
“A ignor�ncia dos homens destas eras/Sisudos faz ser uns, outros prudentes/Que a mudez canoniza bestas feras.” � sob o som do cavaquinho de Rodrigo Campos (Passo Torto) e do saxofone de Thiago Fran�a (Met� Met�) que Jards Macal�, de 75 anos, entoa os versos de Greg�rio de Matos. Na adapta��o de Macal�, o poema Aos v�cios, do maior poeta barroco que o Brasil j� teve, se tornou Besta fera. � esse tamb�m o t�tulo de seu novo �lbum, o primeiro de can��es in�ditas em 20 anos.
Com lan�amento nesta sexta-feira (8) em todas as plataformas digitais – e com edi��o em CD e vinil – pela Natura Musical, Besta fera � um disco primordialmente de samba. Mas um samba torto, ao sabor de Macal� e da trupe que ele reuniu para o projeto. O �lbum, com 12 faixas, teve dire��o do pr�prio compositor carioca, produ��o musical de Kiko Dinucci (tamb�m do Met� Met�) e Thomas Harres e dire��o art�stica de R�mulo Fr�es.
No intervalo das duas d�cadas entre O q fa�o � m�sica (1998), at� ent�o seu mais recente trabalho com can��es in�ditas, e Besta fera, Macal� continuou na ativa. De tr�s em tr�s anos, em m�dia, lan�ou discos – com registros como int�rprete, ou discos ao vivo, ou ainda projetos coletivos. Tamb�m foi visto constantemente nos palcos.
Nos �ltimos dois anos, encontrou-se em festivais Brasil afora com alguns dos m�sicos e produtores envolvidos na realiza��o do disco – boa parte deles, por sinal, atuou nos discos Mulher do fim do mundo (2015) e Deus � mulher (2018), de Elza Soares. Thomas Harres, baterista de sua banda, convidou-o para um show experimental no Rio, ao lado de Kiko Dinucci. O terreno estava montado, conta Macal�, para fazer um novo trabalho com um grupo “paulioca”. A maioria dos envolvidos � de S�o Paulo; Macal�, carioqu�ssimo da Tijuca.
BARULHO “Este disco traz faixas que fazem barulho, mas ele foi constru�do no sil�ncio”, conta o compositor. Dono de um s�tio em Penedo, na Serra da Mantiqueira, Macal� convidou Dinucci e Harres para uma imers�o no local. A maneira de trabalhar foi semelhante � que experimentou, em 1998, com o pianista Crist�v�o Bastos, arranjador de O q fa�o � m�sica. E voltando ainda mais no tempo, para seu primeiro �lbum solo, Jards Macal� (1972), reuniu-se durante tr�s semanas com o baterista Tutty Moreno e o guitarrista Lanny Gordin no por�o do Teatro Opini�o, no Rio.
“A ideia � sempre chegar no est�dio com o trabalho semipronto”, comenta. Para Besta fera, houve um convite para que compositores enviassem letras. Dessa maneira, o trabalho traz parcerias de Macal� com Ava Rocha (Limite) e Tim Bernardes (Buraco da Consola��o). Do encontro no s�tio em Penedo sa�ram Vampiro de Copacabana (com Kiko Dinucci), Meu amor e meu cansa�o (com Harres, Dinucci e Fr�es) e Peixe (com Dinucci e Rodrigo Campos).
“Ainda fui pesquisando no meu ba�. Algumas m�sicas estavam nele, como Obst�culos, Tempo e contratempo, Valor e Pacto de sangue (esta com letra de Capinam). Na verdade, a composi��o foi toda conjunta”, diz Macal�.
SAMBA Besta fera encontra parentesco com o disco de 1972, j� que os arranjos foram todos coletivos. Foi no est�dio – Red Bull, em S�o Paulo – que a sonoridade ganhou forma. Dos muitos sambas do disco, destacam-se Vampiro de Copacabana, com a participa��o de cantoras da Velha- Guarda da Nen� de Vila Matilde; Longo caminho do sol, um samba com sotaque paulista – “� meio Nelson Cavaquinho, meio Adoniran Barbosa” –; De tempo e contratempo, um encontro do samba com o maxixe; Buraco da Consola��o, voltado para o samba-can��o. Mas nem s� samba, diz Macal�. Meu amor e meu cansa�o tem um clima de bolero.
Nome essencial da m�sica brasileira, Macal� esteve ligado desde o primeiro momento ao Tropicalismo. Como arranjador e violonista, atuou, entre as d�cadas de 1960 e 1970, com Maria Beth�nia, Gal Costa, Elizeth Cardoso, Caetano Veloso (arranjou o cl�ssico Transa). Sua por��o ator pode ser vista em filmes de Nelson Pereira dos Santos, Amuleto de Ogum (1974) e Tenda dos milagres (1977), em que participa tamb�m da trilha sonora. Mais recentemente, foi o personagem tema do document�rio Jards (2013), de Eryk Rocha, e ainda viveu uma figura m�stica em Big jato (2016), de Cl�udio Assis.
Artista completo, Macal� � conhecido por n�o fazer concess�es ao mercado. Tanto por isso, sua produ��o autoral � quase bissexta. “Mesmo que eu nunca fa�a a mesma coisa igual, j� estava cansado, havia chegado a hora de vitalizar o meu trabalho”, diz ele a respeito do material in�dito.
No palco, Besta fera chega em mar�o, com os m�sicos que acompanharam Macal� no registro fonogr�fico. “Acho que meu cantar est� mais maduro. Quanto mais velho, mais pessoal fico”, conclui.
CAPA DE CAFI
A capa de Besta fera registra uma imagem de Macal� em contraluz, em que s�o destacados os cabelos e os �culos do compositor. Foi o �ltimo trabalho do fot�grafo Cafi, que fez o registro em 28 de dezembro. Na madrugada de 1º de janeiro, Cafi morreu de infarto, aos 68 anos, no Rio de Janeiro. Mais conhecido fot�grafo da m�sica brasileira, ele realizou cerca de 300 capas de discos. Al�m de �lbuns anteriores do pr�prio Macal�, Cafi fez hist�ria com trabalhos antol�gicos do Clube da Esquina – s�o dele as fotos que ilustram Clube da esquina (1972, o �lbum de Milton Nascimento e L� Borges com os dois garotos na capa), Milagre dos peixes (1973), Minas (1975) e Geraes (1976), todos de Milton, al�m do chamado “disco do t�nis”, como ficou conhecido o LP que L� lan�ou em 1972.
Besta fera
>> Artista: Jards Macal�
>> Natura Musical (12 faixas)
>> sugerido: R$ 25