
N�o que o resto da biografia de Fela Kuti fique de fora. Pelo contr�rio. Fela foi mesmo um homem de comportamento pouco convencional, mas seu car�ter contestador parecia estar com frequ�ncia a servi�o de causas pol�ticas – e esse aspecto ganha relevo no filme. N�o apenas o vemos em cena, em apresenta��es que ganhavam ares de rituais, mas a partir do olhar dos que com ele conviveram: parceiros de m�sica, filhos, mulheres – todos entrevistados pelo mestre de cerim�nias do longa, o m�sico afro-cubano Carlos Moore, bi�grafo de Fela Kuti.
Pioneiro do g�nero afrobeat, Fela fazia apresenta��es que se assemelhavam a rituais, com presen�a de palco incr�vel e can��es de r�tmica forte e c�lulas mel�dicas reiteradas, que se assemelham a mantras dionis�acos. Levava o p�blico ao transe. Mas n�o ao transe alienado ou meramente cat�rtico, pois as letras eram fortemente contestat�rias do regime nigeriano.
Tal intensidade levou � cren�a em um artista intuitivo, mas isso est� longe da verdade. Filho de um pastor protestante e de uma pioneira feminista, Fela teve educa��o primorosa. Estudou m�sica em Londres e dominava uma s�rie de instrumentos – saxofone, trompete, teclados, percuss�o e guitarra –, al�m de compor e cantar. Sua presen�a esguia, muscular e cheia de energia no palco levava o p�blico ao del�rio. A sustentar esse paroxismo emocional, havia uma s�lida arquitetura musical.
Rebelde, Fela completou sua educa��o pol�tica na ida aos EUA, em 1969, durante a guerra civil na Nig�ria. L� conheceu os Panteras Negras por meio de Sandra Smith, que o apresentou �s ideias de Malcolm X e Eldridge Cleaver. O Fela Kuti que retornou � Nig�ria em companhia de Sandra era um homem mais politizado do que aquele que havia sa�do. Atirou-se de cabe�a �s lutas libert�rias e � causa pan-africanista.
Seus entreveros com as autoridades se tornaram frequentes. O sucesso do �lbum Zombie (alus�o pouco elogiosa aos soldados nigerianos) o indisp�s com o regime. �dolo popular, tornou-se inimigo p�blico do governo. A comuna que havia fundado, a Rep�blica Kalakuta, foi atacada com extrema viol�ncia. A m�e de Fela, j� idosa, foi jogada pela janela e ele foi agredido e preso.
A persegui��o n�o deteve Fela, cuja vida e obra tiveram v�rios outros desdobramentos at� receberem o ponto final de uma doen�a para a qual n�o havia cura.
REFLEX�O O tom encontrado pelo diretor brasileiro para a narrativa dessa vida �pica � trepidante n�o exclui pontos de reflex�o e de contextualiza��o. A excelente m�sica de Fela Kuti cresce quando conhecemos o entorno hist�rico, tanto pessoal quanto pol�tico, no qual ela surge. S� ent�o ganha sentido pleno.
O filme tamb�m atenta para as contradi��es de Fela, que, em ocasi�es, submerge � viol�ncia que combatia e o vitimou e cujo comportamento com as mulheres � pouco exemplar, mesmo visto em seu ambiente cultural. A estreia do document�rio no circuito comercial est� previsto para este semestre.
O cineasta Joel Zito Ara�jo � artista antenado na batalha da causa negra no pa�s. Autor de obras importantes como A nega��o do Brasil (livro e filme) e As filhas do vento, com Meu amigo Fela ele p�e essa luta em dimens�o internacional. Com engenho e arte. E muita paix�o. (Estad�o Conte�do)