
“Convidamos os idealizadores do festival para vivenciar a cena de poesia falada de perto, conhecer o trabalho que h� anos � realizado nas escolas, nas ruas e espa�os da cidade. Conhecer a realidade dos poetas marginais e sentir na pele a dificuldade que � publicar, ir e vir, tomar pul�o, pular catraca, manguiar no rol� e ainda elaborar todas essas viol�ncias atrav�s dos versos. Convidamos os idealizadores do festival a construir coletivamente, como temos feito, e compreender que a oralidade, nossa maior riqueza, parte do di�logo, da escuta e � parte fundamental da mem�ria de povos que historicamente s�o negligenciados neste pa�s. Em respeito � mem�ria viva de Maria Carolina de Jesus, n�s repudiamos a realiza��o do Festival”, diz a nota.
O Felim � uma realiza��o do rapper Fl�vio Renegado, por meio de sua associa��o, Arebeldia. Com uma programa��o que se estende at� domingo (24), o festival prev� atividades no Barreiro, Aglomerado da Serra e Alto Vera Cruz. Renegado diz achar que, de fato, faltou di�logo entre a organiza��o do Felim e a cena da literatura marginal na capital mineira. “Concordo que foi convidado um curador que n�o criou a ponte com os movimentos locais. Sou um dos idealizadores. Estava fora da cidade quando o evento foi lan�ado. A programa��o n�o passou pela gente, foi divulgada sem consultar. Quando voltei de viagem, retomei a situa��o. Foram convidados a Pieta (Poeta) e o Jo�o (Paiva)”, diz o rapper.
Listados como participantes da programa��o de hoje, Pieta Poeta e Jo�o Paiva aderiram � nota de rep�dio ao Felim e anunciaram que n�o tomar�o parte no evento. Dalva Soares, que ministraria a palestra “Di�rios e mem�rias – Carolina Maria de Jesus”, �s 19h de hoje, abrindo o evento, tamb�m anunciou sua retirada. Os signat�rios da nota advogam pelo cancelamento do festival.
CONTRAPOSI��O “Se eles fizerem (o festival) vamos fazer uma contracultura, porque esses espa�os s�o nossos. Vamos contrapor, fazer programa��o paralela, como sempre fazemos. Eles n�o v�o se apropriar de um movimento ao qual n�o t�m pertencimento”, afirma a poetisa, ativista e educadora social N�vea Sabino. N�vea aponta que “essa hist�ria n�o come�ou hoje. S�o mais de 20 coletivos de sarau e slam em BH neste momento. Temos um p�blico formado e BH � refer�ncia nacional de poesia falada”. E questiona: “Como as pessoas que movimentam a cidade nem sequer sabiam (do festival) e n�o foram convidadas?”.
No �ltimo dia 5, houve uma tentativa de aproxima��o entre representantes da cena local da poesia e da organiza��o do Felim, numa reuni�o que durou mais de seis horas, segundo um dos participantes contou ao Estado de Minas. Os autores belo-horizontinos reivindicavam ser ouvidos pela curadoria e a maior participa��o de nomes locais na programa��o. De acordo com um dos participantes, a organiza��o do Felim assumiu o compromisso de dialogar com a cena local, mas n�o o fez. Houve tamb�m um desentendimento quanto ao pagamento de cach� aos convidados.
Segundo N�vea, ap�s a reuni�o do dia 5, o Felim convidou poetas de Belo Horizonte para mediar rodas de conversas, oferecendo apenas passagem e alimenta��o, enquanto aos poetas de outros estados � oferecido cach�. Renegado nega a diferen�a de tratamento. “Tratamos todos de forma horizontal. Os palestrantes tamb�m est�o recebendo cach�. A Arebeldia � uma entidade aberta. Eles podem ir l� e conversar com os nossos projetos, n�s prestamos conta.” O rapper diz que o Felim est� sendo realizado com recursos captados via editais p�blicos, mas se recusou a revelar o or�amento e lamentou a a��o do que chama de “for�as paralelas” que seriam contr�rias ao Felim.
“Estamos fazendo um festival pela primeira vez e estamos aprendendo como construir melhor. A (produtora) Danusa Carvalho foi � reuni�o (de negocia��o com a cena local). Quando voltei, assumi e fiz essa conversa com todos. S� que senti que, ao mesmo tempo, existem outras for�as paralelas a essas que s�o colocadas. Por exemplo, Pieta e Jo�o estavam na programa��o e, de uma hora para outra, pediram para sair. Senti que teve algo que n�o foi uma consulta compartilhada. Foi algo meio opressor”, diz Renegado.
CIRCUITO Para N�vea Sabino, o modo como o Felim foi organizado lembra o de outra iniciativa do rapper, o Circuito Gastron�mico de Favelas, ao qual ela dirige cr�ticas por alijar as comunidades que deveriam estar diretamente envolvidas. “D� uma volta no Alto Vera Cruz e pergunte a algum morador. Era um projeto local da periferia, de economia de quintal, com donas de casa que cozinham. As pessoas que t�m poder pol�tico pegaram a proposta e, hoje, o circuito � uma realidade da cidade que acontece no Centro e nenhum favelado consegue chegar perto nem comprar um prato”, afirma.
Renegado contesta essa vis�o, e diz que o Circuito nasceu em seis comunidades como um trabalho de gera��o de renda. “� um equ�voco t�o grande, porque temos fam�lias que atendemos, pessoas que estavam passando fome e hoje possuem renda. O projeto veio para o Centro, onde fazemos o encontro com a comunidade, e eles comparecem, sim.”
“BH precisa, sim, de um festival, mas j� existe. Precisamos � dos recursos”, afirma N�vea. Fl�vio Renegado garante que o evento n�o ser� cancelado e convida os opositores a participar e se reunir para um debate de ideias. Em entrevista ao Estado de Minas antes da divulga��o da nota de rep�dio, o rapper havia dito que o objetivo era empoderar os novos poetas. “A juventude est� falando o que sente, o que pensa e o que vive. Por isso nosso trabalho � focado nas escolas p�blicas. � necess�rio que mais pessoas tenham acesso � literatura.”
A programa��o do festival prev� “saraus do conhecimento”, competi��es com premia��es financeiras. Para o poeta e pesquisador Rog�rio Coelho, articulador do Coletivoz, a atividade demonstra o desconhecimento dos organizadores do Felim sobre a composi��o dos movimentos. “Ou � uma competi��o, um concurso de poesia ou � um slam. Voc� � convidado para um sarau e, de repente, tem uma competi��o. Sarau � uma troca de ideias, encontro, escuta. Competi��o implica jogo. Ent�o, deve ser dado outro nome”, afirma.
Em rela��o a esse aspecto, Renegado responde: “Se as pessoas virem os crit�rios de inscri��o, ver�o que o evento � para estudantes. A premia��o � para os estudantes e para as escolas”. O rapper afirma que a associa��o Arebeldia � um espa�o democr�tico e aberto a cr�ticas. “Quando eles quiserem formalizar uma carta e falar que querem sentar conosco, vamos fazer isso. Mas se eu for olhar tudo o que � falado na rede social, n�o vivo. A vida tem que ser mais real e menos virtual.”
* Estagi�ria sob a supervis�o da editora Silvana Arantes
1º FELIM
Festival de Literatura Marginal. At� domingo (24). Programa��o de hoje, na Escola Municipal Professor Mello Can�ado (Rua das Pet�nias, 2.058, Lindeia, Barreiro), com performances de Chacal (RJ), Mel Duarte (SP), Leticia Brito (RJ), Nelson Maka (BA) e Ber� MC (BH), �s 20h; Manu Dias canta Carolina Maria de Jesus, �s 21h; ensaio da bateria do bloco Pena de Pav�o de Krishna, �s 21h.