
Clara Nunes est� de volta � Portela e, desta vez, como grande estrela do samb�dromo. Com o enredo Na Madureira modern�ssima, hei de sempre ouvir cantar uma sabi�, a sambista mineira ser� reverenciada pela quarta vez na azul e branco de Oswaldo Cruz e Madureira, sua escola de cora��o. Na primeira homenagem, em 1984, foi exaltada no enredo Contos de areia, um ano ap�s sua morte. Vinte e oito anos depois, a trajet�ria da cantora foi o fio condutor do enredo E o povo na rua cantando... � feito uma reza, um ritual. H� dois anos, a imagem de Clara fechou o desfile Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar?, que faturou o carnaval daquele ano.
A sambista desfilou na escola durante aproximadamente dez anos, gravou sambas-enredo e, em 1975, defendeu na avenida o samba-enredo Macuna�ma, her�i de nossa gente. Agora, Clara Nunes � tema de um enredo inteiro.
A rela��o entre a azul e branco de Oswaldo Cruz e Madureira e a mineira de Caetan�polis come�ou nos anos 1970 e de uma forma inusitada, como lembra Vagner Fernandes, autor do livro Clara Nunes, guerreira da utopia. Foi por interm�dio do namorado Aurino Ara�jo, fazendeiro de Joa�ma, que Clara acabou sendo recebida com tapete vermelho na Portela. Aurino tornou-se amigo de Natal da Portela (Natalino Jos� do Nascimento), naquela �poca patrono da agremia��o, quando ele estava preso em Ilha Grande, assim como Carlos Imperial. Aurino costumava fazer visitas a Imperial, com quem dividia um apartamento no Rio de Janeiro, onde moravam tamb�m seu irm�o Eduardo Ara�jo e Clara.
“Clara j� havia visitado outras escolas, mas foi abra�ada pela Portela”, diz o autor do livro, cuja segunda edi��o acaba de ser lan�ada, com direito a feijoada na quadra da escola. Para o escritor, apesar do tempo relativamente curto de conviv�ncia da sambista com a escola – “Foram apenas 13 anos, entre 1970 a 1983, muito pouco, se comparado a sambistas com 30, 40 anos de vida em uma escola” – a intensidade da rela��o foi muito grande.
“At� hoje o legado dela � compreendido de forma concreta pelas novas gera��es. � um legado atemporal”, afirma. “Clara �, sobretudo, uma personagem muito importante para a cultura nacional. Ela nunca foi panflet�ria, mas sempre se posicionava, propondo discuss�es de identidade de g�nero, contra o preconceito racial e de credo. Clara era altamente politizada”, emenda.
MEM�RIAS Sobrinho da int�rprete, M�rcio Guima cita como boas mem�rias na Portela a amizade da cantora com Monarco e Candeia, compositor de O mar serenou, “um dos maiores sucessos de tia Clara”. Ele lembra ainda que a admira��o entre os artistas era rec�proca. Todos os anos, no dia 12 de agosto, anivers�rio da mineira, a Velha Guarda � convidada do Festival Cultural Clara Nunes, em Caetan�polis.
M�rcio ainda n�o sabe em qual ala da Portela ele desfilar�, mas acredita que outros sobrinhos e sobrinhos-netos da homenageada ver�o a Portela da arquibancada, no samb�dromo carioca. Nenhum dos sete irm�os de Clara est� vivo. Mariquita, a �ltima que restava do cl�, morreu em 2017.
Secret�ria municipal de Cultura de Caetan�polis, Marilene Ara�jo acredita que, com a homenagem, o pa�s n�o ter� mais d�vidas de que Clara � filha da cidade. “Muita gente ainda acredita que ela � de Paraopeba, munic�pio pr�ximo.”
A Portela ser� a terceira escola a entrar na Sapuca�, na segunda-feira de carnaval. O enredo ser� apresentado em 28 alas, com cinco carros aleg�ricos, um trip� e aproximadamente 3.400 componentes. No barrac�o, o nome de quem representar� Clara Nunes ainda � segredo, mas os pais dela, Manuel e Am�lia, ser�o representados pelos atores Gloria Pires e Orlando Moraes. O custo do desfile est� or�ado em R$ 8 milh�es.
Segundo F�bio Pav�o, membro da dire��o de carnaval da escola e presidente do conselho deliberativo, a Portela busca cada vez menos a sobreviv�ncia pela verba p�blica. “Tem sido assim nos �ltimos cinco anos, com a amplia��o na forma de capta��o de recursos, como eventos da quadra, projetos de branding para valorizar marcas. E, claro, estamos procurando nos adequar para enfrentar o momento atual do pa�s”.
Entre as novidades deste ano, est� o convite feito pela Portela ao estilista franc�s Jean Paul Gaultier para desenhar fantasias de ala no setor dos antigos carnavais. Ele passou alguns dias no Rio de Janeiro e foi acompanhado pela carnavalesca Rosa Magalh�es.
ENSAIOS Rosa � um dos nomes mais importantes do carnaval carioca e volta ao samb�dromo pelo segundo ano consecutivo no posto de carnavalesca da azul e branco de Oswaldo Cruz, zona Norte do Rio. Apesar da proximidade com o desfile, Rosa leva uma vida tranquila que ainda n�o exige sua mudan�a para o barrac�o. “Pela manh�, vou ao banco, por exemplo, e organizo coisas de casa. E planejo algumas coisinhas do desfile. � tarde, vou para o barrac�o”, diz ela, cuja grande emo��o at� agora “� ver a comunidade cantando o samba e se emocionando durante os ensaios”.
A hist�ria dos desfiles memor�veis do Grupo A passa por Rosa Magalh�es, que come�ou a trajet�ria em 1971, com o enredo Festa para um rei (Pega no ganz�), no Salgueiro. “Estava na Faculdade de Belas Artes ainda. Acabei sendo chamada para fazer os figurinos no lugar de uma amiga, que teve que se afastar do processo, pois estava gr�vida. Lembro que comprei ingresso de arquibancada e fui ver o desfile pela primeira vez naquele ano. Agora, estou perto de completar 50 carnavais de atividade”, relembra ela.
Rosa coleciona oito t�tulos de campe�, entre eles o do Imp�rio Serrano em 1982, com o inesquec�vel Bumbum paticumbum prugurundum, e o mais recente, de 2013, com A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – �gua no feij�o que chegou mais um..., com a Vila Isabel.
Assim como a grande maioria dos t�cnicos de futebol, a carnavalesca tamb�m prefere n�o revelar sua escola do cora��o. “Sim, � melhor” (risos), responde ela, por e-mail.
NA PONTA DA L�NGUA
Confira o samba-enredo em homenagem � cantora mineira
Na Madureira modern�ssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabi�
Autores do samba-enredo: Jorge do Batuke, Valtinho Botafogo, Rog�rio Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, Jos� Carlos, Z� Miranda, D’Souza e Araguaci
Ax�... sou eu
Mesti�a, morena de Angola, sou eu
No palco, no meio da rua, sou eu
Mineira, faceira, sereia a cantar, deixa serenar
Que o mar... de Oswaldo Cruz a Madureira
Mareia... a brasilidade do “Meu lugar”
Nos versos de um cantador
O canto das ra�as a me chamar
De p� descal�o no templo do samba estou
� rosa, � renda, pra �guia se enfeitar
Folia, furdun�o, ijex�
Na festa de Ogum Beira-mar
� ponto firmado pros meus orix�s
Eparrei Oy�, Eparrei...
Sopra o vento, me faz sonhar
Deixa o povo se emocionar (refr�o)
Sua filha voltou, minha m�e
Pra ver a Portela t�o querida
E ficar feliz da vida
Quando a Velha Guarda passar
A negritude aguerrida em prociss�o
Mais uma vez deixei levar meu cora��o
A Paulo, meu professor
Natal, nosso guardi�o
Candeia que ilumina o meu caminhar
Voltei � avenida saudosista,
Pro azul e branco modernista... eternizar
Voltei, fiz um pedido � Padroeira
Nas cinzas desta quarta-feira... comemorar
Nossas estrelas no c�u est�o em festa
L� vem Portela com as b�n��os de Oxal�
No canto de um sabi� (refr�o)
Sambando at� de manh�
Sou Clara Guerreira, a filha de Ogum com Ians�
Tr�s perguntas para...
ROSA MAGALH�ES
carnavalesca
Como � desenvolver o enredo que presta homenagem a uma das figuras mais admiradas na Portela?
� um enredo muito especial. A Clara deixou um grande legado para o samba, para a MPB e para a Portela. O portelense tem uma rela��o muito bonita com ela. O enredo foi baseado no livro do Vagner Fernandes (Clara Nunes, guerreira da utopia) e em outras fontes tamb�m. Qualquer pessoa gosta do trabalho dela. Minha m�sica preferida dela � Guerreira.
Qual a contribui��o de Jean Paul Gaultier ao desfile da Portela e � sua premiada carreira de carnavalesca?
Para mim, � uma honra poder desenvolver um trabalho ao lado do Jean Paul. Desenhamos juntos a fantasia de uma das alas. Cada um deu suas contribui��es, e eu tentei deix�-lo bem � vontade. Ele veio ao barrac�o, primeiro. No dia seguinte, participamos de uma feijoada. No terceiro dia, almo�amos juntos mais reservadamente e conversamos bastante. Sobre a obra dele, o que mais acho legal � o fato de ele produzir figurinos para grandes espet�culos de teatro e de m�sica.
Desenvolver um enredo em tempos t�o apertados, em que todo tipo de economia � uma exig�ncia, estimula a criatividade ou faz a tens�o se tornar maior?
Est� sendo um ano muito dif�cil para todas as escolas, mas elas v�o se superar. Cada uma vai fazer o que sabe de melhor.