia, numa viagem � �ndia para dar palestras, ele disse para minha m�e: 'Eu me sinto bem, mas eu nunca saberei se a rapamicina est� me mantendo vivo, a menos que eu pare de tom�-la.' E foi o que ele fez."

"Em quest�o de 6 meses, o c�ncer tomou o corpo dele inteiro e isso foi tudo. Acabou. Em seu leito de morte, ele me disse: 'A coisa mais est�pida que fiz foi parar de tomar meu rem�dio'. Mas essa era a natureza dele. Ele era um cientista e precisava saber."

"Al�m disso, ele estava tentando convencer outras pessoas a iniciarem ensaios cl�nicos contra o c�ncer e estava animado, basicamente por causa do que fez. Porque ele documentou tudo e assim foi."

"Ele trabalhou at� o fim. Um dia antes de morrer, ele estava escrevendo um artigo na cama defendendo as propriedades antitumorais da rapamicina."

Seghal morreu no dia 21 de janeiro de 2003.

Os usos da rapamicina continuam se multiplicando, como imunossupressor e para tratamento de diferentes tipos de c�ncer e outras doen�as. No momento, dezenas de estudos tamb�m est�o em andamento para explorar seu potencial para diminuir as consequ�ncias negativas do envelhecimento.

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