Tradutores de Libras d�o um show � parte nos palcos de Belo Horizonte
Dinalva Martins compartilhou com os surdos as can��es de Daniela Mercury, enquanto Jonnathan Galv�o usou as m�os para 'explicar' o rap de Djonga. Ambos brilharam na Virada Cultural
postado em 11/08/2019 04:00 / atualizado em 09/08/2019 13:29
Jonnathan Galv�o traduz, com as m�os, a palavra estudar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press
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“Pura emo��o”. Assim Dinalva Andrade Martins descreve o show de Daniela Mercury na Virada Cultural de BH, realizado em julho. Do palco, ela podia ver o imenso p�blico que foi � Pra�a da Esta��o ver a baiana cantar. De certa forma, Dinalva tamb�m foi estrela daquela noite. L� embaixo, um grupo de 20 surdos dan�ava, tirava fotos e curtia tudo – todo mundo de olho nela. Especialista em L�ngua Brasileira de Sinais (Libras), Dinalva traduzia para eles as letras das can��es.
“Entrei no clima e dancei at�. Ao mesmo tempo, ia passando tudo o que estava acontecendo ali para eles. Os surdos vibraram. Al�m da divers�o, tive aquela gostosa sensa��o de dever cumprido”, conta Dinalva.
Durante a Virada, n�o s� os artistas chamaram a aten��o. Nas laterais dos palcos, tradutores de Libras deram um show a parte. Dinalva, por exemplo, teve um fim de semana puxado: al�m de Daniela, apresentou-se com Veronez e Odair Jos�, na Rua Guaicurus, al�m de acompanhar o bloco Chama o S�ndico, a Orquestra Royal e a cantora X�nia Fran�a.
“� um trabalho pleno. Podemos ver a realiza��o estampada no rosto dos surdos que l� est�o. Embora n�o escutem os sons, eles sentem a intensa vibra��o. E contam tamb�m com a imagem, que � um outro tipo de recep��o”, explica a especialista. Formada em Libras e teatro pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi ela quem montou a equipe de seis int�rpretes que trabalharam na Virada Cultural.
Dinalva � do ramo. J� subiu ao palco ao lado de Erasmo Carlos, do cantor Rubel e de v�rios rappers. Aprendeu a traduzir para os surdos aquelas letras quilom�tricas do hip-hop. Em 12 de setembro, estar� no Cine Theatro Brasil Vallourec participando da quarta edi��o da Mostra Cine Brasil de Teatro e M�sica.
“Fa�o isso h� dois anos. Atuo em diversos eventos, fiz at� piquenique liter�rio. Escrevi uma pe�a para cegos e surdos, Mem�rias de Ana, que apresentamos recentemente e deve voltar ao cartaz em 2020”, orgulha-se.
Tudo come�ou quando ela, estudante de teatro, encantou-se pela l�ngua de sinais. “Foi mesmo por causa da acessibilidade, confesso. Fiz os cursos b�sico e intermedi�rio de Libras, iguais aos outros de qualquer l�ngua. Depois, durante tr�s anos, fiz o curso para int�rprete de Libras”, conta.
Dinalva estudou no Centro de Extens�o da Faculdade de Letras da UFMG, onde Libras � apenas uma das l�nguas ensinadas.
A especialista mant�m a p�gina “BH em Libras” no Instagram e no Facebook. Entusiasmada com seu of�cio, avisa: “No dia 25, come�o a ministrar curso de Libras na Associa��o dos Surdos de Contagem”.
"Consegui passar para os surdos o que estava acontecendo no palco. Por ser rap, confesso que n�o foi f�cil, mas acredito que cumpri bem o meu trabalho"
Jonnathan Galv�o, tradutor de libras no show de Djonga
Dinalva Martins no show de Veronez e Odair Jos�, no Palco Guaicurus da Virada Cultural (foto: Marcos dos Santos/acervo pessoal
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DESAFIO Durante o show de Djonga, que levou 40 mil pessoas � Pra�a da Esta��o, Jonnathan Galv�o enfrentou o desafio de traduzir em gestos a “metralhadora de rimas” do mineiro, um dos rappers mais importantes do Brasil.
“Foi tudo muito legal. Com certeza, consegui passar para os surdos o que estava acontecendo no palco. Por ser rap, confesso que n�o foi f�cil, mas acredito que cumpri bem o meu trabalho”, orgulha-se. Durante a Virada, Jonnathan tamb�m subiu ao palco com Moraes Moreira e participou de dois espet�culos infantis no Parque Municipal.
De acordo com ele, h� uma esp�cie de “pacto” entre o tradutor e seu p�blico. “A gente se posiciona e o pr�prio surdo, ao nos ver, aproxima-se do palco.”, explica. “No momento em que estamos fazendo a tradu��o simult�nea, passam v�rias coisas pela cabe�a, principalmente quando � m�sica, pois precisamos, por meio do nosso corpo, traduzir o que ocorre atrav�s da express�o facial e corporal”.
"Entrei no clima e dancei at�. Ao mesmo tempo, ia passando tudo o que estava acontecendo ali para eles. Os surdos vibraram"
Dinalva Andrade Martins, tradutora de Libras no show de Daniela Mercury
Pe�as no Cine Theatro Brasil Vallourec s�o traduzidas por Dinalva Martins (foto: J�lia Lanari/divulga��o
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PESQUISA O trabalho do tradutor de Libras n�o se limita ao palco. Jonnathan Galv�o n�o conhecia o repert�rio de Djonga. Antes da Virada, ele pesquisou as letras do rapper na internet.
“Tive menos de um dia para escutar as m�sicas. �s vezes, tamb�m temos dificuldades com o retorno (do som, que permite ouvir o que o artista est� dizendo), pois ele nem sempre est� de acordo. No caso do Djonga, tivemos um bom retorno. Mas como � rap, fica muito dif�cil, pois as m�sicas s�o r�pidas.”
O ideal � que o trabalho seja repassado com anteced�ncia ao especialista em Libras. “H� produtores de teatro que nos mandam antes um v�deo e o texto chega uma semana antes da estreia. A� posso estudar o material. Pesquiso os sinais, fa�o ensaios em casa. Agindo assim, j� estou mais preparado no dia do espet�culo”. Por�m, no caso da Virada Cultural, foi tudo simult�neo – ou seja, na hora.
Galv�o conta que a profiss�o � cheia de desafios, sobretudo na �rea cultural. “� uma coisa nova, tanto para os artistas quanto para os produtores. Enfrentamos muitos problemas, como pedir para acenderem uma luz pra gente, a necessidade de um bom retorno, coisas assim”.
Quando se interessou por Libras, ele teve dificuldade de descobrir onde poderia aprender a l�ngua de sinais. “Na �poca, havia pouca orienta��o, mas encontrei a Federa��o Nacional de Educa��o e Integra��o dos Surdos (Feneis), no Bairro Cruzeiro, onde estudei. Curiosamente, muito tempo depois, descobri que tenho uma prima surda.”
Atualmente, Jonnathan Galv�o trabalha com palestras, pe�as de teatro, confer�ncias e em salas de aula.
Mem�rias de Ana, pe�a escrita por Dinalva Martins para cegos e surdos (foto: Nat�lia Martins/divulga��o)