
S�o Paulo – O canal KondZilla conta, atualmente, com 50,88 milh�es de inscritos no YouTube. “Isso representa 24% da popula��o brasileira e, aproximadamente, 42% de todos os usu�rios �nicos da plataforma YouTube no Brasil.” Konrad Cunha Dantas, de 30 anos, o KondZilla, ou simplesmente Kond, traz na ponta da l�ngua os n�meros do canal exclusivo de funk. Criado em 2012, � o maior canal de m�sica do mundo. A partir do sucesso da iniciativa, o jovem da periferia do Guaruj� se tornou produtor e empres�rio de uma s�rie de funkeiros.
Sintonia, s�rie que a Netflix lan�a nesta sexta-feira (9), � mais um sonho realizado de KondZilla. “(Na favela) Voc� n�o pertence a lugar nenhum, voc� pertence ao seu sonho”, diz ele, que comprou, 11 anos atr�s, sua primeira c�mera com o dinheiro do seguro de vida que recebeu ap�s a morte da m�e. Com seis epis�dios, a s�rie nasceu da cabe�a do pr�prio KondZilla – que tamb�m dirigiu o t�tulo, em parceria com Johnny Ara�jo. A produ��o leva a assinatura de Losbragas, produtora das irm�s Alice Braga e Rita Moraes e de Felipe Braga.
Em Sintonia, o cen�rio � a fict�cia favela Vila �urea (nome que homenageia a m�e de KondZilla). Situada na Zona Leste de S�o Paulo, ela � o local onde os tr�s protagonistas nasceram e vivem. Amigos da vida inteira, Nando (Christian Malheiros), Doni (Jottap�) e Rita (Bruna Mascarenhas) t�m trajet�rias bastante distintas.
Rita � uma garota que vive sozinha e se vira como pode. Vende muamba nas paradas de trem e metr� e sabe, como poucos, fugir dos canas. Vai encontrar na igreja evang�lica um rumo.
Donizeti � o playboy da favela. Filho de um casal de evang�licos, estuda em col�gio fora da comunidade e ajuda o pai na mercearia local. Mas sonha alto. Bom de rima, ele �, para os amigos, o MC Doni, que quer fazer sucesso como artista de funk ostenta��o.
Por fim, Nando, o mais velho do trio, � um jovem ambicioso, que est� come�ando a escalar posi��es no organograma do crime. Casado e pai de uma crian�a pequena, � leal aos amigos e temente a Deus. Mas isso n�o o impede de empunhar uma arma quando julga necess�rio.

FIC��O, MAS N�O TANTO “Este foi o meu projeto mais longo, pois come�ou na minha adolesc�ncia, morando na favela do Guaruj�. Ouvindo aquelas hist�rias, eu pensava: 'Cara, se um dia eu tiver oportunidade de trabalhar com audiovisual, gostaria de contar a hist�ria desse cara, daquele outro...' A s�rie � fic��o, mas baseada em muitas coisas que a gente ouviu”, afirma KondZilla.
“O tempo todo a nossa aten��o estava em construir uma narrativa cl�ssica, de entretenimento, mas sem perder a voz original. E este � o grande trunfo”, diz Rita Moraes. “Este foi o grande trabalho. Ser leg�timo, aut�ntico, fazer com o que o cara da favela assista �quilo e fale: 'Este sou eu, ou � meu primo, meu tio’”, aponta KondZilla.
Chegar � Netflix, para ele, � um passo e tanto. “Como a gente consegue alcan�ar mais p�blico ou outros territ�rios? Migrando de plataforma. Sou muito grato pelo trabalho que desenvolvemos no YouTube, uma plataforma democr�tica. Mas, hoje, temos (a empresa) outros talentos trabalhando nisso. A gente despertou o interesse de toda a ind�stria do audiovisual para realizar conte�do para o jovem de favela. Mas quem � que est� fazendo conte�do para o jovem de favela na Netflix, por exemplo?”
“Pega a vis�o: favela city. Cada uma na sua caminhada, num corre, atr�s do sonho. O foda � que, pra sonhar, tem que fechar o olho. Aqui n�o d� pra ficar moscando n�o, parceiro. Em um segundo, toda a sua vida pode mudar.” � assim que Doni apresenta a sua rotina e a daqueles que moram na mesma favela.
J� em seus momentos iniciais, Sintonia chama a aten��o pelas g�rias. “O vocabul�rio � regional. Quem � da Zona Leste fala diferente de quem � da Zona Sul. E � tudo S�o Paulo”, diz KondZilla. A preocupa��o em tornar cr�vel n�o s� a narrativa, mas a maneira como ela � apresentada, foi uma constante na s�rie. “Se essa galera se reconhecer na s�rie, este ter� sido o grande m�rito de Sintonia”, acrescenta Rita Moraes.

FIGURA��O Para aproximar a fic��o da realidade, a produ��o se valeu de figuras do meio. Uma igreja evang�lica serviu como cen�rio – e muitos fi�is fizeram pontas. Ton Carfi, cantor bem conhecido no meio gospel, tem destaque nas cenas musicais dos cultos. J� os int�rpretes dos traficantes s�o oriundos do sistema penitenci�rio – ex-presidi�rios, come�aram a atuar em um projeto da Penitenci�ria Adriano Marrey, em Guarulhos.
Para o elenco, houve a inten��o de n�o levar caras conhecidas. Os dois nomes mais reconhec�veis s�o os da cantora e atriz Leilah Moreno, que interpreta a MC Dondoka, e o de Jottap�. H� dois anos funkeiro que integra o casting da KondZilla, ele, no passado, assinava Jo�o Pedro Carvalho. Ainda crian�a, protagonizou o longa O menino da porteira (2009). Mais tarde, participou de novelas como Avenida Brasil (2012) e Chiquititas (2013-2015).
“A liberdade do texto foi a melhor coisa. O pessoal que escreveu n�o era da periferia. Diziam para a gente: 'Voc�s que conhecem, mudem'”, conta Jottap�, de 19. Ele � autor de um dos v�rios funks que seu personagem interpreta na s�rie – as m�sicas ser�o lan�adas nas plataformas digitais. N�o estranhe se, logo de cara, os versos ditos pelo MC – “N�o � voc� que gostava de brincar de iludir? T� nem a�, to nem a�” – n�o sa�rem de sua cabe�a.
Assim como Jottap�, o ator Christian Malheiros, de 20, tamb�m veio de favela. S� que de Santos. Formado em artes c�nicas, ele fugia do audiovisual. “Queria fazer teatro para o resto da vida. Quando vim para S�o Paulo, entreguei curr�culo no McDonald's. At� que algu�m me empurrou”, ele conta. O empurr�o foi o filme S�crates, que estreia tamb�m nesta sexta nos EUA e chega em setembro aos cinemas brasileiros.
Dirigido por Alex Moratto, filho de um americano com uma brasileira, o filme tem boas credenciais – recebeu pr�mios na Mostra de S�o Paulo, no Festival do Rio, no Mix Brasil e no Spirit Awards, o Oscar dos independentes. Christian interpreta o personagem-t�tulo, um rapaz de favela, gay, “que tenta sobreviver sem se jogar no mundo paralelo das drogas”, diz ele. Bem ao contr�rio de Nando.
Para Sintonia, Christian e Jottap� passaram por uma prepara��o durante dois meses. A 15 dias do in�cio das filmagens, a atriz escalada para fazer Rita saiu do projeto. Foi uma correria para encontrar outro nome. Bruna, de 23, se encaixava nos requisitos para o papel, s� que � de Niter�i. Ao contr�rio dos colegas, n�o nasceu em favela. Estava na �ltima semana dos 45 dias do per�odo de experi�ncia em um restaurante badalado de S�o Paulo quando foi chamada. Teve um trabalho intenso com uma fonoaudi�loga e preparador de elenco para encontrar o tom certo da personagem. “Como tinha pouco tempo, tive que falar ‘paulista da quebrada’ com a minha fam�lia e amigos”, ela conta.
Despretensiosa, com uma linguagem direta e sem querer inventar a roda, Sintonia se comunica bem com o p�blico, seja ele de onde for. J� no segundo epis�dio, as g�rias, que no primeiro momento provocam estranhamento nos n�o iniciados, v�o sendo facilmente assimiladas. O m�rito maior da s�rie, talvez a mais bem resolvida da safra nacional da Netflix, � dos tr�s protagonistas. A empatia entre o trio � tamanha que s� nos resta torcer por eles. Mesmo que n�o faltem pedras em sua caminhada.
• PAPO RETO
Confira g�rias comuns em Sintonia
» Colar com – Andar junto com
» Encostar – Participar, comparecer
» Fluxo – baile funk
» Mandar um salve – Mandar not�cias
» Moscar – Estar por fora
» Perrequeira – Menina chata, que cria problemas
» Pode p� – Obrigado
» Suave – Numa boa
» Trampo – Trabalho
» Treta – Problema, briga
SINTONIA
• A s�rie com seis epis�dios estreia nesta sexta (9) na Netflix
A rep�rter viajou a convite da Netflix