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Estado de Minas ALIMENTA��O

Como as comidas processadas se tornaram t�o danosas � sa�de

O processamento de alimentos nos ofereceu preserva��o, consist�ncia e inova��o; em que momento ele se tornou associado a alimentos que fazem mal � sa�de?


02/08/2021 15:47 - atualizado 02/08/2021 16:15

(foto: Kevin Twomey/Getty Images)
(foto: Kevin Twomey/Getty Images)

Desde o momento em que um humano antigo inovador decidiu cozinhar sua carne na fogueira, h� pelo menos 400 mil anos, at� o advento da agricultura, de 10 mil a 15 mil anos atr�s, as pessoas processam alimentos.

 

Nossos ancestrais faziam fermenta��o (essencial para o �lcool e latic�nios), mo�am e assavam (p�es e massas) e descobriram como conservar a carne salgando-a ou deixando em salmoura.

O processamento de alimentos foi essencial para a expans�o da civiliza��o humana.

Mas como ele se tornou sin�nimo de dietas com alto teor de gordura, a��car e sal? E ser� que os alimentos processados %u200B%u200Bque consumimos hoje t�m alguma semelhan�a com suas formas originais?

 

 

 

Cada uma das primeiras formas de processamento de alimentos mencionadas acima tem um prop�sito claro: cozinhar adiciona sabor e amacia os alimentos — tornando as ra�zes e legumes mais f�ceis de mastigar e de se extrair nutrientes a partir delas.

Fermentar, moer e assar tamb�m tornam alguns alimentos mais acess�veis do ponto de vista nutricional e mais f�ceis de digerir.

� muito dif�cil para nosso corpo extrair qualquer coisa �til de um gr�o de trigo, mas ao ferment�-lo para produzir cerveja ou mo�-lo em forma de farinha, voc� consegue obter um alimento rico em calorias.

T�cnicas como o salgamento e a pasteuriza��o tornam os alimentos mais seguros e prolongam sua dura��o.

Isso permitiu que os humanos viajassem mais longe e sobrevivessem a invernos frios ou per�odos de fome severa.

Ainda fazemos isso hoje. Grande parte do processamento de alimentos consiste em tornar os alimentos mais seguros e duradouros, o que � melhor para o meio ambiente, pois significa menos desperd�cio de comida.

Mas � claro que alguns alimentos processados %u200B%u200Bfazem muito mal � sa�de. Em que momento isso aconteceu?

O 4º Conde de Sandwich talvez seja mais conhecido por dar seu nome ao que conhecemos hoje como duas fatias de p�o com um recheio no meio. No entanto, tamb�m tem o dedo dele em algo b�sico nas refei��es — o refrigerante.

As bebidas com g�s surgiram na Gr�-Bretanha h� 250 anos. O conde de Sandwich detinha ent�o o t�tulo de primeiro lorde do almirantado e supervisionava o bem-estar da Marinha brit�nica.

As viagens mar�timas no s�culo 18 eram lentas e terr�veis. Podiam durar meses longe da terra e do suprimento de �gua e alimentos frescos.


As primeiras bebidas com gás à base de cola eram comercializadas como tônicos saudáveis, graças ao efeito estimulante da cola, das folhas de coca e da cafeína(foto: Stockfotocz/Getty Images)
As primeiras bebidas com g�s � base de cola eram comercializadas como t�nicos saud�veis, gra�as ao efeito estimulante da cola, das folhas de coca e da cafe�na (foto: Stockfotocz/Getty Images)

As tripula��es dependiam de seus suprimentos.

A �gua podia ser armazenada por semanas ou meses no por�o (a dessaliniza��o era uma ci�ncia incipiente e ainda n�o era amplamente usada no s�culo 18), onde apodrecia e ficava ran�osa. N�o � de se admirar que os marinheiros preferissem rum.

Em busca de uma maneira de tornar a �gua pot�vel vencida mais palat�vel, Sandwich recorreu ao qu�mico Joseph Priestley.

A �gua com g�s natural de nascentes j� era consumida por seus benef�cios � sa�de — Priestley queria fabricar a sua pr�pria.

Em um panfleto de 1772, Priestley descreveu um m�todo de produ��o de 15 minutos de um recipiente de "�gua impregnada com ar fixo [di�xido de carbono]".

Ele acreditava que a �gua com g�s (carbonatada) — que ele chamava de �gua medicinal — poderia prevenir o escorbuto:

"Em geral, as doen�as nas quais a �gua impregnada com ar fixo provavelmente ser�o �teis s�o aquelas de natureza p�trida", ele escreveu.

Ele estava errado. Mas esbarrou com algo razoavelmente �til: a �gua gaseificada � ligeiramente �cida, o que significa que � um pouco antimicrobiana e, portanto, fica ran�osa mais lentamente do que a �gua fresca.

"As bact�rias n�o s�o grandes f�s do �cido carb�nico", diz Michael Sulu, engenheiro bioqu�mico da Universidade College London (UCL), no Reino Unido.


O chocolate que apreciamos hoje é um alimento muito mais processado e refinado do que aquele consumido pelos astecas séculos atrás(foto: Mauricio Palos/Bloomberg/Getty Images)
O chocolate que apreciamos hoje � um alimento muito mais processado e refinado do que aquele consumido pelos astecas s�culos atr�s (foto: Mauricio Palos/Bloomberg/Getty Images)

Com a aprova��o do conde de Sandwich, a �gua medicinal de Priestley foi um sucesso.

Impulsionadas pela inova��o, as �guas medicinais decolaram. Os primeiros exemplos bem-sucedidos inclu�am a �gua t�nica, feita com quinino da casca da �rvore da cinchona, que agia como um antimal�rico.

A �gua t�nica com quinino foi amplamente consumida pelos europeus a partir de meados do s�culo 19 por esse motivo (embora as propriedades antimal�ricas da casca de cinchona fossem conhecidas havia s�culos pelos ind�genas sul-americanos).

O que aconteceu a seguir � uma hist�ria semelhante a de muitos dos alimentos altamente processados %u200B%u200Bnas prateleiras do supermercado.

Os refrigerantes modernos com alto teor de a��car s�o "fortemente vilipendiados", diz Sulu — bem longe de suas origens ben�ficas.

Da mesma forma, os cereais matinais est�o muito distantes dos gr�os que nossos ancestrais mo�am, e o chocolate, as carnes, os latic�nios e at� mesmo o sorvete moderno seriam irreconhec�veis para nossos ancestrais.

Ent�o, como chegamos a esse ponto?

A busca por extratos naturais para fortificar as bebidas com g�s no s�culo 19 levou a �guas medicinais ainda mais ex�ticas. V�rias empresas come�aram a produzir bebidas estimulantes e cafeinadas com extratos da noz de cola.

A Pepsi-Cola, originalmente inventada na d�cada de 1890 e chamada de "Brad's Drink", era um digestivo.

Acredita-se que seu nome seja uma refer�ncia � pepsina, uma das enzimas digestivas, ou � dispepsia, o nome cient�fico da indigest�o, e ao sabor de cola, embora a receita n�o contivesse noz de cola nem pepsina.

A Coca-Cola, aromatizada com noz-de-cola e folhas de coca, foi anunciada pela primeira vez como um "t�nico cerebral ideal" no fim do s�culo 19.

A combina��o de cafe�na e folhas de coca a tornava uma bebida estimulante.

As folhas da coca s�o mastigadas cruas ou preparadas no ch� para liberar seus agentes psicoativos por ind�genas sul-americanos h� s�culos. (A Coca-Cola diz que a bebida nunca conteve coca�na, que pode ser derivada de folhas de coca).


Em alguns alimentos altamente processados, os açúcares naturais são substituídos por xarope de milho rico em frutose, que é altamente calórico(foto: PR Image Factory/Getty Images)
Em alguns alimentos altamente processados, os a��cares naturais s�o substitu�dos por xarope de milho rico em frutose, que � altamente cal�rico (foto: PR Image Factory/Getty Images)

� medida que os consumidores come�aram a pedir sabores, cheiros e cores consistentes, e as regras e regulamentos passaram a proibir certos ingredientes, os fabricantes de alimentos tiveram que adaptar seus produtos.

Foi a demanda por um condimento consistente de tomate, por exemplo, que levou ao desenvolvimento do ketchup da Heinz.

O sabor e a textura de um produto podem ser recriados com um extrato em vez de um ingrediente integral? Os avan�os na qu�mica estavam tornando isso poss�vel. E podiam deixar os alimentos mais baratos.

"O problema � que, no �ltimo meio s�culo, um tipo diferente de processamento de alimentos foi desenvolvido", diz Fernanda Rauber, epidemiologista nutricional da Universidade de S�o Paulo (USP), sobre o que hoje chamamos de "alimentos ultraprocessados "

"Estas subst�ncias n�o seriam encontradas em nossa cozinha. Normalmente, cont�m pouca ou nenhuma propor��o de alimentos de verdade."

"Muito comumente, eles usam o que chamamos de aditivos cosm�ticos — cores, sabores, espessantes, emulsificantes, agentes gelificantes — para melhorar as propriedades sensoriais dos alimentos, para dar algo � subst�ncia que de outra forma n�o teria gosto de nada, apenas de amido puro", diz Priscila Machado, nutricionista de sa�de p�blica da Universidade Deakin, em Geelong, na Austr�lia.

"O problema quando voc� pensa sobre essas subst�ncias � que isoladamente elas n�o adicionam nada particularmente nutritivo � comida. O alimento � mais do que a soma dos nutrientes que ele cont�m. N�o h� antioxidantes e fitoqu�micos que encontragmos em alimentos integrais, se eles s�o retirados no processamento."

Mesmo quando os nutrientes s�o adicionados de volta, como cereais fortificados com ferro ou fibras, a comida pode n�o ser t�o saud�vel quanto parece. Nutrientes adicionados n�o funcionam t�o bem quanto aqueles encontrados em alimentos integrais, diz ela.

"S�o esses fitoqu�micos — flavonoides, polifen�is — que oferecem benef�cios � sa�de", concorda Eileen Gibney, vice-diretora do Instituto de Alimentos e Sa�de da University College Dublin, na Irlanda.

Se voc� checar a lista de ingredientes da Coca-Cola moderna, encontrar� apenas "sabores naturais", cuja f�rmula � segredo.


Deveríamos substituir os açúcares refinados por aqueles que ocorrem naturalmente, como a frutose encontrada nas frutas?(foto: Tim Green/Getty Images)
Dever�amos substituir os a��cares refinados por aqueles que ocorrem naturalmente, como a frutose encontrada nas frutas? (foto: Tim Green/Getty Images)

A Coca-Cola ainda continha extratos da folha de coca at� pelo menos 1988, mesmo que a coca�na tenha sido removida muito antes.

A bebida fez sucesso por causa do sabor de coca, n�o por causa de seu efeito "t�nico".

Sulu afirma que parte do processamento moderno de alimentos � feito por motivos est�ticos, e n�o pelo motivo original, que pode ter se tornado redundante.

Assim como as bebidas com g�s, o chocolate moderno est� muito distante de sua vers�o original.

O chocolate � origin�rio da antiga Mesoam�rica, onde os gr�os de cacau eram fermentados como uma bebida quente de sabor amargo.

Sabemos de uma maneira geral como esse chocolate quente era preparado ao analisar camadas de res�duos absorvidos no interior das cer�micas dos antigos maias: os gr�os de cacau eram mo�dos, mas n�o em um p� seco como poder�amos esperar hoje — e, sim, em uma polpa oleosa.

Ap�s a fermenta��o, os �leos ficariam na parte de cima da bebida, e os gr�os afundariam, criando camadas no interior dos copos.

Representa��es de consumidores de chocolate quente nas obras de arte dos antigos maias tamb�m revelam que a bebida pode ter sido destinada ao uso comum em cerim�nias.

Os astecas foram respons�veis pela inova��o seguinte em termos de chocolate, optando por tomar seu chocolate frio e temperado.

Separar a gordura da manteiga, moer e torrar a massa de gr�o seco para produzir cacau em p� foi uma inova��o que veio depois e pode ter facilitado o armazenamento e transporte.

Ao secar o p�, o chocolate poderia ser comercializado como mercadoria ou transportado de navio pelos mares. N�o precisava mais ser preparado apenas fresco para cerim�nias.

Os qu�micos come�aram a experimentar novas reformula��es para o chocolate � medida que o mercado de confeitaria crescia.

Mas s� na d�cada de 1840 que algu�m tentou produzir em massa uma barra de chocolate s�lida misturando cacau em p�, a��car e manteiga de cacau.

Hoje, a adi��o de a��car contribui para muitos dos problemas de sa�de que as pessoas associam aos alimentos processados %u200B%u200B(eles representam mais de 10% do total de calorias das pessoas).

Mas nem sempre foi o caso. O a��car foi por muito tempo um produto de luxo.


O que usaremos no futuro para melhorar o sabor e a capacidade de armazenamento dos alimentos?(foto: Olivia Bell/Getty Images)
O que usaremos no futuro para melhorar o sabor e a capacidade de armazenamento dos alimentos? (foto: Olivia Bell/Getty Images)

Ent�o, por que o a��car refinado � adicionado em tanta quantidade aos alimentos processados, e por que n�o usamos mais a��cares naturais, como a frutose?

"A��cares obtidos por s�ntese qu�mica, como xarope de milho rico em frutose e a��car invertido, s�o ingredientes comuns de baixo custo em alimentos ultraprocessados", diz Rauber.

"Os a��cares s�o usados %u200B%u200Bem grandes quantidades pela ind�stria para dar sabor a alimentos que tiveram seus sabores intr�nsecos processados %u200B%u200Be para mascarar sabores desagrad�veis %u200B%u200Bno produto final. Esses a��cares n�o s�o usados %u200B%u200Bapenas como ado�antes, mas t�m fun��es tecnol�gicas importantes nos alimentos, proporcionando textura, volume, cor e atuando como conservantes."

� verdade que as frutas cont�m muito a��car natural, "mas (o n�vel) � surpreendentemente baixo para a do�ura que voc� obt�m", diz Sulu.

Em compara��o, os produtos de confeitaria processados %u200B%u200Bcont�m mais a��cares para alcan�ar a mesma do�ura.

Grande parte do a��car est� l� para encorpar os alimentos processados.

O a��car, a gordura e o sal t�m sido tema de campanhas de sa�de p�blica, mas, como diz Rauber, nem sempre � simples retir�-los de alimentos em que cumprem uma fun��o qu�mica.

Veja, por exemplo, as emuls�es adicionadas a alimentos com baixo teor de gordura para dar a sensa��o de gordura na boca, que � amplamente considerada como o "sexto sabor".

Podemos precisar nos acostumar a mais processamento — mas por raz�es de sa�de p�blica — no futuro, conforme encontrarmos maneiras de manter os alimentos frescos e com sua melhor apar�ncia sem esses ingredientes.

Encontrar novas maneiras de estruturar os alimentos ser� uma forma importante de processamento de comida no futuro, concorda Gibney, � medida que avan�amos em dire��o a uma dieta � base de plantas.

"As dietas � base de plantas realmente v�o desafiar o conceito de que vamos processar menos", diz ela.

"A natureza de ter que extrair nutrientes das plantas para criar produtos que os consumidores v�o querer que tenham o mesmo sabor, textura e cheiro significar� que precisaremos processar alimentos."

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

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